UMA DÉCADA DE BLURRYFACE: A ANSIEDADE QUE VIROU HINO DE UMA GERAÇÃO

Das questões emocionais às lutas contra nossos demônios internos, o Twenty One Pilots soube transformar o sofrimento em narrativas inspiradoras.

Arte: Inaê

O que nos conecta com a música? Muito acredita-se que a fácil identificação com um determinado artista ou movimento musical é o que catapulta alguém a entrar de cabeça nesse meio.

Tomemos como exemplo alguns movimentos alternativos, como o emo, que continua marcando presença no cotidiano de nós, emos “véios”, e já nos acompanha há pelo menos duas décadas. Mas já se perguntou por que ele ainda vive, pulsa e emociona? A resposta é simples: identificação.

Quando o Twenty One Pilots lançou o seu álbum de maior sucesso em 2015, é possível que a dupla Tyler Joseph e Josh Dun não tivesse dimensão do impacto que Blurryface causaria. Mas o que eles criaram ali foi muito mais do que um disco: foi um ponto de encontro para quem carregava inquietações internas, crises de identidade e um certo estranhamento com o mundo ao redor.

Foto: Mackie Montgomery

Rapidamente, milhares de fãs foram acometidos por uma identificação única, um sentimento de pertencimento, pois ali eles encontraram uma banda que resoava em seus corações ansiosos, um sentimento de esperança que trouxe luz a seus corações há tempos perdidos nas sombras.

As letras falam sobre ansiedade, crise de identidade, medo de crescer, e a vontade de encontrar um lugar no mundo.

É um disco que abraça a vulnerabilidade sem soar didático. Por esse mesmo motivo, muitos fãs se conectaram profundamente com suas faixas.

O impacto do disco que marcou uma geração

Logo que fora lançado em maio de 2015, o álbum estourou o nicho da cena alternativa e alcançou patamares inimagináveis.

Blurryface estreou em primeiro lugar na Billboard 200 e diversos singles possuem números de reproduções impressionantes até os dias de hoje. Clássicos como “Stressed Out”, “Ride” e “Heavydirtysoul” fazem parte das setlists de shows mundo afora.

Foto: Juliana Concepcion

Podemos dizer que o duo de Ohio conseguiu capturar seu próprio relâmpago em uma garrafa — expressão usada quando algo raro e difícil de replicar é feito com maestria. O Twenty One Pilots uniu, em Blurryface, todos os elementos artísticos que elevam uma obra ao status de icônica: faixas marcantes? Temos. Uma estética única e imediatamente reconhecível? Com certeza. Letras introspectivas e poéticas, dignas de serem lidas fora da música? Absolutamente sim.

A soma de tudo isso resultou em um álbum singular, com uma sonoridade que rompeu barreiras e uma capacidade rara de dialogar com uma geração inteira — ansiosa, criativa, em busca de significado.

Quem é Blurryface?

Blurryface é muito mais que apenas o nome do álbum, é uma persona, criada por Tyler Joseph. Tal personagem representa tudo aquilo que o artista mais teme: insegurança, ansiedade, autojulgamento.

Parte do visual icônico que surgiu com o álbum, como por exemplo as mãos e pescoço pintados de preto, simbolizam essa presença constante e sufocante dos medos de Tyler. A dualidade entre o eu público e o eu interno, entre a confiança performática e o medo silencioso, transforma Blurryface em um anti-herói que muitos fãs aprenderam a amar, e, de certa forma, a ser.

A música “Stressed Out” faz referencia direta ao personagem, aos medos e inseguranças de Tyler. Sua letra mostra que, a transição da infância para os anos seguintes não é nada fácil, e ela vem acompanhada de dores, pesares e agonias.

My name’s Blurryface and I care what you think

A estética e o visual: o vermelho, o preto, o branco

A era Blurryface não foi marcada só pelas músicas, mas por uma estética que se tornou instantaneamente reconhecível.

O vermelho, o preto e o branco estavam em tudo — dos figurinos aos clipes, dos palcos à identidade visual. E não era só estilo: cada cor tinha um peso.

O vermelho, por exemplo, foi usado como símbolo de intensidade, de algo a ser combatido. Era a cor da urgência, da raiva, da luta interna.

Já o preto representava insegurança, medo, tudo aquilo que a gente tenta esconder. As mãos e o pescoço pintados de Tyler se tornaram ícones disso — e os fãs entenderam. Não só entenderam, como se pintaram também. Virou uma forma de dizer: “eu sinto isso também”.

O branco, mesmo mais discreto, funcionava como ponto de equilíbrio, como se fosse o fio de esperança no meio do caos. No fim das contas, essas três cores não eram só visuais — elas contavam uma história. E ajudaram a transformar Blurryface em uma era com alma própria.

It’s the few, the proud, and the emotional

O legado e influência

Podemos dizer que o disco foi um ponto de virada dentro da indústria musical. O álbum abriu espaço para que outros artistas da cena alternativa abordassem temas como ansiedade, insegurança e saúde mental sem medo de serem julgados como fragilizados. Tal sensibilidade passou a ser vista como força.

Diversos artistas que surgiram posteriormente beberam dessa fonte, seja na forma de se expressar, nas letras ou até mesmo na estética. A mistura de estilos musicais, o uso das cores marcantes e até mesmo a imagem passaram a ser usados como ferramenta narrativa por outros artistas.

Mesmo depois do fim da era Blurryface, o impacto segue vivo. Não só pela música, mas por tudo o que ela representou: um disco que teve a coragem de ser honesto.

Blurryface hoje: ainda nos assombra?

Em 2018, com o álbum Trench, Tyler e Josh se despediram do personagem. Mas a presença dele nunca sumiu de verdade.

Blurryface ainda vive nas músicas, nos símbolos, nas tatuagens e nas mãos pintadas que continuam aparecendo nos shows. Ele virou mais do que um conceito — se tornou parte da identidade emocional dos fãs. Um espelho dos medos que a gente ainda carrega.

Foto: Mackie Montgomery

Agora, com o lançamento de Clancy (2024), o ciclo enfim se fecha. Mas a verdade é que Blurryface nunca foi só um vilão. Ele era a dor que tentávamos entender. Era o medo com o qual conversávamos no escuro. E enquanto houver alguém tentando lidar com tudo isso, Blurryface ainda estará por aqui — nos assombrando.

Conclusão

Mais do que um álbum, mas sim um espelho emocional, Blurryface mostrou que é possível convivermos com nossos monstros internos. Seu legado ultrapassa números ou posições nas paradas, ele está no coração e memórias de quem, um dia, encontrou ali um lugar seguro.

A conexão com a música, especialmente quando ela é feita com tanta verdade, permanece viva com o tempo. É por isso que este trabalho é atemporal, pois nada irá mudar a conexão criada com a identificação por parte dos fãs.