UMBRA permite que possamos dançar novamente

Quarto disco de estúdio da banda de Filadélfia é denso, energético e contagiante

Capa: Fearless Records

Por Marfelo Lacerda

Algumas bandas criam uma conexão com o ouvinte como se fosse um laço de amizade. O Grayscale é uma dessas bandas que são capazes de impactar seu público de forma intensa, permitindo até criar grandes mudanças em suas vidas. Sem medo de colocar o dedo nas feridas, a banda se recusa a entregar letras rasas, ainda que pise num território um pouco piegas de vez em quando.

(Foto: Jordan Miz)

Dessa forma, as músicas do álbum Adornment foram trilha sonora de momentos de cura para vários fãs do grupo. Você pode perguntar — quase qualquer nerd de Pop Punk que teve contato com esse álbum coloca ele no Top 5 de 2017.

Mas assim como as amizades, é normal se afastar da banda por algum tempo.

Em 2019, o grupo da Filadélfia dividiu com o público o Nella Vita, um álbum onde exploravam seus limites sonoros com a adição de novos instrumentos e sintetizadores, dando um passo a mais num universo dançante — embora seja difícil pontuar os motivos exatos que fizeram com que esse álbum não obtivesse a mesma aclamação do primeiro.

Essa desconexão, pode vir de diferentes motivos, desde a mudança de sonoridade até mesmo a fase pela qual seu público estava passando. Porém, faixas como In Violet e Tommy’s Song têm um carinho especial dos fãs principalmente por lidar com temas delicados como luto e suicídio de formas muito bonitas.

(Foto: Jordan Miz)

Dois anos se passaram e todos que foram impactados pela pandemia global querem apenas poder dançar novamente. É então que o Grayscale  entrega um álbum novo: UMBRA. Como descrevê-lo? Sabe aquele meme da casa cor de rosa do lado da casa preta? O som é a casa rosa, e as letras, a casa preta. UMBRA é denso e dançante e aborda a vida, a morte, relações, abusos, drogas, sexo, êxtase e redenção. Uma explosão de anos 80 e angústia, trevas e technicolor.

O álbum começa já lhe entregando seu espírito em uma bandeja: Without You traz um combo de guitarra e sintetizador abafados por um filtro. Um crescendo com um reverse sweep tão iminente e recompensante que podia ter saído de uma música da Carly Rae Jepsen, assim como o naipe de metais que atravessa a o compasso junto com o ataque da bateria para nos entregar o instrumental completo que deixa bem claro que o Grayscale transcendeu o Pop Punk.

Toda essa euforia instrumental serve de ambiente para uma letra que comemora a conquista da liberdade e o fim de uma relação tóxica. Falsetes, solos de sax e uma harmonia que nunca se resolve na tônica. Without you é a Run Away With Me do Grayscale.

O álbum segue com a densa Dirty Bombs. O riff contagiante trás sua atenção para uma letra que vem como um soco questionando a necessidade de aceitação e exaltando autenticidade, abraçando o lado feio e confuso da própria existência. A temática de relações tóxicas retorna da faixa três, Bad Love onde Colin, o vocalista, nos apresenta uma romance do eu lírico com Jenny — uma jovem que encontra, no uso de drogas pesadas, escapismo para seus traumas. A história não acaba bem, mas na tentativa de confortá-la, o narrador passa a usar as drogas para que possam ficar juntos. As guitarras afiadas e sintetizadores criam a trilha sonora para esse romance trágico.

Motown nos traz um alívio dos temas pesados para tratar de assuntos mais adultos ao som de The Temptations. Com uma linha pungente de baixo, ela leva o ouvinte para um passeio por referências a famosa gravadora até o segundo solo de sax do álbum.

(Foto: Jordan Miz)

O setlist segue com Over Now, um que “saudade da minha ex” com um temperinho de The 1975 por cima das estrofes que pode trazer de volta algum sentimento de saudade atrelado a relacionamentos já vividos, nos embalando até um refrão carregado com um pequeno aceno à faixa introdutória do primeiro álbum do Grayscale, What We’re Missing.

A faixa seis, Dreamcatcher, marca a metade do álbum. A letra parece narrar um episódio desesperado, implorando para que uma certa Katie venha ao encontro do eu lírico, quase como uma fissura; um vício. Ele cita o sabor de menta, remédios e hospitais ao ponto que deixa uma pulga atrás da orelha. Seria Katie um eufemismo para Cetamina? Musicalmente, a faixa, ainda que divertida, entrega poucas coisas novas com o destaque para os corais artificiais que reforçam as frases do refrão.

Chegando em outro ponto alto de UMBRA, o single de lançamento Live Again. Nele, a banda revisita temas de luto e morte como em In Violet, mas numa atmosfera similar a Tommy’s Song, mostrando que a banda sabe muito bem misturar elementos do seu próprio catálogo e surgir com algo novo e especial. Live Again é uma daquelas canções que é difícil ouvir sem se emocionar e arrepiar, principalmente na ponte final onde um coral dá um tom gospel à faixa. 

Já em Carolina Skies recebemos estrofes que poderiam ter saído de uma música dos Chainsmokers no momento mais pop do álbum, ela poderia ser elevada com mais variações nos refrões finais mas ainda assim é uma candidata e embalar romances por aí.

(Foto: Jordan Miz)

Agora, você quer tristeza? Em King Of Everything eles realmente entregam tudo pra quem está triste, largado, abandonado e arrasado. A música ainda conta com uma ponte onde um voz repete a mesma frase no melhor estilo de Streetcar (Funeral for a Friend).

Na reta final do UMBRA temos as duas músicas mais curtas. Primeiro, voltamos à vibe dançante com o single Babylon (Say It To My Face), a faixa é recheadas de guitarrinhas agudas e letras sarcásticas, sintetizando bem a ideia do álbum como um todo, sem um tema tão denso. E finalmente o álbum se encerra com a romântica (e triste) Light, que parte o coração quando termina sem nem ao menos avisar.

Veredito

Se no Nella Vita o Grayscale saiu da zona de conforto e flertou com o pop, ritmos dançantes e sintetizadores, em UMBRA eles entregam amadurecimento e auto-realização dentro dessa sonoridade. Poucas coisas soam como esse álbum que traz os elementos melódicos da origem da banda, letras maduras e variadas e arranjos que vão colocar seu corpinho em movimento, aceita essa dança? 

Para fãs de: Peach Club do Emarosa, Carly Rae Jepsen e o lado B do The 1975