Fresno entrega a season finale de Eu Nunca Fui Embora com a nostálgica Parte 2
Segunda parte do disco é uma viagem no tempo visitando os 25 anos da banda
Se a primeira parte de Eu Nunca Fui Embora resgatou as mais diversas sonoridades presentes nos 25 anos de estrada da Fresno, a segunda metade do álbum leva essa viagem no tempo para algo um pouco mais subjetivo e simbólico. Agora, as lembranças são pinçadas por meio de colaborações com nomes que fizeram parte dessa história e até mesmo com o encerramento de uma trilogia musical que caiu no gosto dos fãs.
A temática sonora das sete faixas que completam o disco segue com elementos oitentistas que vão desde o uso de sintetizadores até um ritmo mais dançante em algumas faixas. E, como é inevitável fazer a comparação, liricamente as “canetadas” não têm o mesmo peso de ENFE – Parte 1. Na segunda parte do disco, os refrões chicletes que embalaram as apresentações da banda no primeiro semestre não se fazem presentes.
As faixas
A primeira faixa, “A Gente Conhece o Fundo do Poço”, é a track com maior potencial para cair no gosto dos mais diversos fãs da banda. Com um ritmo dançante que chega a lembrar “Já Faz Tanto Tempo”, a canção mistura uma aura de animação com uma letra dramática sobre saúde mental. A combinação faz da música a trilha sonora perfeita para dar aquele gás em uma sexta-feira pós-expediente depois de uma semana estressante.
A segunda faixa já traz uma colaboração que resgata um pouco da história da banda com muita nostalgia e emoção. Em “Se Eu For Vou Com Você”, o ouvinte se depara com aquele que talvez seja o momento mais esperado pelos fãs ao longo dessas mais de duas décadas. Contemporâneas da era de ouro do emo no Brasil, Fresno e NxZero jamais haviam transformado em música a amizade que as bandas irmãs construíram fora dos palcos. Entretanto, em ENFE – Parte 2, esse momento finalmente chegou.
Em uma faixa que complementa liricamente os versos de “Eu Nunca Fui Embora”––eu nunca fui embora // só se for com você, é possível perceber que o álbum foi pensado como uma grande unidade, muito coesa e bem amarrada.
A terceira faixa do disco, “Fala Que Ama”, apresenta uma Fresno pop e dançante como vimos em “Me And You” na primeira metade do álbum. Não à toa, as duas músicas contam com a participação do baterista Thiago Guerra no processo de composição. A track empresta elementos de percussão da música pop transportando o ouvinte para a época das clássicas do gênero, como “Sorry” do Justin Bieber.
“Essa Vida Ainda Vai Nos Matar” é a mais ‘pauleira’ do disco. Com a colaboração de Dead Fish, uma das principais inspirações da própria Fresno no meio do hardcore, a música trata justamente da estrada cheia de altos e baixos trilhada por todos aqueles que ousam viver de música. Apesar de ser uma track com mais peso, os elementos oitentistas, como teclados brilhantes, se fazem presentes, mas sem abrir mão dos vocais gritaria.
Depois da romântica “Diga, Parte 1” e da furiosa “Diga, Parte 2”, chegamos ao fim da trilogia com “Diga, Parte Final” — música que empresta a voz de Filipe Catto. A faixa retoma a ambientação quase espacial da primeira parte e os vocais emocionados da segunda. Porém, dessa vez, vai além de um rompimento: a faixa narra o enterro de uma relação já sem volta. Filipe Catto complementa a track em forma de diálogo, entregando vocais de primeiríssima qualidade.
Em “Canção Pra Quando o Mundo Acabar”, o disco assume uma atmosfera sombria e transforma em versos as ideias do filósofo Nietzsche: “quando você olha para o abismo por muito tempo, o abismo olha pra você”. O filósofo alemão, ao falar do abismo, alertava para o cuidado que se deve tomar ao enfrentar monstros para que você próprio não se torne um.
E Lucas, que usa a palavra ‘precipício’ no lugar de abismo, brinca com esse conceito na letra da música em versos como “e o descontrole quer me controlar” e “tão sequestrador quanto refém”.
A última faixa do disco é uma releitura da música “Camadas”, presente em ENFE – Parte 1. A segunda versão da música recebe as vozes de Chitãozinho e Xororó, nos transportando diretamente para o Estúdio Coca-Cola Zero em 2008.
Veredito
A segunda metade do disco pode ser tratada como aquilo que, no mundo dos quadrinhos de heróis, é chamado de um grande fan service. As parcerias com NX Zero, Chitãozinho e Xororó, Dead Fish, junto da conclusão da trilogia “Diga”, apertam os botões da nostalgia de forma que é impossível não simpatizar com o álbum.
Um dos pontos negativos de dividir o disco em duas partes é a inescapável comparação entre as duas metades. E, nesse comparativo, a Parte 1 acaba levando vantagem na complexidade musical, desenvolvimento das letras e até em uma mais fácil “digestão” do disco.
Olhando como uma unidade, Eu Nunca Fui Embora é um disco completo, que ganha na primeira metade por critérios técnicos, e na segunda por elementos afetivos. A Parte 2 não empolga como a primeira, mas complementa de forma satisfatória o trabalho como um todo e cumpre muito bem o seu papel de tocar o coração dos fãs que acompanham a Fresno desde o começo –– e até mesmo daqueles que chegaram agora.