Metade prática, metade poesia: AQUINO dá início à nova fase com “Amor Sintético”
Com jogos de luzes, representações materiais das coisas e latinidade futurista, nasce a fase Nada Fica Muito Tempo Exposto ao Sol
Texto por Felipe Klopper
“É uma experiência muito doida.”
É assim que começa o trio carioca AQUINO a descrever a nova fase da banda, iniciada pelo single “Amor Sintético”. Formado por João Vazquez (Vavá) na guitarra, João Soto no baixo, e Leandro Bessa (Leleco) na bateria, a banda agora traz uma proposta completamente nova na identidade visual, sonoridade e até mesmo seu nome. Em entrevista ao Downstage, o trio conta como foi a produção do disco e as experiências durante o processo.
A jornada até Amor Sintético
“Nas primeiras demos do disco, a gente tava com elas prontas antes das demos do EP, né? Então tem algum tempo que a gente tá maturando o álbum. Algumas músicas mudaram, caíram, entraram outras, enfim, mudou muita coisa”, comentou Vavá ao ser questionado sobre voltar aos estúdios para gravar um álbum com uma pegada totalmente diferente do EP.
“A gente chegou na Rockambole no início de 2022 com as demos e falamos assim, ‘cara, a gente quer lançar isso aqui’. Eles viraram pra gente e falaram ‘pô, calma um pouquinho. Faz uma outra parada, deixa isso aqui amadurecer'”, conta o guitarrista. “A gente voltou e fez o EP. Foi também um momento de transição, de experimentar outras coisas e de fazer um trabalho mais em conjunto pela primeira vez. Acho que o [primeiro] disco foi uma coisa muito espaçada, e foi surreal. Foi uma experiência muito legal.”
“A gente chegou no EP, fizemos as coisas juntos pela primeira vez e foi um aprendizado surreal pra que a gente pudesse fazer o disco novo”, completa. “Eu gostei muito, muito, muito. Agora com a bagagem dos shows que a gente fez, das músicas que a gente gravou e também da estruturação entre a gente, de ter mais intimidade musical, é muito diferente, é muito legal.”
João Vazquez também conta ainda que Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã, primeiro álbum da banda, lançado em 2020, foi gravado antes mesmo da pandemia, com composições de quando tinham 16 anos de idade e que acabaram casando com o momento em que estavam vivendo com o enclausuramento por conta do COVID-19.
“A gente deu sorte nesse processo, né?”, relata João Soto. “Eu acho que um processo muito diferente que rolou com esse disco foi como a gente teve esse tempo todo, né? Porque essas demos originais de 2022, muitas delas são o coração das músicas que vão sair nesse disco de agora. Mas também teve muita coisa que foi transformada, e não necessariamente em uma gravação enclausurada de estúdio. Nosso processo foi muito espaçado e acho que até mais individualizado do que os outros, pelo menos na minha experiência de gravação”, conta o baixista.
Ele complementa dizendo que o trio não acompanhou o processo de gravação um do outro a todo tempo porque também estavam respeitando o espaço de criação de cada um junto com o Sidney, produtor da banda. E ainda completa: “Eu acho que isso foi um processo muito bom. Antes com o Leleco, fazendo as pré-produções no estúdio dele, a gente já tinha uma gênese do que queríamos e, a partir disso, fomos afinando ao longo de dois anos—eu acho—do estúdio que a gente está até agora.”
“No início, foi uma imersão muito grande de nós três. Depois, na outra etapa, zero imersão de nós três juntos. Mas estávamos sempre participando, obviamente, porque somos muito chatos e muito cricri no processo criativo”, confessa o baterista.
A banda também passou por uma mudança significativa: o encurtamento do nome, que passa de Aquino e Orquestra Invisível para somente AQUINO. Ao ser perguntado a motivação por trás dessa decisão e o que ela representa para o grupo, Soto brinca ao dizer que um amigo comentou sobre estar viúvo da “Orquestra Invisível” e completa: “É metade prática, metade poesia”.
O baixista revela que a parte prática é que quase todo mundo já os reconhecem somente por Aquino, e a parte poética vem de ser um trabalho que realmente é a cara do que a AQUINO representa, integrando por completo os três membros da banda. Isso porque no lançamento do primeiro álbum, o Leandro tinha acabado de chegar na banda e não teve muita participação nas composições e construção do disco em si.
“Esse trabalho já é uma realidade pra gente e para as pessoas que nos rodeiam: nossos amigos, nossa família e as pessoas que estão envolvidas no projeto.” Soto complementa com uma reflexão: “Olha o que o mundo tem acesso do que a gente acha que a gente é, e olha o que a gente têm produzido internamente que é muito diferente do que já existia.”
O baterista Leleco conta que, quando entrou na banda durante a etapa final da gravação do primeiro álbum, já existia a ideia deste novo projeto e alguns conceitos de músicas já tinham sido iniciados, mas nenhum chegou a realmente fazer parte do disco. Vavá conta, em tom de brincadeira, que o produtor deles tinha sugerido fazer um disco duplo: “Vinte músicas é uma trabalheira que não acaba mais!” e menciona os companheiros do Selo Rockambole, a banda O Grilo, que dividiram o disco Tudo Acontece Agora em duas partes.
Referências e sonoridades
Tirando inspirações de trabalhos clássicos da MPB até o rock e pop dos anos 2000, o trio carioca revela que, ao longo das 11 faixas do novo álbum, eles buscaram arranjos e experimentações mais diferentes do que estavam acostumados a fazer. Também contam que é um disco com muitos samples e recortes rítmicos.
“A gente fica com uma sensação de que é tudo novo, e de que a gente está, em cada música, experimentando alguma coisa”, explica Vavá. O guitarrista ainda conta que vê as experimentações como “riscos” que tomaram. Além disso, revela que público pode esperar coesão entre os três projetos da banda, e perceber que tem muito do AQUINO que os fãs já conhecem mas com uma nova roupagem.
O trio finaliza comentando que exploraram novas sonoridades e samples nos novos projetos, desde colagens com cacos de vidro sendo varridos e cadeiras de metal como percussão, até microfones na chuva.
Com o novo lançamento do primeiro single, “Amor Sintético”, o ouvinte já tem uma prévia do que será a estética que a banda está aderindo para a nova fase. Com a produção criativa de Giovana Lidizia, direção de arte de Marina Pellegrini, e direção criativa do próprio João Soto, eles exploram cores bem saturadas e alta temperatura que conversam sobre a dicotomia entre o natural/artificial, o orgânico/sintético e o “tropical, mas sem ser o tropical da planta”. Essas escolhas refletem não somente no single recém-lançado, mas também nas demais faixas do álbum.
O trio explica que a faixa “Amor Sintético” retrata uma paixão asséptica, sem contato entre os envolvidos, e corrobora com o que eles trazem no disco sobre pensar sobre a beleza natural se ela fosse totalmente sintética.
Soto, naturalmente carioca, traz o comparativo entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo com a relação entre a percepção da natureza e o ambiente todo em si. “No Rio, a gente vive muito com isso. Eu acho engraçado porque em São Paulo temos uma relação diferente com o ambiente, a gente não vê muita coisa, e no Rio, por a gente ver, acabamos caindo em um lugar de achar que está tudo muito garantido de alguma forma, como se a beleza natural se sustentasse por si própria. E a brincadeira que a gente quis trazer foi o oposto disso”, explica.
“Apresentar a latinidade através dessa coisa meio futurista, de pensar nesse cenário que não existe de fato”, complementa o baixista. “Essa tropicalidade através de coisas artificiais tem toda a questão meio que do lixo do terceiro mundo e explorar a saudade da natureza de uma forma básica”.
O trio revelou que a música “Camisa do Flamengo”, que já faz parte da setlist dos shows há um tempo, também fará parte da tracklist do novo disco. Vazquez conta que, para ele, o significado da canção é um resgate da infância em que era mais ligado ao futebol—por mais que não soubesse jogar—e retrata a dimensão do amor ao esporte independente da torcida.
O sentimento natural e verdadeiro por trás do Amor Sintético
Ao serem questionados sobre o que este novo disco representa particularmente para cada um deles de maneira mais pessoal, o silêncio permeou e foi necessário uma reflexão entre os integrantes.
João Soto é o primeiro do trio a trazer o sentimento à tona: “É a primeira vez que a gente está lançando um material que eu não sinto que está atrasado—de timing pessoal mesmo. De você se sentir representado neste trabalho. Quando a gente tava lançando Prédios e o EP, eu já não me sentia mais representado.”
Ele conta também que tinha “o desejo de viver o disco” há muitos anos porque, desde o lançamento e produção do EP em 2022, o novo álbum já estava engatinhando com suas primeiras ideias. “Eu acho que uma coisa muito boa foi esse chá de cadeira que a gente deu nesse disco, porque pra mim era tipo: se a gente pegar ele de volta e eu achar que não tem nada mais a ver com o que a gente está fazendo, a gente refaz”, comenta o baixista.
“Eu tinha até um bloqueio do tipo ‘se tudo que já saiu não tem nada a ver com o que eu acredito, o que é de verdade produzir música? O que é de fato estar atualizado?’ Eu acho que o que muda pra mim pessoalmente é esse senso de atualização que eu nunca tinha sentido antes,” completa Soto.
O próximo a abrir o coração foi Bessa. “Para mim, eu sinto uma parada muito ligada à parte instrumental. Eu participei bastante em coisas de beat, mais eletrônicas, e também na parte de percussão, obviamente. Então foi um processo muito legal, porque meu hobby é comprar instrumentos e aprender.”
Ele conta que o processo de construção de melodias e arranjos, além de participar e aplicar o que ele desenvolvia em casa em meio a estudos de beats e produção musical, é o que mais o deixou feliz. Principalmente após ter comprado mais um instrumento: o timbal, que foi explorado em algumas músicas do álbum.
Por último, Vazquez declara que o disco permitiu que eles pudessem mergulhar no que sabem fazer de melhor. “Acho que isso foi uma realização pessoal também muito boa. O que eu mais gosto no processo é escrever. E nesse disco deu pra escrever muito”, relata.
“Por exemplo essa dimensão do Leandro de poder explorar a percussão e tudo mais. O João caiu de cabeça na direção criativa. A gente ia sendo apresentado as coisas, e aprovando e conversando, sempre bastante juntos”. Vavá complementa o pensamento lembrando que ter uma banda é um projeto coletivo e a participação de cada um dos envolvidos no que mais gostam de fazer é fundamental.
Ao final da conversa, Soto traz mais uma reflexão: “O que quer que ‘sucesso’ signifique, não é garantido e também não é garantia de nada. A gente faz as coisas por amor, por acreditar, e por esperar que isso faça a gente evoluir para um profissional melhor, sabe? Então eu acho que, pra mim, só de termos conseguido fazer isso nesse disco, nesse processo familiar, tanto na produção das músicas quanto na produção das fotos e dos vídeos, é uma missão cumprida já. Um sucesso do caramba, sabe?”
Amor Sintético já está disponível em todas as plataformas digitais.