20 anos de Box Car Racer, o disco mais importante da carreira de Tom DeLonge

Autointitulado e único álbum da banda era lançado neste mesmo dia, em 2002

Arte: Rafaela Antunes / Downstage

Entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, o pop punk invadiu o mainstream guiado pela cultura do skate, por filmes adolescentes e pelo sucesso de bandas como o blink-182. A essa época, o trio californiano seguia uma fórmula muito bem definida, e embora até tivesse variações em sua sonoridade, era reconhecida principalmente pelo pop punk bem-humorado e às vezes excessivamente dramático.

Box Car Racer nos bastidores de I Feel So (Imagem: Reprodução / WikiCommons)

Depois de dois álbuns com vendagens milionárias e turnês gigantes e exaustivas, a banda decidiu tirar férias antes de entrar no estúdio novamente. Foi aí que, em 2002, no auge da sua carreira até então, Tom DeLonge se utilizou desse recesso para criar um projeto que explorasse outros lados de sua musicalidade e liricismo: o Box Car Racer

O único e homônimo álbum da banda completa 20 anos em 2022. Após todo esse tempo, ele permanece como o disco mais importante já gravado por Tom DeLonge, por ser aquele que redefiniu o rumo de seus projetos dali por diante.

A criação do projeto

Tom DeLonge (Imagem: Reprodução / WikiCommons)

O álbum Take Off Your Pants and Jacket, lançado em 2001 pelo blink, vendeu mais de 14 milhões de cópias em todo o mundo e levou Tom DeLonge, Mark Hoppus e Travis Barker pela primeira vez ao primeiro lugar da parada da Billboard. Como resultado do sucesso, o trio agendou uma extensa turnê mundial.

Entretanto, dois problemas interromperam essa sequência de shows: o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro e, posteriormente, uma fratura na vértebra sofrida por Tom acabaram ocasionando o cancelamento das apresentações na Europa. Em meio a esse panorama, a banda decretou “férias” para retornar com as atividades quando o guitarrista estivesse devidamente recuperado.

Recém-operado, seguindo seu tratamento médico e com muito tempo à disposição, ele começou a arquitetar um projeto que tivesse referências de algumas de suas bandas de post-hardcore favoritas, como Fugazi, Refused, Jawbox e Quicksand, além de alguns elementos acústicos.

O objetivo era poder se desafiar mais e mostrar ao público (e a si mesmo) que ele era capaz de fazer músicas diferentes daquelas tocadas por sua banda principal. Nesse clima de incertezas e inseguranças, nascia o Box Car Racer.

O post de anúncio do Box Car Racer (Imagem: Reprodução / Twitter @blink182italia)

Além do próprio DeLonge nas guitarras e vocais, a banda contava com David Kennedy nas guitarras e Anthony Celestino no baixo. Para fechar o time, ele chamou o baterista Travis Barker (o que, à época, causou rusgas em relação a Mark Hoppus por ter sido deixado de lado). A razão da escolha foi simples: ele precisava de alguém para assumir as baquetas, e sabia que o seu amigo poderia gravar todas as canções com muita rapidez e competência.

Com a equipe completa e algumas músicas compostas, o quarteto entrou em estúdio.

Capa do autointitulado (Imagem: Geffen Records)

O disco 

Quem observa desavisado pode ter a impressão que o Box Car Racer é o “blink-182 sem o Mark”, e por mais irônico que possa parecer, essa é uma percepção bastante equivocada – ou, pelo menos, na maior parte do tempo, como veremos mais à frente.

“O primeiro show do Box Car Racer foi muito esquisito porque um monte de jovens vieram e, eu não sei o que elas estavam esperando, mas elas ficaram paradas tentando entender e não faziam ideia do que se tratava”, comentou em um documentário sobre a banda. 

Quando idealizou o projeto, o principal objetivo de Tom era fazer algo diferente de sua banda original, e até mesmo que não coubesse no repertório do trio por soar muito discrepante. As letras também seriam mais sérias e carregadas de emoções, falando sobre suas inseguranças, política e até romances, de forma direta e melancólica.

Essa diferença fica bastante evidente no álbum homônimo. O primeiro elemento a se destacar nesse sentido são as guitarras. Os riffs do álbum são muito mais agressivos, os acordes são mais densos, e os guitarristas têm espaço para explorar efeitos que, até então, existiam muito pouco na linguagem do blink-182.

Logo na faixa que abre o disco, I Feel So, Tom demonstra todo esse peso enquanto canta sobre suas crises e inseguranças. O mesmo acontece na apocalíptica e soturna The End With You e na metalinguística My First Punk Song.

Outra novidade que aparece com mais frequência nesse disco são as dinâmicas das músicas, que alternam entre momentos de calmaria e caos, algo muito comum no post-harcore do Fugazi e do Quicksand

Letters to God, por exemplo, se inicia como uma balada acústica, e no final, se transforma em uma das faixas mais energéticas do álbum. A letra ilustra um diálogo post-mortem, em que um indivíduo pede a Deus uma nova vida – dessa vez, para fazer apenas o certo.

Outra faixa que segue essa lógica é Tiny Voices. Em meio a altos e baixos – e à bateria sempre genial de Travis –, Tom tem a chance de refletir sobre momentos da sua vida, e usa a figura das vozes na cabeça para falar sobre as crenças limitantes que teve de enfrentar.

Em sua vertente mais leve, o disco traz There Is, uma balada nostálgica que recobra amores e sentimentos adolescentes, e que acabou sendo o grande hit da banda.

O trabalho ainda conta com participações especiais: Tim Armstrong, do Rancid, e Jordan Pundik, do New Found Glory, emprestam seus vocais para Cat Like Thief, que lhes serve como homenagem. Em Elevator, quem aparece fazendo uma dobradinha de voz é Mark Hoppus.

Tracklist de Box Car Racer (Imagem: Geffen Records)

E por falar nisso: sim, às vezes o Box Car Racer pode soar como Blink. Não só em Elevator, por motivos óbvios, mas também em Sorrow e And I, por exemplo. Isso porque, além dos dois membros da banda, o disco foi produzido por Jerry Finn, que assinou os três maiores trabalhos do trio californiano.

As comparações são bem-vindas, mas é importante que você não se prenda a isso, ou pode não aproveitar todas essas outras cores que o Box Car Racer pode oferecer.

 

Legado

Mesmo sendo um projeto modesto, com um único lançamento e menos de dois anos de existência, o Box Car Racer acabou sendo uma grande virada de chave na carreira de Tom DeLonge. 

Isso fica muito claro ao observar a diferença entre o Take Off Your Pants and Jacket, de 2001, e o blink-182, de 2003. Enquanto o anterior é um trabalho orientado ao pop punk e mais próximo de uma “fórmula”, o posterior trouxe muito mais inventividade e maturidade ao grupo.

(Imagem: Reprodução / Spotify)

É impossível não pensar que, não fosse o Box Car Racer, músicas como Obvious e Violence provavelmente não apareceriam em tracklists de discos posteriores – e muito menos All of This, a excelente parceria com Robert Smith do The Cure. Da mesma forma, foi There Is que andou para que I Miss You pudesse correr.

Mas sua importância vai ainda além do blink-182. Após o hiato da banda em 2005, Tom criou aquele que seria seu principal projeto nas décadas seguintes. O Angels & Airwaves – que conta com David Kennedy como guitarrista –  não tem quase nada a ver com suas bandas anteriores, e é mais orientado para rock de arena, power pop e space rock.

“[Com o Box Car Racer] eu descobri uma nova forma de escrever música”, ele disse no documentário Pursuit of Tone [nota do autor: veja acima]. Mais que um álbum icônico, foi esse trabalho que mostrou para Tom que ele poderia usar sua criatividade de muitas outras formas além daquela que ele utilizava até então. 

Em 2022, 20 anos depois, vale a pena relembrar (ou até mesmo conhecer) essa obra-prima idealizada por Tom DeLonge.