Amor que vai além: quando ser fã é sim, um trabalho sério
Quem está por trás dos fansites e fanpages, essenciais para os artistas e bandas hoje
Texto por Julia Santiago
A década de 2020 está sendo fortemente marcada pela volta oficial do emo ao mainstream. O retorno de bandas como NX Zero, My Chemical Romance e blink-182; o surgimento dos festivais com apelo nostálgico When We Were Young e I Wanna Be Tour e mega turnês juntando Weezer, Green Day e Fall Out Boy são apenas alguns indícios da volta da época mais feliz – e um pouco melancólica – de nossas vidas.
Por trás dos anúncios e notícias, no entanto, há um trabalho sério feito por pessoas das mais diferentes idades e origens que se dedicam por puro amor e de forma paralela às outras partes de suas vidas. Os fansites, que eventualmente evoluíram para fanpages com a popularização das redes sociais, representam um papel fundamental na carreira de muitos artistas e na divulgação de seus trabalhos.
Segundo Laura Graziela Gomes em seu artigo “Fansites ou o ‘Consumo da Experiência’ na Mídia Contemporânea”, publicado em 2007, a importância dessas páginas é destacada e comparada às grandes empresas que agem por trás dos artistas.
“Agindo de forma independente, os fansites se transformaram em instrumentos importantes de divulgação dos próprios astros e celebridades, atingindo de forma rápida e globalmente o público, adiantando-se e superando o trabalho de divulgação das próprias emissoras e distribuidoras”.
Uma cultura que cresceu e se profissionalizou junto com a evolução das redes sociais, as fanpages contam com diversos colaboradores que não recebem dinheiro ou alguma recompensa em troca de seu trabalho, permanecendo rostos invisíveis por trás de projetos que exigem comprometimento e organização.
Para celebrar o Dia do Fã, que aconteceu no último domingo, 17 de março, o Downstage entrevistou membros de quatro grandes fanbases brasileiras da cena emo para entender melhor como funcionam e quem são as pessoas por trás das notícias que lemos sobre nossas bandas favoritas — e como tudo isso é feito e movido por apenas uma coisa: a admiração por esses artistas.
Quem está por trás das fanpages
Ricardo, de 33 anos, é o atual responsável pelo Paramore Brasil (@ParamoreBrasil) — além de ser casado e ter dois gatos. “Quando a gente começou, era difícil encontrar material traduzido. Muitas pessoas não falam outro idioma, então eu acredito que, no sentido de inclusão, ainda é um trabalho muito necessário”, comenta ele sobre o dia a dia do portal.
O projeto começou como um blog, em 2005, mas foi oficializado como site no ano seguinte. Com o tempo, a responsável pelo Paramore Brasil adquiriu outras prioridades e Ricardo assumiu a frente em 2010, administrando também a conta do Twitter, além do resto da equipe, que atualmente conta com 25 pessoas.
“Eu não sou sozinho, tem um grupo para redação, um para mídias, pessoas específicas para fazer artes – imagens para matérias, para divulgar alguma coisa específica para redes sociais… A gente se ajuda muito. Eu faço revisões, trago algumas ideias mas é muito colaborativo. Se não fosse, eu acho que nem estaria aqui hoje. A colaboração é a chave.”
Já para Frisa, uma das principais colaboradoras do Spooky Clique BR (@SpookyCliqueBR), a ideia de começar uma página surgiu em 2016 entre amigos que sentiam falta de uma comunicação mais “de fã para fã”. Hoje em dia, a equipe conta com 16 pessoas que colaboram diariamente com as atualizações e demandas da página.
“Tem dia que eu abro mão do trabalho formal, chego em casa e continuo, às vezes a gente começa às nove da manhã e vai até às onze horas da noite”, explicou. “Quando a gente tem projetos ou ações, eu tento sempre jogar pra depois do meu trabalho, mas nem sempre é possível. Eu pego horários em que não estou atendendo ninguém para poder resolver algumas coisas da página, em vários momentos as duas coisas viram uma só”.
Na maior parte das fanpages, o formato de trabalho se assemelha ao de empresas, com tarefas divididas, supervisores, prazos e extensas cargas horárias. “É como se fosse uma marca, uma empresa. É claro que tem pessoas, seres humanos por trás, mas o pessoal nos chama de PB – Paramore Brasil – e atrás dele tem várias carinhas”, contou Ricardo, que atualmente trabalha com TI em home office.
Contudo, apesar de todo profissionalismo, ainda há um estereótipo que permeia a imagem dos fã-clubes: uma figura feminina, jovem, desocupada e histérica, muitas vezes diminuída e julgada por quem olha de fora. “Pra bolha das redes sociais, pra quem é fã é um negócio super legal, o pessoal costuma elogiar, mas tem muita gente de fora que vê e não entende, tem essa impressão diferente” explicou Frisa.
“Na vida pessoal poucas pessoas sabem que eu tenho essa página justamente porque eu tenho medo de ser vista como doente, louca, eu prefiro não falar”. Ela revela que sentiu esse julgamento pela primeira vez ainda na escola. “Rolava rolava direto comentários quando eu estava virando fã de outras coisas quando eu era mais nova, por isso também eu parei de falar pras pessoas”, relembrou.
Por outro lado, o acolhimento do fandom é o que motiva muitos a continuarem. “Eu acho muito legal que a gente tem um porto seguro. É um lugar em que a gente compartilha gostos e opiniões, o que não tem no meu dia a dia no trabalho, não rola essa identificação”, comentou Frisa.
A psicóloga estadunidense Laurel Steinberg, que atalmente trabalha na Universidade de Columbia, conta em uma entrevista à Teen Vogue sobre os efeitos da cultura de fã na saúde mental: “Conectar-se com outras pessoas a partir de interesses em comum é ótimo para a saúde emocional e mental pois cria um senso de segurança familiar e fraternal. É um espaço no qual a pessoa sabe que sempre será bem recebida”.
Ricardo ressalta também a possibilidade de conhecer pessoas diferentes, relembrando as mais de 50 pessoas cumprimentadas no último show do Paramore no país. “É você conhecer histórias, conhecer essas pessoas, ou pelo menos uma parte delas, e isso com certeza foi transformador pra mim em vários momentos, tenho uma gratidão imensa por ter tido essas oportunidades”.
Caíque, estudante de comunicação de 24 anos e membro da fanpage Bring Me The Horizon Brasil (@BMTH_BRA), conta que uma das maiores motivações, além do carinho, é poder ajudar na divulgação do trabalho da banda. “Eles estão conquistando novos públicos, fazendo a música deles e mantendo a essência, é por isso que eu estou aqui, pra ver a banda crescer cada vez mais”.
Os fansites ao longo do tempo
A história da página de Bruno Clozel, de 35 anos, começa no início do milênio. Criado em 2003, o Action182 (@action182) completou 20 anos de existência no ano passado, acompanhando Bruno por mais da metade de sua vida.
“O Action abriu muitas portas pra mim. Comecei a trabalhar com artistas do Brasil por causa disso. Conheci o NX Zero, Dibob, Scracho, toda essa galera por causa da página. Quando eu criei a minha empresa foi por causa do Action. É uma relação muito forte, me moldou como pessoa, como fã, como empreendedor, me moldou de várias formas”, revelou.
Segundo ele, o Action182 nasceu da necessidade de viabilizar notícias da banda para o público brasileiro. O que começou como um fotolog, eventualmente evoluiu para um site e foi se expandindo junto com os avanços digitais.
20 anos depois, Bruno já esteve presente em 25 shows do Blink-182, conheceu a banda, entrevistou e esteve presente no programa de Mark Hoppus, já promoveu diversos eventos ao lado da gravadora da banda, apareceu no livro de Travis Barker, entre muitas outras conquistas. O sentimento, entretanto, continua o mesmo.
“Nada mudou, nada mesmo. Ainda tem uma criança dentro de mim ouvindo blink como se estivesse em 1999”, contou Bruno. No entanto, a internet, as prioridades, a banda e toda a vida pessoal mudou ao longo do tempo. “A gente vai crescendo e criando outras prioridades na vida, assim como os caras das bandas, é completamente compreensível”.
Já em relação ao digital, a principal dificuldade passa a ser o fim da relação de notícia, exclusividade com os artistas. “Passa a ser muito mais opinião e criação de conteúdo autoral, criativo, interessante, do que só noticiar. O Action antigamente era muito importante na relação entre fã e blink no Brasil, a gente traduzia coisas pra quem não sabia inglês, fazia entrevistas, então existia essa questão super exclusiva, eu trazia coisas, aproximava”.
“O Action cresceu muito entre 2003 e 2009, quando o blink não existia. Não tinha notícia, não tinha música, show, aparição em TV. Em 2014, quando o Tom saiu da banda de novo, a minha cabeça já era diferente, eram 11 anos de Action, já estava acostumado com essas coisas, bola pra frente”, confessou o dono da página.
“As coisas vão se adaptando de acordo com o momento, o foco da vida muda. O site era como uma montanha russa que andava de acordo com a trajetória do blink. Onde o blink for, a gente vai junto”, finaliza ele.
Muito mais do que um projeto
As fanpages ultrapassam um simples gesto de fã e se consagram como comunidades que priorizam a acessibilidade de conteúdos, a divulgação das bandas e um espaço de identificação entre fãs de uma mesma banda ou artista.
Para os administradores das páginas, o trabalho representa um novo propósito, novas oportunidades e até mesmo novas amizades e contatos. Ricardo, do Paramore Brasil, relembra já ter conseguido oportunidades de emprego através da página, o que futuramente possibilitou que ele fosse em shows da banda.
O apego emocional, assim como para grande parte dos fãs, também é um fator que motiva a paixão e o trabalho árduo e voluntário. “Dou tudo de mim pra que eles tenham cada vez mais visibilidade, porque eles me ajudam o tempo inteiro. Eu acho que é uma troca, eles sempre estão dando tudo isso pra gente e a gente vai dar de volta”, contou Caíque.
Como uma das maiores conquistas da fanpage, Frisa relembra um projeto feito em 24 horas, em parceria com a gravadora de Twenty One Pilots, para entregar um livro feito especialmente pelos fãs brasileiros. “Eles ficaram super felizes, elogiaram um monte. Eles sabem quem a gente é, e isso é uma grande conquista que a gente guarda no coração”.
No final das contas, apesar do trabalho duro, eventuais comentários inconvenientes e a loucura que envolve ser fã, o saldo é positivo. “Muitas pessoas falam pra gente que fizeram amizades através dos nossos projetos e isso deixa a gente muito feliz. Eu acho que passa muito por essa questão de conexão humana, troca de experiências. Estar à frente de uma página assim tem muitos desafios, mas é muito gratificante quando a gente sente que dá certo”, finalizou Frisa.