Dear You, do Jawbreaker: de fracasso comercial a clássico cult do emo
Último disco da banda foi inovador para o estilo e teve seu reconhecimento tardiamente
É difícil encontrar uma lista de discos obrigatórios do emo em que o Dear You do Jawbreaker não figure entre as primeiras posições. Mas nem sempre foi assim. O álbum de 1995 foi totalmente rejeitado pela crítica e pelo público após o seu lançamento, e acabou se tornando até mesmo um pivô na separação precoce do grupo.
À época, o trio seguia o caminho de bandas como Nirvana e Green Day ao revolucionar a proposta do próprio estilo musical, e se preparava para romper a barreira rumo ao mainstream. Ironicamente, embora o último disco tenha sido composto e gravado com muito esmero, a recepção não correspondeu às expectativas, e o trabalho demorou para encontrar seu reconhecimento.
Passados mais de 25 anos do seu lançamento, Dear You envelheceu como um bom vinho e se consagrou merecidamente como um clássico cult e uma influência para gerações emocore, indie e pop punk das últimas décadas.
Parte 1: Who’s Punk? What’s the score?
O Jawbreaker surgiu como muitas bandas de rock no fim dos anos 1980: os amigos do colégio Blake Schwarzenbach e Adam Pfahler se juntaram ao colega de faculdade Chris Bauermeister para tocar juntos. Em comum, eles tinham influências variadas como Black Flag, Descendents, Sonic Youth, Hüsker Dü e Rites of Spring — o que, já de antemão, ditaria a busca por um som que se diferenciava do punk rock habitual.
Olhando em retrospecto, o trio nunca deu indícios de que seria uma banda comum. Blake sempre foi um frontman carismático e tinha a seu favor um timbre rouco e característico, que o destacava em relação a outros vocalistas, além de ser apaixonado por literatura e investir na criação de letras sensíveis e relacionáveis.
Adam, por sua vez, tinha uma identidade forte na bateria, que se sobressaia por viradas rápidas com ênfase nos sons de tom-tons. Para completar, Chris apostava em um estilo de tocar que ele mesmo definia como “contrapontístico”, que complementava a guitarra harmonicamente e enriquecia as canções do grupo.
O primeiro disco, Unfun (1990), tem ótimas canções pop punk como “Want” e “Busy”, mas em geral, é inexperiente e ainda não apresenta a banda em sua melhor forma. Mesmo assim, em faixas como “Drone”, que homenageia o punk e o post-punk ingleses, os três já demonstravam indícios de que conseguiam fugir de fórmulas de maneira criativa.
Foram a mudança para San Francisco e a adesão à cena local que contribuíram para que encontrassem o próprio caminho e identidade. O registro seguinte foi Bivouac (1992), que já mostra o grupo se arriscando rumo à sofisticação. Aqui, as influências do emocore primitivo são bem mais evidentes, com letras poéticas e melodias esquisitas.
É um disco muito inspirado pela filosofia DIY do punk rock californiano, e por isso, todos os integrantes participaram muito ativamente de todo o processo de composição e gravação. O ponto mais alto é “Chesterfield King”, um hardcore bastante criativo cuja letra trata de temas com rejeição e intimidade de maneira arrojada e às vezes enigmática.
Com o sucesso underground do álbum, a banda iniciou a tour de divulgação em 1992, que passava por Estados Unidos e Europa. Embora tenha sido excelente para espalhar a palavra do Jawbreaker, os três integrantes acabaram se lesionando, especialmente Blake, cujos problemas na garganta precisaram de intervenção médica e causaram o cancelamento das últimas datas europeias.
De volta ao lar e em recuperação, o trio compôs e gravou seu terceiro disco, o clássico 24-Hour Revenge Therapy (1994). Em contraposição ao anterior, trata-se de um álbum muito mais energético e direcionado ao hardcore. O produtor escolhido para comandar a produção foi Steve Albini, reconhecido por seu trabalho com artistas do cenário independente como Pixies, Nirvana e The Jesus Lizard.
Na faixa mais famosa, “Boxcar”, Schwarzenbach responde às críticas de punks mais puristas que rejeitavam a banda pelas letras intelectualizadas e o flerte com o emocore e o mainstream — e para isso, ele cita os Ramones e o escritor Jack Kerouac.
Parte 2: Dreamed I was a tidal wave
Em 1995, o Jawbreaker colecionava uma base cativa de fãs, já havia feito uma turnê abrindo para o Nirvana e frequentava o mesmo circuito que o Green Day. Era inevitável que a banda atraísse os olhos de grandes gravadoras.
Até então, eles haviam lançado seus discos por pequenos selos locais, e faziam parte do cenário do hardcore californiano, que seguia um ideal coletivista e oposto a grandes corporações. Aliado a isso, sempre que perguntados sobre gravadoras, o grupo negava qualquer negociação e afirmava que jamais cederia a contratos ambiciosos.
O fato é que, quando a Geffen Records (por meio do selo DGC) ofereceu um contrato milionário e excelentes condições para que a banda fizesse seu próximo álbum, a proposta se tornou irrecusável e acabou pescando o trio. Além do mais, era a grande oportunidade de superar limites, aprimorar o som e conquistar ainda mais fãs.
Rob Cavallo foi o escolhido para coordenar o trabalho, que havia recém-produzido o Dookie, que sacramentou o sucesso do Green Day (e mais tarde produziria boa parte das músicas que amamos).
Ao ouvir o Dear You (1995), é notável que o álbum é muito diferente dos seus antecessores. As guitarras ganham muito destaque, sobrepostas em diferentes camadas, criando oposição entre distorções rítmicas e riffs melódicos, e preenchendo muito mais a sonoridade. Com isso, a banda deixava de soar puramente como um power trio, e trilhava um caminho similar ao do próprio Nirvana — influência que pode ser percebida em faixas como “Jet Black” e “Chemistry”.
Os vocais também têm novas características, e apesar do timbre rouco, estão menos rasgados que nos álbuns anteriores. Essa mudança ia além da estética, e também tinha a ver com a readaptação de Blake após a cirurgia feita recentemente nas cordas vocais.
Mas não foi somente na maneira de cantar que Schwarzenbach se sentia mais confortável. As letras do disco mostram uma grande evolução desde o Unfun, e aqui o vocalista já consegue imprimir bem seu estilo, brincar com as palavras e fazer referências literárias.
O auge do álbum certamente é “Accident Prone”. Com delicadeza e sinceridade, a letra aborda a falta total de esperança, a perda do amor e a dificuldade de se perdoar pelos próprios erros.
Frases como “Não tem sido o meu dia por alguns anos, o que são alguns a mais?” e “Eu queria você, você queria mais” não surtiram efeito no público da época, mas em tempo, reconfortaram milhares de adolescentes durante seus processos de descobertas e amadurecimento.
Enquanto Adam e Chris ditam a dinâmica e o ritmo da música, os riffs cheios de delay de Blake criam o clima atmosférico, com direito a um interlúdio instrumental muito inspirado pelo post-rock, e que acabou se tornando uma marca de muitas bandas de emocore pós-Jawbreaker.
Mas esse não é o único ponto alto do tracklist. Logo na faixa de abertura “Save Your Generation”, ele se dirige à juventude e, sem parecer moralista, alerta sobre os perigos da inércia — um tema muito discutido em meados dos anos 1990. O mesmo assunto aparece em outras canções como “Oyster”, dessa vez, com uma reflexão sobre a importância de enxergar as coisas boas da vida.
O grande hit do álbum foi “Fireman”, um pop punk sentimental e surrealista que abriu caminho para bandas como Jimmy Eat World, Dashboard Confessional e Fall Out Boy. Ainda sobre desilusões amorosas, Blake relembra episódios trágicos de sua adolescência, como em “Chemistry”, “I Love You So Much It’s Killing Us Both” e “Sluttering (May 4th)”, todas excelentes.
O álbum fecha com a divertida e calma “Unlisted Track”, que aponta para uma sonoridade futura. Nas últimas frases, Blake canta:
Eu quero ser feliz metade do tempo e triste apenas quando eu tiver tempo.
Parte 3: See the prize but you can’t have it
Dear You foi um disco composto e idealizado com carinho, gravado sem pressa com o auxílio de um grande produtor e suplantado por investimento em gravação e divulgação. O que para um qualquer artista era a fórmula do sucesso, acabou causando justamente o efeito contrário.
Enquanto a mídia especializada acusou o disco de ser muito leve, rejeitou a nova forma de cantar de Blake e fez inúmeras comparações com o Green Day, o público comprou a ideia de que o grupo havia traído o movimento e se vendido. Esse combo resultou em vendas irrisórias — cerca de 40 mil cópias, muito abaixo do esperado e do suficiente para compensar o investimento da gravadora.
O backlash chegou ao ponto de pessoas distribuírem zines falando mal do álbum e até mesmo comparecerem a shows para xingar a banda e atirar objetos no palco. Desanimada com a falta de resultado, a própria gravadora interrompeu a divulgação, limitando de uma vez por todas o alcance do novo trabalho.
Como consequência imediata, o trio, que estava cansado e já havia passado por desgastes nas últimas turnês, intensificou as brigas até o ponto em que a convivência se tornou insustentável e um fim prematuro foi irremediável.
Nos anos seguintes, Blake Schwarzenbach fundou o Jets to Brazil e lançou três álbuns excelentes, em que ele pôde desenvolver ideias embrionárias em seu último disco com o Jawbreaker. Chris Bauermeister seguiu um caminho mais punk e integrou por alguns anos o Horace Pinker, além de gravar com o Squirtgun e o Mutoid Man.
Adam Pfahler se afastou por alguns anos da música e fundou uma locadora de vídeo com sua família, até que reintegrou seu antigo projeto chamado J Church, participou do Whysall Lane e fundou o California ao lado de Jason White, guitarrista de apoio do Green Day.
Esse poderia ser um final amargo para uma história legitimamente emo, mas, felizmente, não é assim que ela acaba.
Nos anos que se passaram após o fim do Jawbreaker, o emocore continuou crescendo. Enquanto muitos adolescentes conheceram a banda após a sua dissolução, fãs antigos deram uma chance ao último álbum e passaram a reconhecer seu valor.
Em 2004, Dear You foi relançado, dessa vez em meio a uma cena fervilhando e inúmeros artistas que reverenciavam o disco como uma de suas principais influências. Entre os admiradores mais ilustres, podemos citar My Chemical Romance, Fall Out Boy, Paramore, At the Drive-In, Bayside, Face to Face e Julien Baker — essa última responsável pelo cover que se tornou uma das versões mais bonitas de “Accident Prone”.
E embora todos parecesse improvável e até impossível, em 2017, o Jawbreaker anunciou sua volta para um único show do Riot Fest. Nos meses seguintes, eles agendaram mais algumas apresentações esporádicas, até que finalmente voltaram com uma tour em 2019.
Em 2022, o trio excursionou em comemoração aos 25 (ou talvez 27) anos do Dear You, mas com a apreciação e o carinho merecidos por parte do público. Como o próprio Blake canta em “Save Your Generation”: “todos os dias, não se esqueça de acordar”.
Se você ainda não conhece essa obra, vale a pena ouvir para entender um pouco mais das raízes do que se tornou o emocore. Se você já é fã, relembre com a gente!