Fim do Mundo: O exercício imaginário de destruição e reconstrução do menores atos
Em álbum novo, a banda esmiúça conceitos de fim e surge mais confortável e livre para explorar outros tipos de sonoridades

O menores atos não lançava um disco completo de inéditas desde Lapso, de 2018. Muitas coisas aconteceram durante esses quase sete anos — turnês extensas, álbuns ao vivo, comemorações, o lançamento dos EPs Tropical Melancolia (com Zander) e Lúmen, a saída do baterista Ricardo Mello “Bola” e a entrada de Gustavo “Gu” Marquardt.
Para concluir essa fase e dar início a uma nova, no dia 24 de janeiro, a banda lança Fim do Mundo, seu terceiro trabalho de estúdio com quinze faixas inéditas (sendo três delas pequenas vinhetas).
Em comparação com os anteriores, o som desse álbum é mais elástico e diversificado, e mostra um trio mais confortável e livre para explorar outros tipos de sonoridades, sem nunca deixar de carregar a marca registrada que lhes deu notoriedade na cena por mais de uma década de carreira.
O conceito
“Fim do mundo” é uma expressão que significa um bocado de coisas: um lugar muito longe, um tempo longínquo, a extinção da humanidade, uma situação em que você não vê mais saída, e é claro, um término de relacionamento.
Essa multiplicidade também é uma forma de ouvir esse disco. Com os ouvidos um pouquinho atentos, ele pode ser um exercício imaginário e metalinguístico sobre todo o processo de criação, em que a própria banda destroi a si mesma, e de certa forma, se reconstroi diante do público.
Após esse processo de reinvenção, os músicos oferecem o que colheram de melhor durante esse processo.
No álbum, isso é mostrado como um processo cíclico, e não necessariamente ordenado ou lógico: ele é dividido em três partes, partindo do VAZIO, passando pela DESTRUIÇÃO e se encerrando DEPOIS DO SOL E DA CHUVA. Mas essas mesmas partes podem ser ordenadas ao contrário, onde a destruição acaba no vazio — cabe ao ouvinte interpretar.
Pensando nessa amplitude de significados, as letras de Cyro Sampaio, que notoriamente costumam abordar relacionamentos difíceis, aqui, ganham outras nuances. Quando o vocalista canta “hoje tudo pode acontecer, tudo muda”, ele pode estar se referindo à própria banda ou a qualquer um desses significados de fim do mundo.
Faixa a faixa
A primeira parte começa com uma dobradinha de músicas para servir muito bem aos seus fãs antigos. Assim como “preso no nosso passado”, elas evocam tudo de melhor que a banda vem fazendo desde 2014: os baixos distorcidos, as baterias potentes e os acordes esquisitos sobre a voz rouca.
Ouvindo na ordem, é interessante observar como o trio vai fazendo experimentações, como na forma que Cyro canta e nas modulações durante a parte final de “sorte” ou nas guitarras funkeadas no pré-refrão de “tudo no mesmo lugar”. Essa última, por sinal, tem uma das melhores letras do álbum:
Desabando o teto, nós dois ruindo feito um prédio em demolição, eu na sua mão
“nem choro, nem festa” já explora elementos completamente diferentes e até então inéditos. O beat eletrônico é presente na primeira parte da canção, acompanhado de orquestras digitais — que são uma das especialidades do produtor Pablo Greg.
A faixa escolhida para abrir a segunda parte é “terremoto”, o primeiro single dessa fase, que explora a características do Queens of The Stone Age, com um baixo à la Peter Hook. É seguida por “de canção em canção”, que tem melodias que chegam a lembrar os primórdios do Muse. Aqui, Cyro ironiza a si mesmo, cantando “talvez seja o seu plano pra eu fazer o disco do ano”.
“furacão” vai por um caminho mais eletrônico, com fortes referências do Massive Attack. O charme são as ghost notes da bateria de Gustavo, que guiam os acordes dissonantes tocadas pelos seus companheiros de banda.
A parte final começa com duas participações especiais surpreendentes. Em “gravidade”, a banda pega emprestada a voz e a musicalidade de Ale Sater (Terno Rei), mas é certeira ao incluir suas próprias marcas, como baixo pulsante de Celso.
O mesmo vale para “não tem mais verão”, que é acompanhada por Rodrigo Suricato (atual vocalista do Barão Vermelho). Ambas as faixas homenageiam o rock brasileiro, lembrando até o Legião Urbana — algo inesperado na carreira do menores atos.
O disco caminha para o fim com “neblina”, uma das melhores do álbum, e que emprestado um verso de Erasmo Carlos. A bateria novamente é o destaque, misturando viradas de Dave Grohl e Travis Barker.
A faixa título, que fecha o álbum, relembra a identidade do clássico “sobre cafés e você”, e se encerra com um delay cíclico — mais uma vez, fins e recomeços.
Além de todas essas referências citadas, o trio segue recorrendo à sonoridade do Oceansize e do Small Brown Bike, mas parece também ter explorado elementos de bandas clássicas da cena como o Basement e o Superheaven. A produção de Pablo Greg e a mix de Gabriel Zander ajudam a trazer esse dinamismo e manter cada elemento em seu lugar.
Veredito

Com esse lançamento, o menores atos tem mais um registro impecável em sua discografia. Se será tão clássico quanto Animália ou Lapso, o tempo irá dizer — mas dá para apostar que sim.
De qualquer forma, a banda parece se importar menos com fazer um novo clássico e mais com ter um excelente disco em mãos. Reconstruídos e prontos para essa nova fase, pedem: “esquece o que passou, recomeçar daqui mais uma vez”.