A garotada ainda grita: a estreia do Thursday no Brasil

Banda se apresentou no Carioca Club, em São Paulo, no último sábado (6)

Foto: Pedro Arantes / Downstage

Texto por Bruno Avilar

Quando a importância de uma contribuição é silenciosa, é fácil se deixar levar pelo amargor. Pessoas, lugares certos, horas certas para uns e não tão certas para outros. Ao analisarmos a trajetória do Thursday, brasão do emo/post-hardcore fundado em 1997 em New Jersey, é impossível não se perguntar como essa banda não teve o mesmo alcance que outras.

Foto: Yvã Santos / Downstage

A acessibilidade de Full Collapse (2001) é inegável, que dirá o milhão de cópias vendidas na época — sendo esse um lançamento por um selo independente, especializado em hardcore e posteriormente conhecido pela desvalorização de bandas queridas de seu elenco — e a subsequente explosão e modelagem do emo no cenário mainstream norte-americano. Com um auge de popularidade precoce, a desilusão vivida com a indústria tanto nos anos de Victory Records quanto no mundo das grandes gravadoras, que ainda não sabiam navegar pela crise da era digital, e a coexistência em uma cena que parecia caminhar rumo a tendências passageiras, fica fácil compreender o anúncio do fim.

Isso ocorreu em 2011, mesmo ano em que outros veteranos como Alexisonfire e Thrice anunciavam o encerramento de suas atividades. E mesmo assim, sofrendo problemas financeiros e sem a atenção devida dos holofotes, em sua saída não deixaram de acreditar e impulsionar quem tinha algo a dizer — afinal, desde o apadrinhamento do My Chemical Romance em seu início na cena local até o lançamento do primeiro disco do Touché Amoré em seu selo Collect Records, Geoff Rickly sempre foi um pilar para o cenário que sua banda habita, cujo legado seguiu firme.

Foto: Pedro Arantes / Downstage

Enquanto cada banda tem suas histórias e motivos, podemos ligar a revitalização que a cena teve logo em seguida, com outras bandas mais antigas retornando para celebrar lançamentos em shows esgotados e novas bandas construindo trabalhos movidos à paixão e criatividade, com o retorno revigorado das mencionadas.

Assim, com novos ventos a seu favor, vemos todos esses veteranos novamente em atividade, o que manteve vivo — e na maioria dos exemplos, realizou — o sonho de fãs sul-americanos. E finalmente foi a vez dos fãs de Thursday, que embarcou em nosso continente em abril, ao lado de Tim Kasher (Cursive), para shows no Chile e Brasil.

Foto: Yvã Santos / Downstage

O show

A produção foi realizada pela Powerline, que além do show em São Paulo, aproveitou a ocasião para lançar a versão em português da autobiografia/não-ficção de Geoff Rickly, Este Não Sou Eu (Someone Who Isn’t Me), leitura intensa que detalha, com uma narrativa intrigante, a luta travada pelo vocalista com o vício, seu tratamento feito com ibogaína e a sensação ondulante de conexão e presença com o mundo compartilhada na experiência humana.

Também fomos agraciados com Tim Kasher na abertura, com um set acústico que passeou entre canções solo, além de sons de sua lendária banda Cursive e da The Good Life. Além do vozeirão e da perspicácia de suas letras, Tim apresentou uma simpatia sem igual, ganhando assim a simpatia dos incautos e garantindo a satisfação dos que foram para vê-lo.

Após o set de Tim e dos preparativos para o próximo show, faltando três minutos para o início do set do Thursday, somos surpreendidos com a pontualidade: a playlist para, as luzes se apagam e as cortinas se abrem. Ao subirem no palco e serem ovacionados, Geoff Rickly já aproveita a oportunidade para agradecer a oportunidade de finalmente estar no Brasil, ao público e à organização, e em seguida iniciam o set com At This Velocity, já deixando a intensidade no teto. A peteca não caiu por um instante, com a banda inteiramente afiada, um som colossal e um set que, ainda que curto e compreensivelmente priorizando os dois álbuns mais populares, deixou espaço para algumas surpresas.

Foto: Pedro Arantes / Downstage

Vale pontuar aqui um aspecto que seguiria presente durante a noite: nunca vi um evento no Carioca Club com um áudio tão bem tratado quanto neste. Cada nota e cada grave viriam com força e nitidez, principalmente do lado direito na visão da plateia, mesmo próximo ao palco (fica a dica para quem for num próximo show por lá!). A produtora também optou pelo show sem grade, o que fortaleceu demais a conexão com os artistas.

Foto: Yvã Santos / Downstage

Além da execução exímia dos sons, a alegria do momento era pulsante, com um vocalista sorridente que não cansava de se admirar com a entrega do público e devolvia na mesma moeda. E tal troca só pode ocorrer quando banda e público se entendem previamente pela obra.

Nas letras e na postura, a banda defende a emancipação da classe trabalhadora e a liberação LGBTQIA+ desde um tempo em que tais discursos, quando proferidos fora do molde da canção, certamente repercutiam mais negativa do que positivamente, ou simplesmente entravam por um ouvido da plateia e saíam pelo outro.

Já nessa noite, no momento em que Geoff anuncia Signals Over the Air como uma crítica à extrema-direita e a forma que utilizam de seu poder midiático para espalhar ódio e alvejar as minorias de gênero e sexualidade, a ovação do público foi geral e intensa. O mesmo ocorreu ao anunciar Autobiography of a Nation (uma crítica à construção sangrenta de sua nação, feita às custas do genocídio indígena) e de For the Workforce, Drowning (crítica nada sutil e ainda assim muito poética ao regime capitalista enfrentado pelos trabalhadores). Isso reforçou o quanto a banda estava em casa com o público presente, diverso em idade e gênero, e a ligação genuína que existe entre a capacidade de se indignar com o absurdo a que podemos ser vítimas conforme nossa condição social e a profundidade emocional da arte.

Destaco, inclusive, Signals como meu momento preferido da noite, onde ninguém ficou sem cantar junto aquele refrão.

Foto: Pedro Arantes / Downstage

Mais adiante no set, Geoff aproveita para apresentar a banda, cujo line-up nunca esteve tão interessante: além do próprio e dos membros de longa data, Tucker Rule (baterista que também toca no L.S. Dunes e na banda solo de Frank Iero) e Steve Pedulla (guitarrista e aniversariante que recebeu um “parabéns pra você” fofíssimo da plateia); a banda atualmente conta com Norman Brannon — membro de bandas lendárias como Shelter e Texas Is the Reason — na guitarra base e Stuart Richardson (membro da No Devotion com Geoff e ex-Lostprophets) no baixo.

E na décima música, veio a que não tinha como faltar: se ainda havia algum gelo a ser quebrado, ele evaporou ali na chamada de Understanding in a Car Crash, com a porteira dos stage dives finalmente se abrindo.

Logo em seguida, a banda sai de cena para um intervalo e volta para o encore, encerrando a noite com a pancada de Workforce, mais a subestimada Turnpike Divides, do subestimado último álbum No Devolución (saio com a esperança de que aquele crescendo com aqueles harmônicos tenham conquistado mais atenção; as palmas do público no mesmo ritmo me indicam que sim), e a fortíssima War All the Time.

Foto: Yvã Santos / Downstage

Essa foi a primeira música que ouvi dos caras, em alguma madrugada solitária de 2011 no YouTube, me deixando fissurado meses antes da banda anunciar um fim. Esse encerramento coroou de forma simbólica a noite para mim. E até agora, nos ouvidos e na memória, parafraseando a própria, the kids are still screaming.

Setlist:

  1. At This Velocity
  2. Division St.
  3. Signals Over the Air
  4. Cross Out the Eyes
  5. Jet Black New Year
  6. This Song Brought to You by a Falling Bomb
  7. Fast to the End
  8. Autobiography of a Nation
  9. Standing on the Edge of Summer
  10. Understanding in a Car Crash

Encore:

  1. For the Workforce, Drowning
  2. Turnpike Divides
  3. War All the Time