Nem tudo é sobre amor, mas por um momento, tudo foi sobre a qeva.

O (agora) trio gaúcho ressurge e se reconstrói 

Arte: Laura Retamero

O que é tentar voltar para um lugar que sempre te pertenceu? Reconstruir tudo o que você criou? Recalcular a rota, refazer alguns passos… isso pode ser leve, mas reconquistar aquilo que foi tirado de ti pode ser um trajeto muito mais cansativo e especialmente doloroso.

Quem viveu 2024 na cena “emo caipira” sabe o que foi o fenômeno Quem é você, Alice?. A banda chegou a ser considerada um dos maiores nomes do cenário autoral de Porto Alegre, encabeçando uma tour pelo Brasil beneficente após a tragédia climática no Rio Grande do Sul, abrindo shows de bandas como Boogarins e Lupe de Lupe e atingindo mais de 100 mil streams na em faixas como “Antítese” e “Diamantina”.

No entanto, quem viveu esses momentos também sabe o que aconteceu mais tarde, no início do segundo semestre — em que Conrad Fleck, Vitor Pires e Milena Vardaramatos, na casa dos seus vinte e poucos anos, passaram pela maior crise da banda, e quem dirá da vida de cada um.

“A gente realmente pensou em não voltar”, conta Conrad em entrevista exclusiva ao Downstage. “Tínhamos que começar tudo de novo, e é sempre difícil reengrenar, dar uma pausa grande — vem aquela dúvida se a galera vai gostar.”

A dúvida vinha muito pelos ocorridos, claro, mas também pela mudança expressiva de sonoridade que o grupo se encontrou após voltar para o estúdio e gravar material novo. “Será que faz sentido, se vai mudar tanta coisa assim, será que vale a pena continuar?”, relembrou ele. “Mas a gente se olhou e pensou: ‘não, vale sim’, a gente gosta muito disso aqui.”

Foto: Gabriela Felin

Pires, que também estava na videochamada, adiciona: “É engraçado isso porque cada um de nós viveu esse hiato de uma forma diferente. Eu, sinceramente, em nenhum momento pensei em parar. Tipo, pra mim era um negócio meio claro que a gente ia voltar e… a única questão era quando, sabe?”

“E o que fazer pra voltar”, ele complementa. “Essa era a minha grande dúvida. Eu sou fissurado por essa banda, é meio que um sonho de vida pra nós. Então quando eu assumi isso, eu botei na minha cabeça que faria de tudo para dar certo.”

Boa parte da ajuda para essa retomada foi a galera do selo Naif, Wendel e Gustavo, que vão compor o ao vivo dessa nova fase da qeva. com mais duas guitarras no palco. De acordo com o trio, o empurrão dos produtores foi crucial para que o trio começasse a pensar em sair do hiato e, segundo eles, partir para um momento de reorganização.

Foto: Gabriela Felin

“No fim, a gente acabou se juntando cada vez mais e se entendendo, e entendendo que na real tudo isso que aconteceu, que nos levou a dar um tempo, foi exatamente pra gente se juntar mais e tentar mostrar mais de nós nessa nova etapa”, adiciona Milena.

o tempo nas minhas mãos

A surpresa ao primeiro play no novo single do grupo foi unânime: Conrad está assumindo os vocais junto com Milena, que nunca deixou de cantar na banda. Mas isso não foi a única coisa que mudou na qeva. Os fãs poderão contar com uma sonoridade reformulada, muito diferente do que ouvimos em rolê trevas pt. II.

“Cara, eu acho que a gente pode dizer que a parte do midwest emo foi totalmente embora”, revela Milena.

Ela explica: “Os fãs podem esperar um arranjo bem psicodélico, mas com shoegaze. Acho que é bem diferente do que a gente fazia. Bastante diferente. Muito mais guitarras, e as letras também bem diferentes, até porque agora vamos ter a composição dos três integrantes.”

Foto: Gabriela Felin

Essa vontade de soar diferente já é bem antiga. De acordo com o trio, a ideia para o segundo disco da Quem é você, Alice? sempre foi soar um pouco mais maduro, “uma coisa mais sóbria”, como eles mesmos explicam. “A gente entendia o midwest emo como uma revolta adolescente, uma forma de expressão meio gritaria”, conta Pires. “A gente sentiu que a gente passou desse ponto, essa crise que a gente viveu aí, esse hiato, foi justamente… um momento que a gente mergulhou nisso, e construímos esse álbum dentro dessa crise.”

“A gente não se inspirou em um gênero específico quando começou a fazer o álbum, a gente foi fazendo conforme a gente ia sentindo o que tava bom, o que não tava”, explica ele. “A gente chegou num som que a gente já ouvia bandas que faziam e que a gente começou a curtir muito, tipo, nossa, sei lá, encaixou perfeitamente.”

E o público? Até o momento da publicação dessa matéria, “o tempo nas minhas mãos” já acumulava mais de 10 mil plays apenas no Spotify.

Em relação à abordagem, os fãs podem esperar pura melancolia. Nem tudo é sobre amor, o novo disco da qeva. (cujo título foi revelado em primeira mão ao Downstage), foi criado no meio do furacão que a banda viveu desde agosto de 2024. Apesar da mudança de sonoridade, as letras do trabalho estão escancaradamente mais reflexivas e repletas de referências à crise vivida nos últimos meses.

“Foi um processo bem natural”, revela Conrad. “A gente ia para a casa do Pires e escrevia um pouco. Esse primeiro single, por exemplo, a gente começou a escrever juntos. Tipo, eu peguei uma ideia no violão, comecei a tocar, aí o Pires pensou numa agulha de uma letra, aí a Mi fez uma melodia, aí eu falei: ‘ah, legal isso aí’.”

“O que eu posso dizer é que a gente fez muita música sobre [a crise]”, complementa Pires. “A gente meio que falou, ‘já que estamos mal, vamos mergulhar nisso e tentar extrair alguma coisa’, sabe? Principalmente sobre a tristeza e uma parada mais pessoal, assim, sabe? De tipo, como eu sofro e como isso me impacta.”

Nem sei se vejo algo depois

Espero que eu esteja errado

Ele continua: “esse álbum é justamente uma ruptura com a adolescência, sabe? E querendo ou não, quando tu se percebe como adulto, é… nossa, é um baque gigantesco. E a gente teve esse baque meio forçado.”

O mental durante o turbilhão

Era o primeiro dia de agosto de 2024 quando tudo explodiu. A qeva. havia acabado de abrir o show do Boogarins em Campinas, no finado REC Bar e se preparava para outro show no interior de São Paulo. Vitor Pires, no entanto, havia voltado para Porto Alegre durante a semana.

“Posso afirmar, eu fiquei mal, assim, por um tempinho”, afirma o baixista. “Nossa, eu amo Boogarins, e quando eu cheguei em Porto Alegre é que aconteceu toda a bomba. Eu tava jogando bola, e quando cheguei em casa e abri o celular eu pensei ‘o que tá acontecendo?’, sabe?”

Foto: Gabriela Felin

“Fiquei bem afetado por um tempo, acho que os guris me ajudaram a lidar muito com essa parte emocional. No início eu tava bem inseguro, bem nervoso, não sabia se ia voltar a tocar. Fiquei bem mal da cabeça, acho que a constância, na real, foi o que me fez fazer com que as coisas fossem engatinhando aos pouquinhos”, finaliza.

Milena adiciona: “acho que pra todo mundo foi o mesmo teto. Eu e o Conrad somos os mais ansiosos da banda, mas eu boto fé que o Pires tava numa posição bem chata porque ele tava longe da gente. Porém nós estávamos longe das nossas famílias.”

Ela relembra: “eu meio que me isolei. Antecipei minha passagem pra voltar pra casa o mais rápido possível porque eu precisava de um colo. Eu me vi numa posição meio chata. de que eu deveria fazer alguma coisa a respeito, só que eu não conseguia fazer nada a respeito.”

Para Conrad, a autoestima também foi um ponto impactante no momento de crise. “Criou-se uma relação bem complicada em que a gente se invalidava um pouco, se apagava um pouco na banda e precisou pessoas nos falarem isso, de seguir em frente e ser uma banda sem a vocalista antiga”, explica. “Precisaram nos falar essas palavras. Independente de ser uma treta ou não, independente de ter um cancelamento ou não, uma pessoa saiu e a banda mudou, né?”

Ele explica: “a banda modificou, independente do motivo, né? E sempre que isso acontece, a banda muda. A gente já lidou com isso outra vez, e a banda mudou bastante.”

Conrad agora junta-se à Milena para os vocais da qeva. (Foto: Gabriela Felin)

A mudança de protagonismo

“A real é que isso nunca foi intencional”, revela Milena sobre a forma em que a antiga banda se apresentava para o mundo. “Acho que no momento a gente vai tentar fazer um novo formato de show, tipo, tentar trazer a bateria mais pra frente, talvez, pro Conrad poder aparecer mais.

“Eu diria que a gente vai ter que aprender”, complementa Pires, quando questionados sobre a ideia de distribuir a responsabilidade de ser um frontperson da banda. “A gente nem chegou ao ponto de ter esse papo de reorganização, assim. Tipo, quem vai ser a cara [da banda]? Eu acho que, no geral, a gente tá tentando equilibrar muito, porque nenhum de nós tem essa personalidade, então eu diria que a gente vai pensar numa coisa mais horizontal, na verdade, esse é meio que nosso norte daqui pra frente, pra tudo que a gente fizer, ser desde o conceito até a execução final uma parada mais horizontal.”

“A gente pensou em trazer um amigo na bateria”, revelou Conrad. “Pensei em sair da bateria e ir para os vocais, fazer aquela coisa de virar o frontman. Eu também toco guitarra, só que eu não sou guitarrista — mas a gente pensou melhor e decidimos não fazer isso. Eu já cantava todas as músicas, a Mi também.”

Ele continua: “Não era um problema pra gente. Tipo, ‘ah, tem que aprender agora a cantar’, a gente já sabe cantar todas as músicas desde sempre. Não fazia sentido botar outra pessoa pra fazer toda essa função.”

Foto: Gabriela Felin

O baterista e (agora) vocalista entende que, na verdade, isso poderia partir de um questionamento do próprio público. “Faz todo sentido ter essa impressão de que a gente era a banda por trás de uma frontperson. Tipo, o apoio ali atrás. Tinha essa distância. Mas a verdade é que a gente sempre escreveu músicas.”

“Daí só achamos melhor manter nós três, porque já nos entendemos. Sempre foi uma banda nós três, sabe? Então tipo, a gente já era uma banda em si, não precisava de outra pessoa pra funcionar assim”, ele finaliza, sempre enfatizando o quão completa a qeva. agora se sente com a adição de Gustavo e Wendel no ao vivo.

“Eu lembro que o primeiro ensaio foi o que eu mais tava tenso”, relembra Pires, “Assim, justamente, pensando: ‘agora tá diferente a formação, como é que vai ser a dinâmica?’, depois a coisa foi fluindo e, sinceramente, eu nunca me senti tão seguro de cantar diante das outras pessoas, e eu diria que, nesse momento, tô totalmente tranquilo em cantar as músicas, fazer os backing vocals.”

Foto: Gabriela Felin

rolê trevas pt. II e a morte de uma taurina

Durante a turnê de rolê trevas pt. II, já existiam rascunhos para o segundo disco da Quem é você, Alice?. No entanto, quando questionados sobre tudo o que estava sendo trabalhado para esse projeto, o trio responde: “a gente deu um tempo por dois meses. Paramos pra pensar um pouco na vida, inclusive, dar uma relaxada.”

“As músicas antigas, que a gente já tava produzindo, mesmo que a gente tenha participado do processo criativo delas, a gente pensou que seria melhor só, tipo, deixar no passado e, enfim, fazer o nosso trabalho, tentar fazer, tipo, a nossa, tá ligado?”, explica Mi. 

Ela continua: “tem uma ou duas músicas que são composições do ano passado, mas eu acho que a maior parte foi feita realmente esse ano. Então são coisas bem recentes e eu acho que o processo é bem recente, assim, bem madurinho.”

Os vocais de Milena, que sempre estiveram por aqui, agora ganharão ainda mais exposição 🙂 (Foto: Gabriela Felin)

A virada de chave surgiu de um convite do selo Naif, em que Wendel e Gustavo chamaram o trio para conversar. “A gente chegou com uma ideia, pegamos as poucas músicas que já tinham e pensamos em fazer um EP”, explica Pires. “até que chegou o momento deles falarem: ‘o que vocês acham de fazermos um álbum?’.”

“Aí a gente pensou, ‘ah, mas não tem música pronta’, e eles disseram: ‘mas a gente não tem prazo, não tem período pra lançar’, e pra mim, pessoalmente, foi o que mais pegou, realmente, a gente não tinha prazo e nem pressão pra lançar nada”, relembra o baixista.

Sobre “a morte de uma taurina”, faixa amada pelos fãs da qeva., a resposta pode não ser tão legal: “A gente engavetou”, revela Conrad. “Basicamente, consideramos colocar ela no álbum, trocar as vozes. Foi uma conversa intensa, mas acontece, às vezes as coisas não vão pra frente. Ficou pra trás.”

Pires adiciona: “Apesar da gente ter participado do processo criativo, a gente não sentia que a música era nossa, sabe? E aí eu acho que foi isso que pegou mais.”

O repertório ao vivo daqui pra frente

E “Diamantina”, “óbito”, “para todas as ruas de porto alegre em que eu (não) te beijei” entre outras pedidas pelos fãs nos shows? Milena responde que sim, as músicas antigas ainda farão parte dos setlists — afinal de contas, trata-se de faixas criadas pelos três, também.

“A gente até fez uma possível setlist com algumas músicas novas e antigas também. Incluindo coisas bem mais antigas do que o álbum”, revela a vocalista e guitarrista. “Acho que dá pra misturar, mas no momento que a gente sentir que é para ser novo, é isso. Por enquanto, a gente entra nessa mesclagem.”

Conrad adiciona: “eu me coloco no lugar dos ouvintes. A gente tava numa discussão de, por exemplo, de tocar ou não ‘Antítese’, que é uma música que muita gente acabou conhecendo a qeva por ela. Tem que entender o público. Eu entendo o público que quer ir num show, pagou o show.” 

Ele conclui: “Então aguardem músicas conhecidas. A gente vai selecionar as que fazem mais sentido. Vão ter músicas antigas, vão ter músicas novas. Vai rolar isso aí, com certeza. A gente também vai querer fazer versões diferentes das músicas. As músicas vão existir, mas talvez elas sejam diferentes nos shows.”

Reprodução / Instagram

Futuro

Nem tudo é sobre amor será anunciado oficialmente nas redes sociais da Quem é você, Alice? nesta semana, com previsão de lançamento para agosto. Antes disso, no entanto, o público poderá conferir mais três singles que estão por vir.

Além disso, a qeva. segue com um show marcado para o dia 10 de julho, no Ocidente, junto com a Isotopxs. É o primeiro show da banda em mais de seis meses fora dos palcos, e é claro, com a nova formação.

E em São Paulo? Sim. O trio possui passagem marcada para setembro deste ano na capital paulista — no festival favorito dos leitores do Downstage. Mais novidades em breve!