There’s A Whole World Out There: A consolidação do trabalho de Arm’s Length
Segundo trabalho do grupo crava o nome dos canadenses como uma das referências da sua geração

Três anos após o lançamento do seu álbum de estréia Never Before Seen, Never Again Found, o grupo canadense volta às playlists de lançamento com aquele que se apresenta como o maior desafio da banda até o momento. Ainda assim, é seguro adiantar que o desafio foi muito bem superado.
Enquanto no álbum de estreia da banda Allen Steinberg pôde selecionar para o repertório uma coletânea das músicas que escreveu desde os 14 anos, nesse segundo trabalho a janela de composição teve que se concentrar nos três anos que marcaram o intervalo entre os discos. Esse processo resultou em composições muito mais maduras e atuais quando comparadas as do disco anterior.
Normalmente associados ao midwest-emo, o Arm’s Length entrega no segundo disco uma sonoridade muito mais encorpada e refinada do que a que costumamos encontrar no gênero. Vale destacar os vocais de Allen, cujo refino técnico não lembra em nada os desafinados e despreocupados vocalistas da cena.
AS FAIXAS

There’s A Whole World Out There começa com a faixa “The World”. A música se inicia de forma lenta, quase etérea, até ganhar força em uma explosão sonora marcada pela performance vocal inconfundível de Steinberg. Logo de início, os versos “I am self-aware / and that ‘s what makes me scared” capturam a essência do disco: o conflito entre o saber e a dor que esse saber pode causar. A música culmina em um breakdown intenso, carregado de angústia, refletindo o peso de encarar as próprias fragilidades de forma crua e inevitável.

É também nesse momento que surgem os versos que dão nome ao álbum: “you wandered off with no way home / was I selfish for keeping you close / when there’s a whole world out there and you would have never known?” Essas frases ecoam como um ponto de virada, questionando a ideia de proteção e aprisionamento, e desafiando o velho ditado de que “a ignorância é uma bênção”. Aqui, o desconhecido não é apenas possibilidade — é uma ausência sentida.
Riffs de guitarra envolventes nos puxam de imediato para dentro de “Fatal Flaw”, que depois desacelera, criando espaço para que os vocais suaves de Steinberg ganhem protagonismo. Nesta faixa, a bateria de Jeff Whyte é protagonista, conduzindo a música com uma batida firme e cativante. A dualidade entre dor e euforia — tema recorrente ao longo do álbum — se evidencia com força no refrão: “you see how far you’ve come / romanticize the past for fucking what / you know your younger self would be so proud / you’re nothing like them now.” Há um tom de vitória nessas palavras, mas contaminado por uma pitada de autocrítica e ansiedade.
Após a ponte, essa tensão se aprofunda: “another trip around the sun / why does it feel like way too much?” O último refrão carrega um amargor ainda mais forte, com versos que diminuem as conquistas do narrador e transbordam insegurança: “you know your younger self would chalk it all up to luck or a lack thereof.” É uma celebração atravessada por dúvidas, um orgulho corroído por vozes internas que nunca se calam
“Funny Face” é um hino vibrante, cheio de energia, que mistura melodias cativantes com harmonias vocais sutis e bem encaixadas. Com menos de três minutos de duração, a faixa mantém o ritmo acelerado do início ao fim, sem abrir mão de uma carga emocional significativa. Já “The Weight” traz uma sonoridade pop-punk direta e intensa, que contrasta fortemente com a temática densa da letra: o desejo de desaparecer. Aqui, Steinberg encara de frente sua relação com transtornos alimentares, revelando como a perda de peso se torna, paradoxalmente, uma forma de se esconder — uma maneira de desaparecer aos olhos do mundo e de si mesmo.
A faixa seguinte, “Palinopsia”, carrega no próprio título a chave para sua compreensão: o termo descreve um fenômeno visual em que imagens persistem na visão mesmo após terem desaparecido — uma metáfora perfeita para um álbum construído em torno da memória e das marcas que o passado deixa. Diferente das outras canções, “Palinopsia” aposta em uma atmosfera etérea, quase onírica, especialmente na ponte, onde uma narração abafada se mistura ao instrumental suave. Esse recurso dá à faixa um tom mais contemplativo e sereno, convidando à reflexão nostálgica sem o peso dramático que encontramos em outras partes do disco. É como se, por um momento, fôssemos autorizados a apenas lembrar — sem julgar, sem sofrer.

“The Wound” começa com uma pergunta direta e carregada de incerteza: “time will heal me / will I stick around to see it?”, e, assim, Steinberg nos coloca no centro de sua vulnerabilidade. À medida que a faixa ganha força, emerge um humor sombrio e autodepreciativo, como nos versos “when I swear on my life / we both know that the stakes aren’t high.”
A entrada suave de um banjo surpreende e adiciona uma leveza inesperada à canção. Esse tom quase alegre cria um contraste marcante com a dureza da letra, especialmente quando Steinberg toca num tema delicado: a possibilidade de ter filhos. “and if they’re anything like us / we can’t pretend they won’t be fucked.”
É esse equilíbrio entre ironia, dor e aceitação que dá ao álbum sua força — um reconhecimento de que nem toda ferida fecha, e tudo bem encarar isso de frente.
“You Ominously End” traz novamente o banjo, abrindo com uma introdução quase folk. Esse elemento é uma novidade no som da banda, que funciona surpreendentemente bem. A leveza do arranjo, com sua batida animada e quase saltitante, contrasta com o tema central da faixa: o medo de perder um amigo para o suicídio. Essa justaposição entre sonoridade e letra cria uma tensão emocional marcante, onde a alegria aparente da melodia só torna o conteúdo lírico ainda mais doloroso. É uma daquelas músicas que fazem você dançar com um nó na garganta.
“Early Onset” traz uma abordagem acústica e é a faixa menos elaborada do disco. Essa track introspectiva e silenciosa mergulha fundo nos temas da autossabotagem e da fuga da realidade. Com uma abordagem contida e quase confessional, a canção cria um espaço íntimo onde pensamentos difíceis ganham voz — não com gritos, mas com sussurros. É como se cada acorde carregasse o peso de escolhas evitadas, de ciclos repetidos, de uma vontade constante de desaparecer, mesmo que só por um instante.
Nas faixas seguintes vemos o disco perder velocidade e preparar o terreno para “Morning Person”. A faixa final do álbum —com seus 7 minutos de duração— consegue brilhantemente não se tornar morosa e repetitiva. Com uma introdução sutil, que aos poucos ganha corpo até alcançar o refrão, a canção se desenrola como uma maré emocional: ora serena, ora tempestuosa. No meio do caminho, a energia bruta explode, só para logo depois se dissipar em uma calma exausta. Cada transição carrega um impacto próprio, como se a música nos envolvesse e afogasse em camadas de sentimento, indo e voltando como uma onda que não pede licença, apenas leva. É como se todo o disco fosse comprimido em uma única faixa.
VEREDITO

There’s A Whole World Out There coloca definitivamente o Arm’s Length como uma das mais completas bandas emo contemporâneas. O disco consegue ao mesmo tempo apresentar as características assinatura da banda, seguindo algumas “receitas” do midwest-emo, enquanto mescla elementos novos e surpreendentes que destacam todo o repertório técnico dos instrumentistas. Esses elementos, combinados com a habilidosa capacidade de composição de Allen Steinberg fazem deste um dos grandes candidatos a álbum do ano — pelo menos no que diz respeito à cena emo e alternativa.
Para fãs de: Real Friends, Knuckle Puck e nothing,nowhere.