Melodrama e fatalismo adolescente: o storytelling de Posture & the Grizzly
Autointitulado traz 15 faixas e diversos pontos de vista sobre uma mesma situação
Há certa beleza em trabalhos que visam contar histórias. Seja em florear situações reais e ressignificar traumas particulares em arte, há quem consiga também criar cenários do zero sem a menor inspiração no lado externo. Quando se trata disso, não é equivocado afirmar que Posture & The Grizzly cumpre bem a tarefa de explorar toda a magia do ficcional.
Em atividade desde 2008, a banda formada na cidadezinha de Willimantic, que abriga menos de 20 mil habitantes, liberou o seu terceiro e autointitulado álbum na última semana de 2021. Carregado de acidez, o grupo (literalmente) despeja ao longo de 15 faixas uma história de puro caos, palavras guardadas na garganta e diversos pontos de vista. Navegando pelo afetivo, social e mental, Posture & The Grizzly pode facilmente ser descrito como um desafogo de estupidez adolescente e sentimentos à flor da pele.
O engraçado em todo o álbum é justamente a dureza das palavras colocadas lado a lado em cada verso, cuspidos sem a menor cerimônia ou empatia. Seja por xingamentos ou pelo claro sentimento de desconforto do eu lírico na situação que se encontra, a atmosfera alcança o ouvinte pela transparência e capacidade da banda em criar os momentos que canta sobre, fazendo da experiência algo totalmente imersivo e viciante de se acompanhar, como alguém que lê um livro depressa, louco para saber o final.
A construção de cenários de uma festa infeliz
Existe uma divisão de faixas no trabalho que separam as três primeiras das duas subsequentes e, por fim, uma que ocupa o penúltimo espaço do disco. Apesar da reprodução ser bem fluida e encaixar perfeitamente uma na outra, isso acaba servindo como uma separação de capítulos ou atos, dependendo de até onde a mente divagar.
É divertido é até admirável ouvir os desabafos grosseiros do eu lírico no primeiro ato, sem a menor hesitação. Creepshow se passa num diálogo (que, na realidade mostra-se um monólogo de alguém que recusa-se a aceitar um pedido de desculpas) e logo pula para um ambiente totalmente diferente em Unfortunate Friends (essa com a participação de Evan Weiss, do Into It. Over It.), mas cujo mal-humor acaba respingando nas amizades ao redor.
Tudo funciona e encaixa-se de maneira tão curiosa que não é equivocado dizer como as três faixas contam uma infeliz história numa noite regada à álcool e idiotices. Esse cenário encerra-se em Black Eyed Susan, em que o eu lírico não consegue mais ouvir a própria voz ou raciocinar por si só, mas decide dirigir para casa sob o efeito de pílulas e um coração partido.
O storytelling continua logo após o interlúdio da faixa quatro, puramente instrumental, mas tão apropriado para servir como trilha sonora de uma viagem de carro pela madrugada que se encaixa como um quebra-cabeça. O cenário logo muda, é claro, mas parece que voltamos ao inicial: Kairi traz o diálogo com uma garota que claramente precisa de um pouco de conforto numa noite nada tranquila; e visto que a abordagem dos versos é totalmente outra por aqui, vale arriscar dizer que a banda trouxe outro eu lírico para compor um ponto de vista diferente sobre a mesma situação.
“Encontre seus amigos e vá para casa, mesmo estando na pior você não ficará sozinha hoje”, canta o vocal antes de pular para Red Light, retratando o doloroso diálogo “Precisamos conversar / não há nada a dizer.”
A manhã seguinte
No segundo ato, Posture & The Grizzly explora os detalhes do cenário e do sentir em One Idiot Box. O eu lírico deixa as emoções descreverem o que ele vê ao seu redor. Há falas confusas, pensamentos de autossabotagens e claramente uma confusão em sua memória.
O storytelling continua nas músicas subsequentes em diferentes ocasiões. Há um pouco de dificuldade de associar uma história à outra, mas a banda viaja propositalmente entre diferentes lugares, pessoas e vivências — isso reflete diretamente na equação de palavras em relação à duração de cada faixa. Enquanto Melt parece ser um desabafo curto e difícil que leva mais de três minutos, Five Band Gig é apressada e exclamativa, tomando menos que a metade do tempo da canção anterior para ser concluída.
Promise é o eu lírico voltando à realidade e colhendo os cacos de uma noite caótica de sábado. É uma tentativa clara de fugir do assunto e desconversar sobre o ocorrido, mas seus pés logo voltam ao chão em Create Me, que assume uma abordagem mais sentimental, pungente e, por conta do excesso de emoções em sua construção, fatalista.
O melodrama se estende à faixa que encerra esse segundo ato, Secrets. Afinal, não há graça nenhuma em viver deliberadamente a adolescência sem adicionar boas doses de drama em todo o processo. O instrumental fica propositalmente de lado justamente para realçar o teor trágico dos questionamentos repetitivos que compõem todos os versos cantados em vocais expostos.
Reflexão, Arrependimento, Ressurgimento
As três palavras foram escolhidas a dedo pela banda para descrever o que é, de fato, esse trabalho. O Posture & The Grizzly age com maestria para contar uma história puramente fictícia e criar cenários no trabalho que leva o nome da banda. Encerrando com mais um interlúdio conectado à faixa final, o álbum fecha com um estudo mental sobre memórias e amadurecimento.
A efemeridade dos momentos, relações interpessoais e da vida em si é a pauta principal da canção, embora às vezes seja cantada de forma bastante subjetiva. Há a inocência e imaturidade da adolescência em sua mais pura essência, com leves pingos de consciência ao longo da canção. Se Posture & The Grizzly fosse de fato um filme, Flying Sailboats seria a faixa responsável por dar emoção aos créditos finais.
Veredito
Cinco anos depois, o trio de Connecticut amadurece e ressurge num trabalho que transborda visceral e que, apesar de fictício, traz muita sinceridade e identificação em seu desenvolvimento. Viajando entre o pop punk mais cru e resgatando a essência do midwest, Posture & The Grizzly entrega seu álbum mais envolvente até então, e mesmo chegando tão tarde em 2021, um dos destaques do ano.
Para fãs de: Mom Jeans., Real Friends e I’m Glad It’s You