Sheffield reafirma personalidade e expande sonoridade em Ensaio Sobre a Frustração

Com uma sonoridade emo moderna e atual, banda mostra sua evolução e identidade em seu novo trabalho

Arte: Marfelo Lacerda / Downstage

A importância da cena emo no começo dos anos 2000 é imensurável. O sucesso e a exposição de bandas como Fresno, NX Zero, My Chemical Romance e Simple Plan foi seminal para toda uma geração e o impacto desse fenômeno continua a reverberar até hoje.

Inúmeras bandas e artistas continuam sendo influenciados pela sonoridade de todas essas bandas e continuam mantendo a chama acesa, fortalecendo o underground e provando que tudo passou longe de ser apenas uma fase. Uma das bandas que bebe dessa influência e segue abraçando o gênero fortemente até hoje é a Sheffield, que acaba de lançar seu primeiro álbum, Ensaio Sobre a Frustração.

Início e influências

Formada em 2017 no Rio de Janeiro, a banda passou por algumas formações até se tornar o duo composto por Rafael Ribera e Humberto Duarte. Rafael tocava na Cinzas de Inverno, banda do Humberto, mas como não estava se identificando com a sonoridade da banda, decidiu sair e fundar a Sheffield. “Eu estava ouvindo muita coisa nova, muito Twenty One Pilots, muita coisa com sintetizador, muita coisa eletrônica”, revela Rafael em entrevista exclusiva ao Downstage. “Sempre ouvi muita música emo — desde 2007, quando eu conheci o My Chemical Romance, Nx Zero… Então eu saí da banda e acabei fundando a Sheffield.”

Rafael Ribera e Humberto Duarte (Imagem: Divulgação / Sheffield)

Misturando emo com outros estilos musicais, a Sheffield encontrou sua própria personalidade e conseguiu criar um som diferenciado e chamativo. É possível notar as influências nas composições, que vão de encontro às ideias e proposta da banda. “Eu tenho muita influência do rock britânico em geral. E essa nova geração, YUNGBLUD, Bring Me The Horizon — que nem é tão nova geração, mas o tipo de música que eles fazem, é uma parada que você não vê qualquer um fazendo”, explica. “É muita programação, muita coisa interessante que traz uma característica muito boa, e eu sempre trago essas influências. A gente é uma mistura de muita coisa. Coisas que saem da minha cabeça, coisas que pego de Bring Me The Horizon, da Fresno, do Architects, que é uma banda de metal… E toda essa mistura de influências cai num som só, que é  o som da banda.”

O grupo lançou em 2017 seu primeiro EP, Realidade Opaca, que trazia um som mais pesado e calcado no hardcore melódico, mas já mostrava a identidade musical característica da Sheffield. Navegando entre momentos leves e pesados, o duo sempre explorou ao máximo as possibilidades em suas músicas, mostrando que o emo pode ser pesado, eletrônico e moderno. “O Realidade Opaca é uma pegada com mais guitarras, mas as nossas são afinadas com afinação de metal. É uma afinação muito pesada para um som que não é pesado, então acaba trazendo uma característica diferente por conta disso”, conta o músico.

Expandindo a sonoridade para o novo trabalho

Com um novo trabalho em construção, a Sheffield sentia então a necessidade de inovar ainda mais, já que o fácil acesso à música e o consumo raso deixa ainda mais desafiador o exercício de conquistar e fidelizar o ouvinte.

(Imagem: Divulgação / Sheffield)

Começando a trabalhar no álbum de estreia ainda em 2018, Rafael refletiu na época: “O que eu preciso fazer pra não ser mais um? Pra galera não ouvir a minha banda e dizer que igual a essa, já ouviu mais três hoje?”. Foi então que o músico buscou inspiração em suas influências para incrementar o som da banda. “A gente precisa fazer alguma coisa que seja meio diferente, foi quando eu bati o olho em Twenty One Pilots lançando o Trench e pensei ‘os caras não colocam nem guitarra no disco e soam gigantes’. Aí pensei ‘o que esse cara faz?’ e então comecei a entender que ele usa bastante programação”, revela.

Outra grande inspiração para o duo foi o Bring Me The Horizon, que sempre teve grande importância na história da Sheffield, uma vez que escolheram esse nome por ser a cidade natal da banda liderada por Oliver Sykes. “Veio o BMTH lançando o amo com muita programação, com muita coisa legal e pensei ‘isso aqui é a modernidade’, eu quero que o som da banda soe com essa característica moderna.”

O que torna o som da Sheffield tão diferenciado é a habilidade de trazer influências sem perder a identidade, além de sempre manter o emo como seu gênero predominante. “Eu sou uma pessoa que dentro da música estou sempre buscando evoluir constantemente, eu sempre tento fazer algo diferente pra agradar as pessoas. Mas a gente deixa bem claro, o som que a gente faz é emo e a gente nunca vai fugir dessa raiz, mas a gente consegue dentro do emo trazer muita novidade”, reflete o vocalista.

Ensaio Sobre a Frustração

Ensaio Sobre a Frustração chega com oito faixas e mostra o emo flertando com diferentes gêneros musicais ao longo do trabalho. Devoto do Irreal, canção de abertura do disco, começa com uma ambientação interessante, preparando o ouvinte para o refrão empolgante e encorpado. A música alterna muito bem entre momentos pesados e leves, agradando logo na primeira audição.

Um Pedaço da Minha Alma foi divulgada antes do lançamento do álbum e conta com um videoclipe gravado na cidade de Sheffield. As cenas do vídeo foram gravadas em 2019, quando Rafael e sua namorada visitaram a cidade. “Eu sempre fui muito fissurado por Sheffield por causa do BMTH, do Arctic Monkeys“, conta. “Tem muita galera boa de lá, além de eu sempre ser muito fã da Inglaterra. Fui pra Londres em 2019 e visitei Sheffield. A música Um Pedaço para Minha Alma já estava escrita, então eu falei para a minha namorada (que é filmmaker) que queria fazer o clipe em Sheffield”, relembra.

A música é conduzida pelos sintetizadores, soando bem moderna e atual. Na sequência, Você não vai entrar no céu vem carregada de peso, solos de guitarra e distorções. As influências de metalcore são bem presentes na canção, o que a torna um dos destaques do álbum. A letra é uma crítica aos líderes religiosos que se aproveitam dos fiéis, principalmente na pandemia, onde utilizaram dos menos favorecidos para enriquecer. Âncora e Mar (Luz, PT.II), inicia calma e suave, com uma belíssima melodia. É uma bela balada melancólica e destaca bastante os vocais de Rafael.

Maré surpreende com seu beat predominante e com solos de guitarra no final. É uma faixa bem gostosa de ouvir e também se destaca no trabalho, além de contar com os lindos vocais de apoio de Lorena Belmon, que é uma espécie de terceiro integrante da banda.

(Imagem: Divulgação / Sheffield)

Mais camadas musicais são perceptíveis em Capaz, que tem pinceladas de indie rock e lembra bandas como Zimbra. É a Sheffield navegando por diferentes sonoridades com segurança e qualidade. Ensaio sobre a Ansiedade traz reflexos da pandemia em sua composição, conforme revelou Rafael. “Sofro bastante de ansiedade, é uma coisa que muitas pessoas têm, mas muita gente não fala”, relata. “Então quando decidi fazer uma faixa sobre , foi para pessoas que sofrem com isso se identificarem. Ensaio sobre a Ansiedade foi a mais fruto da pandemia nesse sentido.”

Fantasma fecha o álbum de maneira curta e intimista, deixando aquele gostinho de quero mais para o ouvinte. Ensaio sobre a Frustração é um trabalho muito rico e com várias camadas musicais. Mostra uma sonoridade única e original, mesclando o emo com diferentes vertentes e possibilidades. Tudo é muito bem pensado e feito com cuidado e preocupação, o que torna a obra ainda mais especial.

Futuro

Cheia de planos para o futuro, a Sheffield já adianta que vem muitos lançamentos por aí. A banda pretende lançar daqui a dois meses mais um single, que não vai estar inserido em nenhum contexto, feito para ser trabalhado como algo independente. Rafael também adianta que ano que vem vão começar a trabalhar em um novo EP: “É algo que já está pensado, vamos lançar as músicas separadas para no final formar o EP”, afirma o músico.

Rafael ainda comenta que está ansioso pelo retorno dos shows e promete algo surpreendente para as apresentações ao vivo “A gente vai fazer um show que é diferente de qualquer banda que a gente viu tocar, sendo uma parada bem diferentona”, revela.

A Sheffield segue aquecendo a cena e mantendo uma relação duradoura com o emo, reafirmando que o gênero nunca morreu e com boas expectativas para o futuro. “O emo não está voltando, ele sempre esteve aqui”, defende o músico. “A Sheffield nunca esteve tão engajada nas redes sociais como está agora, porque a galera vem procurar. Eu acredito que ano que vem será muito melhor pro emo, porque os shows vão voltar e vai ter muita banda nova subindo nos palcos.”

Ensaio sobre a Frustração chega a todas as plataformas digitais nesta sexta-feira, 10 de setembro.