20 anos de Tell All Your Friends, do Taking Back Sunday

Disco de estreia da banda é uma espécie de novela emo regada a poesia adolescente (no melhor dos sentidos)

Arte: Rafaela Antunes / Downstage

Quando se divide o emocore em fases, é comum que o início dos anos 2000 seja definido como a “terceira onda”. As bandas dessa época faziam um som que ficava entre o pop punk e o post-hardcore, com uma pitada de pop nos refrões e letras que ilustravam o sofrimento exasperado de como era ser adolescente romântico em tempos de desamor.

Um dos discos que melhor exemplifica o período é o Tell All Your Friends, que completou 20 anos no dia 26 de março de 2022. Se hoje ele é um marco para a entrada do emo no mainstream, na época ele não passava do primeiro trabalho do recém-surgido (e ainda desconhecido) Taking Back Sunday.

Por trás do seu sucesso estão letras exageradas e uma sonoridade inexperiente com influências diversas aliados a um clima de novela adolescente (no melhor dos sentidos). Acima de tudo isso, é possível ouvir uma banda sincera, explosiva e apaixonada por fazer música.

A formação da banda

Fundada em 1999 em Long Island (Nova Iorque), a primeira formação do Taking Back Sunday gravou dois EPs, e logo em seguida, passou por brigas, rompimentos de amizade e trocas de integrantes. 

Foi só em 2001 que a banda fechou seu line up definitivo: John Nolan na guitarra e backing vocals, Adam Lazzara nos vocais, Eddie Reyes na guitarra, Shaun Cooper no baixo e Mark O’Connell na bateria. Sem tempo a perder, eles logo lançaram a The Tell All Your Friends Demo, com quatro canções inéditas.

O nome da demo era uma brincadeira incitando os ouvintes a mostrarem a banda aos seus amigos, mas acabou se concretizando como uma espécie de profecia. Em poucos meses, o CD caiu nas mãos de uma agente, e rendeu ao quinteto um contrato com a Victory Records para a gravação do primeiro disco.

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Contracapa de Tell All Your Friends (Foto: Michelle Logo)

O disco e a sonoridade

Se em dezembro de 2001 o recém-formado Taking Back Sunday havia assinado com a gravadora, em janeiro de 2002, o primeiro disco já estava gravado, e em março, ele já havia sido lançado. O custo total foi uma bagatela de US$ 10 mil, e os músicos gravaram suas partes entre intervalos dos seus empregos formais, que ainda mantinham à época.

Além das canções da demo, o repertório contava com seis novas faixas. O processo de composição era bastante espontâneo e todos os integrantes traziam ideias, que eram lapidadas pelos demais e coroadas com letras pela dupla de vocalistas. 

Por todos terem bagagens diferentes, era comum que as influências da banda fossem diversificadas. Entre as mais aparentes, é possível citar The Get Up Kids, Cap’N Jazz e Lifetime, mas o quinteto já mencionou referências variadas como Saves the Day, NOFX, The Smiths, At The Drive-In, Tom Petty e até mesmo do hip hop noventista. 

Já no que diz respeito à estrutura das canções, as diferenças não são tantas, e em geral, elas seguem o mesmo esqueleto de músicas de post-hardcore — com direito a breakdown e ponte. O diferencial é a forma como o Taking Back Sunday faz isso, com riffs e partes rítmicas bastante criativas por parte de Mark O’Connell e Shaun Cooper, e alternando os vocais de Adam Lazzara e John Nolan.

Aliás, as vozes de ambos oferecem tanto vocais limpos quanto rasgados, dosando a impostação de acordo com o clima e o sentimento de cada uma das músicas. Nos momentos de maior ênfase, os vocalistas não se acanham em cantar com todo o ar de seus pulmões, algo típico de shows de emocore, e que fica representado com excelência no disco.

O maior exemplo dessas dinâmicas talvez seja Bike Scene. Após as estrofes e refrões explosivos, a banda diminui a cadência, toma ar, e depois retoma a catarse para finalizar a música. 

Essa fórmula se repete em excelentes canções como There’s No ‘I’ in Team, Great Romances Of The 20th Century, You Know How I Do e Ghost Man on Third, além dos grandes hits do álbum.

O escolhido para coordenar o trabalho foi Sal Villanueva, que já havia produzido os dois primeiros discos do Thursday (que inclusive, compartilham algumas semelhanças com o TAYF). Graças à pouca experiência dos integrantes, o produtor foi responsável por muitas decisões criativas que não agradaram a banda, mas ainda assim, foram mantidas e contribuíram para amarrar a sonoridade — o que, no fim das contas, acabou sendo certeiro.

As letras

Não há como falar no Tell All Your Friends sem citar suas letras, que são grande parte do trunfo do álbum. “Tudo que escrevemos é baseado em coisas que aconteceram conosco ou vimos acontecer”, disse Nolan, à época, sobre suas composições. “Nós meio que regurgitamos o que passamos e falamos como nos sentimos sobre isso. Não existe mágica por trás”.

Em geral, os temas são relacionamentos adolescentes, sejam eles com garotas, amigos ou até com a própria forma de se enxergar no mundo. Como o próprio vocalista define em Timberwolves at New Jersey, “essas palavras, na melhor das hipóteses, são piores que poesia de adolescentes”. O que se destaca é a forma exagerada com que essas experiências são relatadas, com elementos tão reais que prendem a atenção do ouvinte. 

Um exemplo é There’s No ‘I’ In Team, inspirada no que ficou conhecido como uma das maiores brigas do emo. O embate teria acontecido quando John Nolan deu em cima do interesse romântico do seu amigo, Jesse Lacey, que fazia parte do TBS. Com isso, ele saiu para montar o Brand New, e fez uma música sobre sua própria versão do incidente, chamada Seventy Times 7

Mas é claro que o que ganhou o público foram as letras sobre desilusões amorosas. Esse disco é repleto de frases icônicas, como “Por que não consigo sentir nada por ninguém além de você?” e “Eu quero tanto te odiar, mas não consigo”.

Em You’re So Last Summer, Lazzara canta “você poderia cortar meu pescoço, e com um último suspiro ofegante, eu me desculparia por derramar sangue em sua blusa”, um exagero linguístico digno da poesia de Lord Byron, ou até de letras de Morrissey para o The Smiths.

Mesmo que tudo isso pareça desproporcional, são sentimentos que qualquer millennial apaixonado e incompreendido era capaz de sentir àquela altura. Para uma geração, é esse disco que representa a melhor forma de conseguir externar em palavras aquelas sensações adolescentes.

O legado

Tell All Your Friends vendeu milhares de cópias logo nas primeiras semanas, levou a banda à parada de álbuns da Billboard 200, e recebeu ótimas críticas da imprensa especializada. Canções como Timberwolves At New Jersey, You’re So Last Summer e Cute Without the ‘E’ (Cut from the Team) se tornaram hits, e tocaram incessantemente nas rádios e na MTV. A última deu origem a um icônico clipe inspirado no filme Clube da Luta.

Apesar da boa fase, durante a turnê de divulgação do álbum, John Nolan e Shaun Cooper abandonaram a banda graças a novos desentendimentos, e fundaram o Straylight Run, que acabou caminhando para um lado mais indie rock.

Enquanto isso, os membros remanescentes convidaram novos integrantes e colheram os louros do sucesso do primeiro disco. Os dois álbuns seguintes da banda recorreram a uma sonoridade parecida, e foram grandes sucessos de público.

Mas, como toda novela tem suas reviravoltas, após quase dez anos separados, Nolan e Cooper voltaram ao Taking Back Sunday em 2010, onde permanecem desde então, e já lançaram uma trilogia de discos explorando novas características e elementos.

Em paralelo a toda essa história, o TAFY começou a influenciar outros artistas desde o momento em que foi lançado, justamente por ser um dos primeiros álbuns do emocore à época que conseguiu romper a barreira do mainstream. É possível perceber sua inspiração já em bandas da terceira onda como o Hawthorne Heights, Senses Fail e Motion City Soundtrack.

Ao mesmo tempo, por ter uma sonoridade tão única, ele acabou atraindo a atenção tanto do público adolescente quanto de fãs de emo, hardcore, post-hardcore e pop punk. Mayday Parade, Knuckle Puck, Hot Mulligan, Microwave e The Hotelier são alguns exemplos de bandas que já tiraram inspiração das dinâmicas, melodias e dobras vocais que o TBS criou nesse disco.

O fato é que ouvir o Tell All Your Friends depois de tanto tempo é uma experiência e tanto. Algumas letras soam engraçadas (até mesmo para Lazzara, que gosta de ressaltar antes de cantá-las), mas é inegável que elas já fizeram sentido em algum momento da sua vida. 

O álbum retrata uma banda ainda inexperiente e com poucos recursos, mas que executa muito bem tudo o que se propõe a fazer. O som dinâmico e despropositadamente lo-fi traz um charme único, que reproduz fielmente a energia dos shows do Taking Back Sunday durante esse período.

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Taking Back Sunday durante apresentação em 2002 (Foto: Reprodução Fetus Band Members / Autor desconhecido)

Como em qualquer novela, o Tell All Your Friends representa os primeiros episódios, em que você ainda está conhecendo os personagens e se apaixonando pela história de cada um. Depois de 20 anos, ele permanece icônico, e é uma ótima recomendação para quem enxerga valor em um bom drama adolescente.

Relembre essa obra na versão comemorativa de aniversário, que inclui como bônus as quatro canções da demo original:

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