Flip a Coin: ONE OK ROCK transforma incerteza em performance catártica e emocionante
Documentário conta a história da livestream do show feito em um estádio vazio e como o processo foi tão exaustivo quanto uma turnê

O ano era 2020. Da noite para o dia, tudo mudou, e lá estávamos nós, confinados à solidão de nossas próprias casas, com novos medos e repletos de ansiedade em apenas cogitar pensar no que seria o amanhã. O que mal sabíamos é que aquele um ano e pouco que trouxe a angústia do que parecia uma década nas nossas mentes e corpos, hoje, quase cinco anos depois, já existiria como uma lembrança de décadas atrás.
De certa forma, esse “esquecimento” é benéfico já que passamos por momentos terríveis, mas, por outro lado, também experienciamos e sentimos muitas coisas incríveis que nos ajudaram a passar pela quarentena de um jeito menos doloroso e, em determinados momentos, até felizes. Muitas pessoas tomaram iniciativas memoráveis que contribuíram para (re)conectar a sociedade através das redes e da internet, sendo em vídeos para o TikTok (quem não fez pão que atire a primeira pedra) ou nas famosas lives musicais do Youtube, que uniram artistas do mundo inteiro em prol de doações e de proporcionar algumas muito bem-vindas horas de distração. Em meio a toda mobilização mundial, a ONE OK ROCK decidiu fazer parte do movimento e transmitir ao vivo um show feito em estádio completamente vazio.
Após o término de sua turnê pela Austrália no início de março de 2020 e com o rápido avanço da pandemia da COVID-19, o grupo anunciou que os shows de sua turnê asiática que aconteceria naquele ano foram cancelados. Permeados de incertezas – assim como toda a humanidade – a banda de j-rock ficou em isolamento por alguns meses, até que surgiu a ideia da primeira apresentação em formato de live de sua história, que posteriormente viria a se chamar Field of Wonder at Stadium Live Streaming.

Na cena inicial do filme, vemos o vocalista Taka em uma reunião no famigerado Zoom com os outros membros da banda, discutindo as possibilidades de como realizar o show em live, trecho que viria a fazer parte do documentário da Netflix ONE OK ROCK: Flip a Coin (2021), que acompanha a saga de três meses desde essa concepção, em agosto, todos os bastidores e ensaios, até o dia do show em 11 de outubro no estádio de baseball Zozo Marine, em Chiba, no Japão.
Mas, não apenas dessa epopeia trata o filme. Entre inúmeros ensaios coreográficos e de suas canções, cada integrante conta um pouco de sua história, como chegaram ao lugar que estão hoje no cenário musical mundial e como eles e suas famílias estão lidando com esse momento e vivendo na pandemia.
O guitarrista e fundador da banda Toru, por exemplo, foi infectado pelo coronavírus poucas semanas antes do início dos ensaios. Já Tomoya, o baterista, lida com a responsabilidade de ter dois filhos pequenos com a esposa prestes a dar a luz ao seu terceiro (coisa que acontece durante os ensaios, então ela fica sozinha no hospital). E, para não dizer que esqueci justo do baixista, Ryota conta como ficou feliz em voltar à ativa para poder tocar baixo e também é personagem de um segmento muito divertido: a visita ao seu cabeleireiro desde a infância para mudar o visual para o vindouro show.

Conforme o tempo avança, os ensaios aumentam em intensidade e percebemos como cada integrante é dedicado e talentoso. Todos sempre muito empenhados e focados no objetivo de entregar o melhor para seus fãs, algo que é constantemente frisado ao longo da 1h45 de duração do documentário — 100 minutos que, inclusive, passam muito rápido graças à montagem ágil e não-linear do filme que combina bastidores de ensaios, momentos pessoais da vida de cada membro e belíssimos clipes do show que foi ao ar ao vivo.
Entretanto, o destaque vai para o MVP de todo processo, o vocalista Taka, que, mesmo não sendo um membro verdadeiramente original (Toru fundou a banda em 2005 e ele só entrou de vez no projeto em 2007) é o mais detalhista e um líder, trazendo à tona o melhor de cada um, desde a banda até em suas incessantes cobranças ao artista por trás dos efeitos especiais que acabaram não sendo utilizados na live.
Em trecho da entrevista concedida à Netflix na época do lançamento do filme na plataforma, podemos ver como sua liderança e pensamento ficam evidentes:
“Sinto muita gratidão por tudo o que tenho. Somos um grupo de pessoas com ideias e personalidades totalmente diferentes. É preciso algo especial para motivar todo mundo quando cabeças tão diferentes estão trabalhando pelo mesmo objetivo. Felizmente, nós temos esse algo especial e conseguimos nos unir para fazer esse show pela internet de um jeito inédito. Sei que nem todo mundo é capaz de fazer isso, mas, se eu consigo, você também consegue”, disse Taka.
Perfeccionista personificado, desde o princípio foi quem buscou o melhor em todos os detalhes da produção.

O terceiro ato do documentário é composto por um clipe mais longo com as duas músicas finais da Field of Wonder at Stadium Live Streaming: o sucesso “We Are” e “Wasted Nights”, consolidando o momento repleto de emoção e sentimento de gratidão, aquele que só quem sofreu e sobreviveu à pandemia pode experienciar profundamente. Não é uma coisa simples para um músico abrir mão do que é o motivo de sua existência: o aplauso. Esse impulso é o que move todo e qualquer artista, é o reconhecimento de que sua arte e sua mensagem chegaram ao outro lado perfeitamente.

Quando o show se encerra, não há nada além de um arrepiante silêncio, porém, o espectador sentiu a magnitude do espetáculo mesmo à distância: seja no olhar sempre fixo de Taka para as câmeras ou na performance intensa, é como se estivéssemos lá também. É catártico, não só para as mais de 100 mil pessoas que assistiram simultaneamente a live, mas principalmente para a banda que ficou com a sensação de dever cumprido depois de um árduo processo banhado em muito suor, que ao fim ganhou companhia das lágrimas.
A ONE OK ROCK se apresenta no Espaço Unimed no dia 13 de abril, oito anos depois da sua última visita ao Brasil, como parte da Latin America Detox Tour 2025. Até lá, por que não assistir ou reassistir o ONE OK ROCK: Flip a Coin na Netflix, e, quem sabe, aplaudir mais uma vez essa impecável performance de dentro de sua casa?