INVentário e a Fresno mais livre do que nunca
Projeto mostrou grupo sem amarras ditadas por algoritmos, gêneros musicais ou sonoridades pré-estabelecidas
“Temos umas coisas para mostrar para vocês”, revelou a Fresno na primeira menção ao projeto INVentário, em agosto. Um convite tão íntimo quanto sentar-se ao lado de alguém que abre um álbum de fotografias antigas, a banda há 22 anos em atividade teve um ato tão significativo quanto, como se abrisse uma caixa de lembranças esquecida no fundo do armário e dando vigor a composições, demos e sonoridades guardadas há muito tempo.
A verdade é que não há muito o que entender por aqui — quando se procura conceito demais por trás das coisas, dificilmente prestamos atenção no principal objetivo delas. A Fresno nunca quis ser misteriosa quando se tratava do INVentário, e talvez seja esse aspecto que tornou o projeto o seu mais ousado até agora.
Num trabalho que transborda e derrama a identidade da banda de ponta a ponta, INVentário é repleto de essência. A mixtape (ou playlist, ou apenas um “amontoado de músicas”) propõe uma experiência que ressoa como uma viagem dentro de uma cápsula do tempo, mas que não necessariamente transporta seus passageiros apenas para o passado.
Liberada de surpresa (assim como todas as outras, mas essa em específico menos esperada que as demais faixas), INV001 mostrou uma Fresno abrindo as portas do projeto com uma pedrada, propondo sem pedir licença uma reflexão dos sentimentos humanos on e offline. Arthur Mutanen (do Bullet Bane) e os produtores Chediak e Adieu trouxeram um tom novo para a faixa de uma banda sem receios de experimentar novas sonoridades e formatos.
Essas parcerias desdobraram-se ao longo de diversas faixas, algumas inclusive oferecendo feats muito esperados pelo público (como com os paulistanos do Terno Rei), e outros que os fãs não sabiam que precisavam — até agora, como o com a artista Jup do Bairro e os japoneses do MAGIC OF LiFE.
INVentário foi muito além de uma simples remexida em arquivos antigos. Ficou claro que o calor do momento de fazer coisas novas com a criatividade à solta (ou com o objetivo de “celebrar a doideira”, como Lucas Silveira descreveu para o Downstage) trouxe um calor e motivação para trazer muito mais para o projeto.
Em paralelo, o projeto foi um lar para o que antes eram resultados de uma autossabotagem de Lucas Silveira com o Visconde, que agora percebe que independente do formato, duração ou sonoridade, há canções que sempre foram Fresno em sua essência, mas agora graças ao INVentário isso enfim ficou mais claro.
Toda essa liberdade, conforto e uma paixão por fazer aquilo que gosta resultou no que o público acompanhou de agosto a outubro: um projeto que entrega ambição e despretensão na mesma medida, livre de amarras impostas por algoritmos do streaming ou qualquer outra consequência senão aproveitar a experiência única de se fazer e ouvir música.
Esse pensamento inclusive é o principal que torna sem sentido afirmar que esse baú repleto de memórias repaginadas e algumas completamente novas seja fechado tão cedo.
INVentário não é uma fase da Fresno e muito menos uma Era, um álbum ou qualquer outra denominação que implique tornar o projeto algo pontual na carreira da banda: é algo que vive; e assim como a vida por si só é tão efêmero, mutável e livre quanto.
Com isso, talvez a banda agora olhe para trás sem sentir um peso de deixar certas composições e sonoridades para sempre guardadas no fundo de uma gaveta. É um dos motivos pelo qual Eu Vou Ter Que Me Virar vem cheio de expectativas para uma Fresno sem correntes; permitindo a vontade de fazer arte ser o norte do que agora é um dos trabalhos mais esperados do ano na indústria musical nacional.