Putz mergulha em universo metafórico e cristalino em álbum de estreia
Disco homônimo chega a todas as plataformas digitais nesta sexta-feira
É numa mistura de caos, emoção e vontade de fazer acontecer que a Putz, banda de rock alternativo encabeçada por Gi Ferreira (vocais e guitarra) acompanhada por Cyro Sampaio (guitarra), Sarah C (baixo) e Antonio Fermentão (bateria), entrega seu álbum de estreia e talvez um dos melhores do ano. Pronto há dois anos e em stand by por conta da pandemia de covid-19, o disco homônimo chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (15), com onze faixas.
Cheio de metáforas e trazendo uma dualidade tanto emocional quanto sonora que alterna entre momentos de calmaria e explosão. “Esse lado é bem de dentro pra fora, como se tivesse que sair”, comenta Gi Ferreira sobre a abordagem do eu lírico, que se enxerga como uma bomba-relógio. Embora as composições sejam antigas quando vistas da data de lançamento do disco, a banda quase não mexeu no trabalho para disponibilizá-lo, adicionando apenas a faixa inicial à tracklist que já estava pronta.
“É engraçado”, comenta Cyro Sampaio durante o bate-papo exclusivo ao Downstage. “Por conta da pandemia, de fato os sentidos vão se misturando e as coisas vão ganhando mais significados, mas é um trabalho que a gente vem segurando há muito tempo. a gente não via sentido em lançar enquanto a gente tivesse enclausurado.”
São quase dois anos sem shows e eventos, e para um artista esse contato com o público é indispensável para fazer uma banda acontecer. A Putz surgiu em 2019 e logo entrou em estúdio para dar início à produção do primeiro álbum, que até agora contou com três singles lançados anteriormente a ele, o mais recente sendo o excelente quando saio de mim.
O Álbum
Putz entrega 11 faixas maduras, com instrumentais consistentes e que mostram exatamente onde o grupo quer chegar. Gi Ferreira nos leva para dentro de sua imensidão com a primeira faixa estrago, em que já mostra por onde boa parte das letras vão permear: a água.
O verso “eu vou deixar chover, eu vou nublar você”, acompanhado de instrumentais marcantes e um vocal suave dizem muito sobre o que vem pela frente. destrói e afogar são uma sequência de tirar o fôlego, com guitarra e baixo pesados e uma bateria muito presente, parece que você já está familiarizado com aquelas batidas, além de se prender na voz de Gi.
quando saio de mim tem um audiovisual incrível onde os integrantes da banda estão confinados em um mesmo ambiente e tocando a plenos pulmões a canção. Na sequência, temos as faixas monstro-nada e grave, que mostram elementos claros do stoner rock presentes no som do grupo, mantendo a qualidade e o ritmo que permeiam todo o álbum.
O single fantasma-solidão foi o primeiro lançado pela banda e também foi acompanhado de um clipe, com muita personalidade e cravando uma identidade visual para essa nova era de Gi, Sarah, Cyro e Antonio. A música em si carrega uma letra poderosa e que, assim como em toda a obra, fala sobre os mais profundos sentimentos presentes nesse emaranhado emocional que é o ser humano.
Logo em seguida, partimos para a faixa temporal, a surpresa mais agradável de todo o trabalho, onde podemos ver o ápice do instrumental, com solos de guitarra e o vocal da Giovanna muito bem aproveitado entre as batidas.
Chegando ao final, temos as três últimas faixas que fazem jus a um fim de ciclo coeso. mergulhar e naquela manhã parecem ser mais calmas, as melodias e os vocais suaves capaz de envolverem o público num abraço, mas os instrumentos pesados te embalam em uma pista dançante.
Apesar de letras profundas, o disco de forma geral é muito enérgico. E para fechar com chave de ouro, o rio é a música perfeita para finalizar o Putz, batidas animadas, variando entre os vocais agudos e suaves da Gi Ferreira e mostrando toda a capacidade da banda com instrumentos fortes e muito presentes por toda a canção.
A água e a abordagem metafórica de Gi Ferreira
O elemento da natureza mais efêmero que existe é utilizado de forma poética e cristalina por Gi Ferreira não só nas composições de Putz, como também na vivência e na rotina da vocalista. Isso é nítido durante todo o bate-papo, em que a cantora refere-se a sua vida, atitudes e emoções trazendo diferentes estados físicos da água como referência.
Isso explica muito a abordagem emocional da Putz no disco e o quão importante ele é para Gi Ferreira desabrochar como artista e vocalista. “Eu precisei ir contra a correnteza pra isso sair de mim”, refere-se ao trabalho. “Ou melhor: precisei criar um desvio pro rio correr pro lado certo.”
Ao longo do papo, Gi relembra da primeira vez que subiu no palco pela Putz, e como na verdade todas as memórias daquela noite parecem um borrão em sua mente agora. “É preciso coragem pra se expor. Quando subi no palco a primeira vez não foi aquilo que todos me diziam [nota da autora: com Cyro concordando ao lado de Gi que a primeira apresentação foi muito boa]. Eu nunca tinha experimentado estar tão vulnerável, nunca havia me submetido a uma situação tão suscetível a erros, justamente pela falta de experiência.”
“Eu gosto de ter controle sob as coisas e acho que talvez seja por isso que falo tanto sobre água e uso muito ela como metáfora nas minhas composições”, reflete. “O rio, o temporal, o mergulhar, o afogar, o mar… é tudo imensidão, é muito maior do que eu. É tanto que não cabe. É algo que escorre pelas mãos… acho que me descobri um pouco aficcionada por essa grandeza. A gente é grão perto do mar, do céu, do universo. Saber-se pequena, miúda: dói. mas é também libertador. Acho que no momento, eu me encontro ainda no meio (ou início) desse processo que é se libertar e deixar o fluxo do rio levar… mas pelo menos posso dizer que já molhei os pés.”
Cyro Sampaio também entra na reflexão: “a água consegue representar muitos sentimentos por sua liquidez”, comenta. “Acho que é o lance de um mar, do quão grande, do quanto você tá livre e do quão também pode estar preso.”
Essa metáfora idealizada totalmente sem querer transborda do coração de Gi Ferreira e derrama para os versos e toda a identidade visual do trabalho. A capa de Putz é um quadro antigo da artista, “uma tentativa de algo que não deu certo”, como ela mesma descreve. “Pra tentar corrigir, eu passei camadas grossas cheias de tinta (e raiva) por cima. Demorei bastante pra gostar desse quadro, acho que justamente por isso: olhava pra ele e não via o que ele é agora, via só o erro através daquele olho, como se me dissesse: eu ainda estou aqui! E de fato, ele está lá!”, reflete, enquanto ela e Cyro olham para as paredes cheias de quadros assinados por Gi Ferreira.
“Para escolher a capa foi isso, você foi olhando para as paredes”, comentou Cyro. “Sim. Parece que tem uma casca nele: um olho realista e o resto é um borrão. A pessoa existe, tem alguém ali dentro no meio do caos por fora”, responde a vocalista.
“Como tudo que acontece na vida, não tem como apagar, mas tem como transformar, reinventar. E acho que esse quadro é isso, e eu sou isso”, complementa. “Já fiz as pazes com ele. E a prova disso foi colocá-lo como capa do nosso primeiro álbum.
É dentro de tantos detalhes de instrospecção que Putz torna-se um álbum íntimo, em que o ouvinte precisa de permissão para adentrar um mundo tão cheio de detalhes e emoções — quase como entrar na gaveta de Gi Ferreira, lugar onde ela sempre guardou suas músicas escritas.
Se lançar numa pandemia
Embora tenham surgido em 2019, a pandemia de COVID-19 cortou a Putz praticamente pela raíz no início de 2020. O grupo já estava na estrada com alguns shows e chegou a fazer uma turnê pelo sul do país, mas foi logo enquanto gravavam o primeiro disco e dividiam palcos com outros artistas que o isolamento social bateu à porta.
“Eu desanimei demais”, comenta Gi. “Porque eu tava sentindo que eu tava conseguindo fazer alguma coisa rolar artisticamente e aí a pandemia cortou o negócio todo, praticamente. Foi um baque pra todo mundo. eu fiquei bem mal.”
“Num primeiro momento a gente foi nadando junto com a maré”, relembrou Cyro, também referindo-se a colocar o disco em stand by esperando o mundo voltar à normalidade. “O ponto de virada pra gente foi quando compramos uma plaquinha de som e começamos a finalizar o disco dentro de casa mesmo, começamos a gravar e ficou irado. tudo certo.”
“Pensamos: ‘dá pra continuar fazendo algo e não deixar os planos morrerem. dá pra construir algo’, e conseguimos finalizar o disco, o que foi uma grande vitória pra gente”, comenta o guitarrista.
Lançar Putz agora não é motivado necessariamente pela possibilidade dos shows voltarem no fim do ano e início de 2022, mas sim por soltar no mundo algo que estava guardado há muito tempo apenas esperando para ver a luz do dia. “Me sinto uma pessoa que muda muito, o tempo todo eu tô mudando… então eu queria lançar enquanto fizesse sentido”, comenta Gi.
“O disco é muito mais uma realização da banda do que de fato uma tentativa de chegar a algum lugar”, complementa Cyro. “Claro que a gente quer ter sucesso em tudo o que a gente faz, mas esse lançamento em si não tem outra intenção a não ser desafogar essas músicas que estão prontas há muito mais do que dois anos.”
Os dois lados de Cyro Sampaio: Putz e menores atos
Conhecido por seu trabalho no menores atos, Cyro Sampaio consegue ver os projetos com olhares muito diferentes, mas sobretudo olhar com orgulho e admiração para Gi Ferreira, com quem divide as guitarras. “Tento contribuir para que as músicas cresçam de certa forma, criar a vibe [na Putz]”, explica. “Eu me expresso muito mais pelo menores atos, é completamente diferente apesar de ser o mesmo carinho e mesmo amor pelas duas.”
“É um tipo de relação tanto pra banda quanto pessoalmente”, refere-se ao relacionamento com Gi tanto pessoal quanto como companheiro de banda. “Acho que aproxima muito e cria um entrosamento ainda maior. Pra mim é muito prazeroso estar lá ouvindo ela cantar, eu me envolvo muito com a letra, e quando você se identifica é exatamente por aí.”
Tão presentes no trabalho um do outro, Gi e Cyro não descartam um possível feat entre Putz e menores atos: “Vai rolar com certeza. é diferente. O feat já acontece todo dia de qualquer forma [risos].”