“Estamos praticando porque somos ruins.”

Com essa frase sincera e debochada, Pierre Bouvier abre, de forma cativante, o documentário The Kids In The Crowd. Gravado em 2002 no porão da casa de Chuck Comeau, esse vídeo amador logo dá lugar a imagens vibrantes do presente, mostrando a banda em São Paulo, onde os fãs brasileiros — mais uma vez — fazem jus à fama de mais apaixonados do mundo. Mas essa passagem do tempo não é só estética: ela é o fio condutor de uma narrativa construída com cuidado, que entre idas e vindas temporais, entrega emoção e apresenta uma proximidade rara entre artista e público.

Sim, é uma história sobre música. Mas também é sobre amizade, sobre superação, sobre não se sentir suficiente — e ainda assim continuar tentando.

Ao longo do documentário, cada integrante da banda compartilha sua trajetória pessoal e profissional. Chuck, o baterista — e talvez mais dedicado e disciplinado membro da banda — lembra de quando seu pai dizia que aquilo tudo era só uma fase, enquanto ele ensaiava com amigos de colegial no que viria a se tornar a banda Reset, que, aos 18 anos, já fazia turnê com o MXPX. Uma dessas lembranças envolve uma conversa entre Pierre e o guitarrista da antiga banda, “acidentalmente” ouvida por Chuck, sobre tirarem-no da banda — coisa que ele mesmo faz após esse incidente. Corta para anos depois, em 1999, onde Chuck e Jeff Stinco (guitarra solo) começam a tocar juntos e com o tempo falam sobre formar uma nova banda. Convidam então o jovem Sébastien Lefebvre, mas depois de muitas tentativas com diferentes vocalistas, Chuck vê que só existe uma alternativa e, engolindo o próprio ego após dois anos sem contato, toma uma decisão que mudaria tudo: chama Pierre e o convida para complementar a nova formação. Nasce o Simple Plan, e com ela a primeira música: “I’d Do Anything”. O resto virou história — e agora, documentário.

O filme mergulha nos dilemas da banda ao longo dos anos: desde as dificuldades para gravar o primeiro álbum, até o apoio inestimável de Mark Hoppus (Blink-182), que ajudou na música e clipe de “I’d Do Anything”. Também não esconde os momentos de insegurança — como a sensação de não serem “punk o suficiente” ou o trauma de serem hostilizados na Warped Tour. O sentimento de impostor é um fantasma que acompanhou os integrantes, especialmente no começo, quando o som mais pop os fazia se sentir deslocados principalmente dentro da cena punk californiana.

Mas foi exatamente essa “impureza” que permitiu que eles tocassem o coração de milhares de jovens que, assim como eles, se sentiam fora do lugar. The Kids In The Crowd deixa isso claro: a música sempre foi refúgio para os integrantes — e também para os fãs. “Nos sentimos como vocês”, diz um deles, em determinado momento. E isso não é só discurso bonito: está em cada letra, em cada show, em cada abraço dado nas imensas filas e nos meet & greet.

A relação com os fãs, aliás, é um dos grandes trunfos do documentário. A criação da Simple Plan Foundation — inspirada pelas cartas que o pai de Chuck leu e o impactaram profundamente — e músicas como “This Song Saved My Life”, escritas com ajuda dos próprios fãs, mostram um elo raro e verdadeiro. Mesmo nos piores momentos — como em 2020, quando o baixista David Desrosiers deixa a banda após alegações de má conduta — a transparência e o respeito ao público permanecem.

Entre tantas lembranças, há também choros sinceros ao lembrar do impacto de hits como “Perfect” e “Welcome To My Life”, a explosão com “I’m Just a Kid” também na era do Tik Tok, os clipes na MTV, a TRL, a presença e parceria de Avril Lavigne e os dias de ouro dos anos 2000. Mas o documentário não vive só de passado. Ele celebra o agora. A sobrevivência. O reencontro. E a certeza de que, mesmo depois de tudo, o Simple Plan continua sendo a trilha sonora de quem nunca se sentiu parte de lugar nenhum — mas encontrou, na música, um lar.

O documentário The Kids In The Crowd estreia amanhã, dia 08 de julho, no Amazon Prime Video.