Hot Mulligan e a importância de guardar (e assistir) os momentos da vida

Em conversa com o Downstage, Chris Freeman fala sobre o último disco, Why Would I Watch, e os tão esperados shows no Brasil

Arte: Tay Vianna

Durante uma década de atividade, Hot Mulligan conquistou os corações dos entusiastas do midwest emo e do post-hardcore com suas composições tocantes e ritmos envolventes. 

Mas já foi logo lá no início que Michigan e o porão da casa dos pais de Chris Freeman se tornaram muito pequenos para uma banda tão grande. E, quando falamos de grandeza, não necessariamente significa milhões de ouvintes mensais e tocar em todas as rádios ao redor do mundo. 

Grandeza também é quando, em pouco tempo, o Hot Mulligan criou uma comunidade extraordinária de fãs apaixonados e engajados que os trouxeram até aqui: quatro álbuns excelentes em seu repertório e uma turnê pela América Latina — o sonho de qualquer banda que ama o que faz.

O Downstage teve a oportunidade de conversar com Chris, guitarrista e segundo vocal do grupo, que contou detalhes sobre o processo de produção do último álbum, Why Would I Watch (2023), a participação na cena underground e o que o público brasileiro pode esperar dos tão antecipados shows. (Spoiler: excreções corporais podem estar indiretamente envolvidas). 

O CRESCIMENTO PESSOAL (OU A FALTA DELE) DE YOU’LL BE FINE ATÉ WHY WOULD I WATCH

Foto: Kay Dargen

Uma das maiores características e qualidades do Hot Mulligan é a capacidade que a banda tem de escrever músicas que os fãs não apenas se emocionam, mas também se identificam. É uma habilidade muito especial quando um grupo escreve um disco tão pessoal e profundo dentro de sua própria realidade e, ao mesmo tempo, consegue repercutir suas composições na realidade de quem escuta.

Esse sentimento se intensificou com o Pilot (2018) e se consolidou com you’ll be fine (2020), álbum que impulsionou o sucesso da banda. Foi durante esse momento que os integrantes saíram de seus empregos e viajaram país afora para divulgar seu trabalho — e foi durante esse momento, também, que a pandemia mudou o mundo inteiro. 

Foto: Kay Dargen

“Nós tínhamos acabado de entrar no ritmo das turnês e fazer música como trabalho integral, e o isolamento social aconteceu”, conta Chris. “Nós não conseguimos fazer nada para divulgar o you’ll be fine, e o distanciamento durante o Covid-19 moldou nossas vidas. Então, nós passamos por esse crescimento pessoal — ou pela falta dele.”

O guitarrista revelou que, quando finalmente conseguiram sair em turnê para o disco, e também para o EP I Won’t Reach Out To You (2021) lançado durante a pandemia, foi uma experiência igualmente incrível e difícil. A banda pulava de cidade a cidade durante um ano inteiro e foi durante essa experiência que nasceu Why Would I Watch, o último lançamento do Hot Mulligan.  

“Estávamos muito longe de casa. Escrevemos o disco inteiro longe de casa. Era turnê e estúdio, e passamos esse tempo crescendo — ou não crescendo também”, reflete o guitarrista. “Nós íamos pro estúdio em New Jersey, gravávamos um pouco do álbum e voltávamos para a turnê na Europa, e isso foi acontecendo durante um ano inteiro.”

É possível notar um pouco dessa dinâmica dentro do próprio disco. “This Song is Called it’s Called What’s it Calledé melódica em ritmo e composição, e faz um aceno às experiências da banda. Quando mencionamos a faixa na entrevista, Chris complementa: “E não é específico apenas às turnês. É sobre estar com seus 20, 27, 30 anos. Muito do que lidamos não é exclusivo a nós e às turnês, mas elas amplificam esses sentimentos às vezes, quando não temos muito descanso ou um lugar para chamar de casa”.   

An old van, a farmer’s tan, a venue
I don’t know where my wallet is
Crossing roads where the city ends
I don’t know

Why Would I Watch mantém a assinatura artística do Hot Mulligan — tanto nos títulos aleatórios das músicas quanto nas letras emocionantes — mas também traz uma sonoridade diferente, apresentando músicas com composições pesadas e sentimentais sendo embaladas por ritmos energéticos e envolventes. 

“A raiva e a tristeza vem tudo do Tade [vocalista principal] cantando sobre problemas reais para ele. A música nós planejamos.” Chris explica ao ser perguntado sobre o processo criativo por trás do contraste entre ritmo e letra do disco. “Trabalhamos aquelas afinações de guitarra do midwest emo que trazem aquele som brilhante e feliz dependendo de como você toca. Usamos muitos sintetizadores e combinamos alguns elementos pop com o midwest emo e o pop punk. E é isso que você recebe com o Why Would I Watch”. 

Foto: Kay Dargen

Outro ponto interessante sobre o disco, e uma curiosidade entre os fãs, é a similaridade dos riffs de guitarra do single de 2022,Drink Milk and Run”, e a faixa “And I Smoke”. O mistério foi esclarecido pelo guitarrista para o Downstage

“Nós não tentamos fazer uma parte dois de ‘Drink Milk and Run’, mas queríamos explorar o som. Nós quisemos explorar a sonoridade dançante do indie punk dos anos 2010 que vemos em Two Door Cinema Club ou Bloc Party — bandas que nos inspiramos para essas músicas. Foi bom percebermos que poderíamos trabalhar esse tipo de som quando lançamos ‘Drink Milk and Run’. Recebemos uma boa resposta dos fãs e isso desbloqueou algo em nós. Então decidimos fazer parecido no disco”.

COMING TO BRAZIL: A TÃO ESPERADA TURNÊ LATINO-AMERICANA

“Eu estou muito animado. Não sei o que esperar. Vocês falam português, certo?”. Foi a resposta do Chris quando perguntamos como ele se sentia finalmente pisando em terras brasileiras após tantos insistentes comentários de “Come to Brazil”. 

Divulgação: Solid Music Entertainment

E, para quem não acredita no poder dos fãs, a turnê pela América Latina foi uma resposta direta a tantos pedidos. “Faz um ano que vejo muitos tweets em português, quase na mesma quantidade dos em inglês. Então nós falamos para nossa gravadora: ‘precisamos ir ao Brasil. Não são só pedidos para visitarmos o país, são vários comentários em português. Não sabemos o que estão falando, mas precisamos ir’”. 

O poder da plateia brasileira não é desconhecido para o Hot Mulligan — e essa experiência foi compartilhada por, ninguém mais ninguém menos, Pat Miranda, da banda Movements. “Meu amigo Pat acabou de fazer um show aí e ele disse para nós: ‘vocês vão AMAR o Brasil’”.  

A banda vai passar por Curitiba e São Paulo em casas tradicionais da cena underground de ambas as cidades. Na capital paranaense, o grupo tocará no Basement Cultural, conhecido por abrir portas para artistas e bandas independentes da cidade. E, em São Paulo, no Hangar 110, igualmente importante para os amantes da música alternativa. Para Chris, fazer parte desse movimento é algo que desejam continuar sempre fazendo. 

“É incrível fazer parte disso. Todos nós da banda tivemos essas aspirações. Começar localmente, tocar na casa de shows local, aquelas que nós assistimos as bandas que passavam pela nossa cidade natal. E aí evoluir para a cidade seguinte, ou aquele lugar em Chicago que nós já ouvimos falar”, o guitarrista discorre. “Por um momento eu achei que nós já tínhamos passado por todos eles, até começarmos a tocar internacionalmente e aprender a história dos lugares e quais outras bandas tocaram ali. É incrível visitar uma cidade pela primeira vez e tocar nos clubes punk. Foi o que fizemos nos Estados Unidos e o que queremos continuar fazendo – fazer parte disso tudo.”

Foto: Kay Dargen

Para aumentar ainda mais a ansiedade de todos os fãs, perguntamos o que podemos esperar dos shows e pedimos um spoiler da setlist. Para os shows, o guitarrista prometeu entretenimento misturado com a música: “vocês podem esperar brincadeiras sobre como estamos confusos e não entendemos nada do que vocês estão falando. Algumas piadas sobre xixi e pum e, se tiver espaço, uma roda de mosh”. 

Sobre a setlist, Chris garante que irão tocar músicas de todos os álbuns — talvez deixando de lado, dessa vez, trabalhos muito iniciais da banda. Ele conta que estão animados para tocar os trabalhos mais recentes — Why Would I Watch e os singles do Warmer Weather

“Estão aceitando pedidos de música?”, perguntamos. “Se vocês sugerirem algo agora, posso sugerir para os meninos”, Chris respondeu. Aproveitando a abertura, as sugestões da Bia foram “All You Wanted By Michelle Branch” e “Green Squirrel In A Pretty Bad Shape”. A Mari sugeriu um mashup de “Drink Milk And Run” e “And I Smoke”, mas Chris disse que seria difícil de fazer acontecer, então o pedido final foi apenas “And I Smoke”. 

Em troca, Chris pediu para Bia, que tocará um DJ set antes de ambos os shows, qualquer música do primeiro disco do Panic At The Disco!. Seu pedido é uma ordem, Chris. 

DE GERAÇÃO A GERAÇÃO: A HISTÓRIA DA HOT MULLIGAN SENDO CONSTRUÍDA

Foto: Kay Dargen

Um dos últimos lançamentos da banda foi um cover de “Cinco De Mayo Shit Show” junto de Ben Quad. A banda Marietta, da música original, estava ativa e consolidada na cena na época em que Hot Mulligan foi criado. Chris conta que eles não se sentiam conectados à bandas como essas, que já estavam no auge da carreira, por ainda se encontrarem tão no início.  

E, quando estavam finalmente prontos para tocar shows e fazer acontecer, essas bandas já haviam rompido, e o grupo se sentiu à deriva até que bandas novas como Camp Trash, Saturdays at Your Place e Ben Quad chegaram. Chris confessa: 

“Eu nunca imaginei que eu faria parte da música dessa maneira, conectada de geração para geração. Saber que cada um de nós da banda faz parte disso de alguma forma é muito legal”

O grupo, cada vez mais, constrói seu legado na cena alternativa cidade por cidade, país por país e geração a geração. Encantando novos ouvintes e tornando-os fãs, solidificando o carinho de quem já é apaixonado por suas músicas e, agora, tocando em palcos de lugares que muitas bandas sonham em conhecer. 

Nós apenas esperamos que a experiência da banda no Brasil seja digna de uma música incrível com um título que não faz sentido algum — do jeito que só Hot Mulligan sabe fazer. 


Serviço: 

Hot Mulligan em Curitiba

Data: 21/03/2025

Local: Basement Cultural

Endereço: R. Des. Benvindo Valente, 260 – São Francisco

Horário: 19h

Ingressos ainda disponíveis na 101 Tickets

Hot Mulligan em São Paulo

Data: 22/03/2025

Local: Hangar 110

Endereço: R. Rodolfo Miranda, 110 – Bom Retiro

Horário: 18h

Ingressos esgotados.