Florença: a essência mais pura da amizade

Agora com uma formação diferente, ex-Rise traz um som mais pesado e experimental para a nova fase da banda

Arte: Carol Moraes / Downstage

O ano é 2011. O Brasil se vê diante de um boom do happy rock e da cena emocore que agora ganhava cada vez mais notoriedade na MTV com muitos nomes vindo diretamente de uma região específica do Estado de São Paulo: o ABC Paulista. Junto ao movimento que colocou São Bernardo do Campo no mapa, por conta do espaço LUX ou o sucesso da December, outras bandas também formavam-se ali e sustentavam ainda mais o que hoje fica como história para a cidade — embora lembrada com muito carinho.

Entre esses nomes, estava a Rise, cuja sonoridade flertava um pouquinho mais com o pop, mas que conquistou um número significativo de fãs por hits como Perfeita e A Mais Linda das Mulheres. Durando até 2014, a banda era formada por Murillo Eloy e Yuri Scansani na voz, Diego Geraldini e Otávio Simonato nas guitarras, Pedro Spina nos sintetizadores e Jonathan Pinheiro na bateria.

Da esquerda para direita: Pedro Spina, Diego Geraldini, Yuri Scansani, Nicolas Malheiro e Otávio Simonato (Foto: Pedro Spina)

No entanto, passou-se o tempo que o grupo contentou-se em olhar para a música com o sentimento de história. Com o período de isolamento fazendo com que cada um dos músicos olhasse um pouco mais para dentro de si e sobretudo de suas memórias, a antiga formação, agora batizada com o nome Florença, viu-se abrindo a gaveta de composições esquecidas e dando vida a uma sonoridade mais madura, experimental e pesada.

“Na época a gente queria fazer um som bem popular, foi assim que surgiu a Rise“, relembra Diego Geraldini em entrevista exclusiva ao Downstage. “A partir dali a gente começou a ter uma noção real do que era uma banda: fazer shows, ensaiar, lidar com equipamentos, estúdios, ter as primeiras experiências de gravação… a Rise foi a nossa escola como músicos e compositores.”

“O que foi muito importante da Rise é que ela trouxe a vivência pra gente dentro da cena”, relembra o vocalista Yuri. “Conhecemos muita gente, tocamos com muitas bandas que existiam na época, conseguimos vivenciar todos os ambientes que uma banda vivenciaria. Mas tivemos que encerrar as atividades em 2014 porque ‘a vida cobrou’: todo mundo começou a fazer faculdade ou começou a namorar… e aí a banda foi deixando de ser uma prioridade naturalmente.”

O passar dos anos dentro da sonoridade

Hoje Florença, mas anteriormente conhecida como Rise, já teve seu lugarzinho dentro de uma extinta cena de post-hardcore que circulava pelas casas de shows aqui no Brasil, sobretudo em São Paulo. Bandas como December, que fez um barulho na época, faziam parte desse movimento que ainda tem seus sobreviventes. Naquela época tudo girava em torno do que era consumido de fora, adaptando-se para as linhas BR, fazendo com que a sonoridade soasse parecida, porém única com o toque que as bandas daqui sempre davam para as músicas.

Banda Rise, entre 2011 e 2013 (Foto: Nicole Zabukas)

Nesse quesito, após deixar de lado o caminho mais ‘comercial’ da coisa, a banda ainda com o nome de Rise, lança seu único single, até então, presente no Spotify, a enérgica O.Q.V.N.V.N.V.D.MTV. “A gente já tinha ideia de mudar um pouco nosso som dentro da Rise, nós sempre gostamos de rock e hardcore e queríamos buscar um público mais underground, que tivesse a nossa essência e curtisse o que a gente gostava de ouvir”, comenta Diego.

Isso tudo rolou em 2014. Sete anos depois, a banda solidifica o nome Florença e trabalha dentro do segmento “fazemos o que gostamos e queremos fazer”, atrelando sempre o nostálgico que os moldou como músicos, mas trabalhando com o que tem de atual no quesito composição e métrica. Prova disso é o EP T.H.E.V.A.D.S.C, ou para os mais íntimos, Toda História É Vivida Antes De Ser Contada, onde o quinteto transborda sentimento e entrega dentro de quatro sons, que vão desde o peso, até uma melodia/harmonia que destoa perfeitamente de tudo, mas que faz sentido e deixa o trabalho ainda mais bonito. Se traçarmos um paralelo entre 2014 e 2021, é nítido que a essência nascida naquele momento ainda se faz presente no cotidiano dos membros originais da banda, que prontamente passaram para os demais, tornando a experiência adquirida ao ouvir esta nova fase, única a extremamente intensa.

Ainda traçando este paralelo entre o passado e o presente, três sons que estão presentes neste novo EP, são composições daquela época, onde a banda acabou por seguir um rumo diferente, deixando o cotidiano vencer. Sendo assim, Fragmentos, Princípios e Molduras coexistiam dentre uma única música, desmembrada para se tornar uma trilogia que caminha no sentido de uma verdadeira narrativa, tanto instrumentalmente falando, como liricamente também. “Pra escrever uma letra, nós entramos em vários alter-egos, mas o legal é que a essência a gente consegue manter. Nós vamos conseguir falar de uma coisa, mas vai ser sempre cheio de metáforas”, ressalta Yuri.

Mas como tudo aconteceu, afinal de contas?

Otávio e Diego foram arremessados para o passado a partir do momento em que Filipe Coelho, produtor musical do Coelhos Studio, em São Bernardo do Campo, convidou a dupla para participar da gravação de uma faixa sertaneja, de outro cliente. De repente, todos os papos hipotéticos sobre entrar em estúdio novamente ganharam vida e fervor dentro do coração de cada um, e a partir dali não havia mais jeito: renascia a Florença.

“Foi a primeira experiência que a gente teve desde 2014”, relembra Diego. “A partir daí a gente se reuniu pra fazer um ensaio; não tinha porquê não gravar. Então fizemos essa parceria com o Coelhos Studio, virou nossa casa. E tudo o que a gente faz lá é o ambiente certo pra aflorar as ideias.”

Hoje, Florença é: Yuri Scansani nos vocais limpos; Pedro Spina no screamo; Diego Geraldini e Otavio Batistioli nas guitarras e Nicolas Malheiro no baixo. Até o momento, a banda não possui um baterista.

As músicas já existiam faz tempo, e é por isso que carregam tanto a atmosfera de 2014. “A trilogia é um projeto só, e Princípios não tinha letra”, adiciona Yuri. “O Diego me propôs o desafio de escrevê-la, isso me fez entrar no eu lírico dele, foi algo muito legal, tanto é que o começo tem referências à faixa anterior e no fim já puxa pra próxima, a experiência pra mim foi muito gratificante.”

“Esse EP vai ser uma reintrodução da Florença“, revela Diego. “Essas músicas novas é o que vai trazer a essência da banda atual. Fizemos um rearranjamento das músicas — elas tinham muito da raíz de 2014 e, agora, a gente pretende trazer tudo de mais moderno que a gente tá ouvindo e o que representa a Florença para nós hoje.”

Florença e a pandemia de COVID-19

“Pra gente foi uma âncora em toda a turbulência que a gente tava vivendo”, relembra o vocalista. “Estávamos vivendo muita coisa, paramos de trabalhar e até estávamos meio afastados um do outro antes de ir pro estúdio. A gravação do EP foi um desafio, mas foi uma salvação da nossa relação.”

(Foto: Pedro Spina)

No fim das contas, as músicas acabaram sendo um reflexo dessa reaproximação dos integrantes entre si. “Foi muito bom porque esse processo foi um catalisador mesmo, pra nos reaproximar”, complementa Diego.

O EP

Sem mais delongas, a equipe do Downstage teve acesso ao novo EP da Florença, e o resultado da audição vocês conferem logo a seguir:

Como já destacado, o EP conversa muito com o que a banda era, e o que ela é atualmente, brindando elementos passados, e bebendo de várias fontes atuais. Com quatro faixas, o EP tem tudo para ser destaque logo após o seu lançamento, visto que é o retorno do quinteto para o streaming e, futuramente, para os palcos.

A capa de T.H.E.V.A.D.S.C (Arte: Diego Geraldini)

O EP abre com a poderosa Fragmentos, já mostrando de cara o potencial dos vocais de Yuri, dançando entre notas e variáveis, mostrando que é sempre possível retornar com estilo. Falando de quesitos instrumentais dentro dessa primeira track, é nítido o entrelaço de referências dentro da banda, encontrando elementos de djent, prog metal, post-hardcore e até um pouco de mathcore nas linhas, além, claro, de um bom e muito bem feito screamo, que coloca a cereja nessa primeira faixa.

Com uma bela introdução seguida de um potente pedal duplo, Princípio trabalha na estética do que podemos chamar de new core, mesclando muitos elementos que tornam o som único. Um ponto forte não só desta, mas muito gritante nesta faixa, é o lírico que conversa diretamente com o íntimo, fazendo a banda soar ainda mais intimista. Vale também destacar as variáveis dentro do som, que mostram a extensão criativa da banda.

Muito bem produzida e arranjada, Molduras caminha mais para o âmago do ser, seja dentro do lírico, como do som, que entra diretamente no ser de quem ouve. Algo que faltava de fato até então, era um momento de respiro emocional dentro das músicas, e na Molduras isso é facilmente adquirido com o coro que abrilhanta a segunda metade do som, criativo e cirúrgico, por assim dizer.

(Arte: Diego Geraldini)

Fechando o EP, temos a nostálgica Holofote, que nos transporta diretamente para os anos oitenta, seja no quesito ambiência, como no instrumental dançando de rosto colado com elementos do new wave, ponto positivo principalmente pela surpresa. Não citado ainda, mas necessário de ser ressaltado, são as linhas de cordas e percussão dentro do EP, todas muito bem trabalhadas e coesas, sempre conversando entre si, fazendo o trabalho iniciar e terminar com aquele gostinho de quero mais.

É só o começo, a criatividade da Florença é intangível. Há quem diga que ressuscitar um projeto em meio a pandemia é loucura, mas acreditem, neste caso, é uma necessidade que nem nós sabíamos que precisávamos.

Próximos Passos

Com o último single marcado para lançar logo na primeira semana de janeiro, a Florença revela ao público a primeira faixa do novo projeto (e, consequentemente, da nova fase da banda) na próxima terça-feira, 16 de novembro. Junto ao EP T.H.E.V.A.D.S.C, a banda possui projetos audiovisuais e até mesmo versões instrumentais e acústicas para serem disponibilizadas nas plataformas de streaming. “Todas as formas de desdobrar essas músicas a gente tá pensando em entregar pra vocês”, brinca Diego.

(Foto: Pedro Spina)

No entanto, para 2022 a banda já adianta que não pretende parar: a pré-produção do primeiro álbum da Florença está finalizada, apenas aguardando as faixas do EP verem a luz do dia para o grupo voltar ao estúdio. “O que vocês podem saber é que tá um absurdo”, revela Yuri. “É muita influência de toda parte, as músicas entre si são bem diferentes, mas ainda assim é um trabalho bem homogêneo: a gente tá falando a mesma língua.”

Junto ao trabalho, um clipe e um single também podem ser aguardados, antecipando o lançamento. Mas é claro que não para por aí: o ano que vem também reserva Florença em cima dos palcos, então não deixe de acompanhar a banda nas redes sociais e o Downstage para não perder nada dessa nova banda.