Lúmen: o menores atos na cidade da ‘Vitamina D de farmácia’

Novo EP teve impacto direto da mudança dos integrantes para São Paulo

Arte: Bruna Loures / Downstage

São Paulo já foi tema de diversas obras artísticas. Na cena, o exemplo mais recente e popular é a banda paulistana Terno Rei, cuja abordagem urbana e cosmopolita consegue trazer muito bem a atmosfera da cidade que nunca dorme e os demais elementos que fazem parte de seu cotidiano: a correria, o trânsito caótico e a “gentil hostilidade”, como a própria banda descreve em São Paulo, faixa de seu mais recente disco, Violeta.

No entanto, o que pouco se aborda é justamente o choque de realidade para alguém que, de um dia para o outro, tem a selva de pedra ao seu redor, diariamente. Quando Cyro Sampaio (guitarra/voz), Ricardo Mello (bateria) e Celso Lehnemann (baixo) trocaram um Rio de Janeiro ensolarado para a chuvosa São Paulo, jamais imaginariam que entre todas as mudanças que impactariam a abordagem lírica do menores atos, o clima seria a principal delas.

(Imagem: Divulgação / menores atos)

Essa discrepância de abordagem é nítida em Breu, single que a banda divide com os fãs nesta sexta-feira (12) e que dá o pontapé inicial na série de lançamentos que completarão a tracklist do EP Lúmen. “Quintal de casa, varanda, janela / Sem sol, sem nada / Em cada universo, um breu”, relata a canção, em que o vocalista viaja pelos únicos três versos da letra em diferentes entonações e sonoridades.

Apesar de curta, Breu carrega um profundo significado e marca muito o momento em que o menores atos trocou o sol pela chuva. “Eu lembro da motivação: eu olhando pela janela e o tempo sempre fechando”, revela Cyro durante entrevista exclusiva para o Downstage. “A gente tem uma relação diferente com o sol em São Paulo; ficamos felizes quando ele abre, dá vontade de ir para a rua.”

“Essa música era um dia que não tava sol, ou tava sol e o clima fechou”, relembra o vocalista, cuja abordagem nas composições é muito característica pela subjetividade e uso de metáforas. “Lembro do pessoal fechando a janela, recolhendo roupa…”

(Imagem: Divulgação / menores atos)

Embora muitos artistas tenham abordado os impactos da pandemia de covid-19 em suas composições realizadas em 2020 e 2021, essa nova fase do menores atos fica marcada justamente pela mudança do tempo e pela atmosfera urbana que engoliu a banda nessa mudança desde o fim de 2018. Para Ricardo, por exemplo, a discrepância climática não afetou somente as letras das novas canções como também os arranjos da bateria, em que o músico descreve como “mais frio.”

“Tem muita coisa que eu quando tava fazendo queria que soasse mais frio”, relata. “Tem muita virada, algumas coisas com o Celso o tempo inteiro… Com a ausência do sol. a vitamina D não faz parte das nossas vidas.”

Celso brinca com o comentário do colega de banda: “geração Vitamina D de farmácia [risos].”

“Não só essa como outras músicas do Lúmen ganharam mais sentido por conta dessa nova realidade”, refere-se Cyro ao período do isolamento social, que acabou amplificando tudo o que já estava escrito nas novas faixas. “Mas a motivação foi meio que essa, como observador. tentando me entender em outro local, em outro clima, com outras sensações e olhando muito para dentro, pra esse breu interior, tanto pessoal quanto para as pessoas ao redor.”

(Imagem: Divulgação / menores atos)

Quando questionados sobre a diferença desse EP para os demais trabalhos que compõem a discografia, como Lapso ou Animalia, os dois álbuns do menores atos, lançados respectivamente em 2014 e 2018, o sentimento é unânime: Lúmen é muito mais introspectivo. “As outras [músicas] têm questões de experiências interpessoais, enquanto essas tem uma questão forte interna, suas com você mesmo”, explica Celso.

“Isso tudo fez a gente chegar num ponto também que realmente, o comportamento das pessoas aqui em São Paulo é completamente diferente”, adiciona Cyro. “Acredito que o clima da cidade influencie a produção artística.”

2020 para o menores atos

“Uma merda”, responde Ricardo para descrever o ano passado para a banda. “Não trabalhamos e inclusive nos afastamos um pouco”, refere-se ao tempo pouco (ou nada) frutífero para a carreira do grupo, que não gerou trabalhos novos ou até mesmo assunto entre os integrantes. “A frustração tomou conta disso de uma forma maior do que eu gostaria”, explica.

“Esse combo da distância com o desânimo, falta de perspectiva…”, complementa Celso. “A gente não tinha estímulo pra fazer muita coisa.”

2020 era um ano que tinha tudo para ser do menores atos. Isso porque a banda vinha de dois shows de casa cheia no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente no antigo Teatro Odisseia e no Hangar. Além de uma turnê inteira de quinze shows marcados na região sul do país, a banda ainda tinha uma apresentação agendada para o Lollapalooza. Um ano promissor que, de uma hora para outra, viu os planos escaparem rapidamente entre os dedos da banda.

“Foi muito frustrante. Foi um ano de dor, sofrimento e muito frio em São Paulo”, finaliza Cyro.

Lúmen

O novo EP do menores atos chega com cinco faixas que já estão escritas há um tempo, mas que definitvamente marcam uma nova fase da banda. Composto por Breu, Muro, Aquário, Queda e Lúmen, as faixas serão lançadas mês a mês, com o projeto sendo finalizado em março de 2022.

(Imagem: Divulgação / menores atos)

O primeiro single vem acompanhado de um videoclipe que chegará às plataformas digitais no próximo dia 16, trata-se de um plano-sequência dirigido por Gi Ferreira, que já trabalhou com a banda no vídeo de Além do Caos.

“Decidimos que as músicas que tínhamos prontas do próximo disco seriam muito com a cara de um determinado momento”, explica Cyro. “Queremos fechar isso com um disco completamente novo, com todas essas experiências, mas que fossem mais condizentes com a nossa atualidade. Essas faixas [de Lúmen] são um retrato da gente de 2018 até 2020, eu diria. Então já é um outro momento. Vamos lançar essas cinco músicas e enquanto isso vamos produzindo o disco novo na sequência.”

A escolha de lançar faixa a faixa

“Isso vem se arrastando há tanto tempo que poderia sair em qualquer momento ou lançado de uma vez, mas calhou que no fim das contas que a gente decidiu assim e que deu tudo certo pra fazer sentido”, explica sobre a ordem de lançamentos e a cronologia mensal de disponibilização das canções. “O fato de lançar música a música é justamente pra preparar o coração da galera, senão são cinco músicas que vão bater muito forte [risos]”, brinca Cyro.

Apesar do menores atos já ter uma certa fama de músicas voltadas para a tristeza e sentimentos mais introspectivos, Lúmen traz canções poderosas que não poderiam ser liberadas ao público de uma outra maneira se não fosse individualmente. “Queríamos apresentar cada música com a força que a gente acredita que elas têm individualmente, mas sem esquecer que elas juntas fazem todo sentido dentro do EP”, explica o vocalista.

(Imagem: Divulgação / menores atos)

Volta aos palcos

Com retorno marcado para o dia 4 de dezembro, menores atos se apresentará junto à banda Putz, em São Paulo. “Tô ansioso, apreensivo, com medo, feliz, com coragem, tudo junto”, brinca Ricardo.

(Imagem: Divulgação / Powerline)

“É o único lugar em que eu me sinto muito tranquilo, por mais que tenha o nervosinho antes de entrar”, conta Cyro sobre expectativas de subir no palco. “Sem demagogia, me sinto muito tranquilo com esses dois caras tocando e sei que vai dar certo, isso não me preocupa.”

“A questão que mais pesa é de poder voltar a fazer isso, nessa formação do menores atos eu fui o último a entrar, mas já tô tocando com eles há sete anos”, explica Celso. “E cara, isso tem sido a nossa vida nos últimos anos e de repente a gente se privou disso de uma forma muito repentina.”

Cyro complementa, descrevendo o sentimento como um alívio. “É uma sensação de alívio colocar essa parte que é tão grande da gente pra fora”, relata. “É o sinônimo de viver pra gente, é o que tá mais presente na nossa vida.”

Ricardo finaliza: “a sensação de voltar à vida normal nunca fez tanto sentido.”