The Lourdes, a revelação do Rio de Janeiro para 2022

Acid, primeiro EP do trio carioca, fala sobre relacionamentos conturbados

Foto: Mário Sant’Anna Arte: Munique Rodrigues e Ana Luiza Esteves

A The Lourdes surgiu na Baixada Fluminense da cidade do Rio de Janeiro com uma proposta de misturar rock alternativo com indie rock, mas ao mesmo tempo, trazer uma sonoridade única para a música brasileira autoral e independente. Formada por Emanuel Gomes, Danilo Lima e Camilla Gaia, o trio liberou em março de 2022 o EP inagural Acid, que traz composições sobre relacionamentos problemáticos em diferentes fases e ocasiões particulares.

(Foto: Mário Sant’Anna)

A realidade, no entanto, é que a The Lourdes começa há muito mais tempo atrás: quando Emanuel Gomes estava ainda no ensino médio e tocava bateria para igreja, jamais passando pela sua cabeça a possibilidade de ser cantor. Foi quando conheceu Danilo, no segundo ano do colegial, que o sonho de ter uma banda começou a aflorar. Entre ensaios duvidosos e primeiras oportunidades de shows, a ideia foi concretizando-se e adaptando-se à realidade da época, até que um dia, encontraram a sua primeira formação.

Entre idas e vindas de integrantes, conflitos de agenda e até mesmo a saída do próprio Emanuel do grupo, ideias sobre projetos solos surgiram, mas acabaram não se desenvolvendo. “Comecei a escrever várias músicas, cara”, conta o vocalista em entrevista ao Downstage. “E aí, eu percebi que eu não tinha capacidade de ser artista solo. Então chamei o Danilo e falei, ‘cara, tô com umas músicas aqui, um projeto, escuta aqui, vê se tu curte’.”

O músico olha para trás e reflete sobre essas primeiras gravações: “Não ficaram músicas boas, sabe?”, conta. “Mas a gente tava descobrindo o mundo, a gente tinha dezessete anos, entendeu? Então, a gente tava aprendendo ali, dando os primeiros passos pra aquilo que se tornaria uma parada realmente séria.”

Dali, surgiram os primeiros shows, que passaram por pontos do Rio de Janeiro como a Praça da Matriz, por exemplo. “Foi o nosso melhor show até agora”, relembra. “Não recebemos nem um lanche [risos] mas foi muito legal. Mesmo sendo uma banda iniciante, de moleques de dezessete anos, a gente tinha uma qualidade legal.”

Contudo, com a pandemia de COVID-19 engolindo o mundo em 2020, as coisas esfriaram. Na época, Emanuel estava servindo o exército, e foi quando um colega de sua turma lhe deu um conselho que jamais iria esquecer: “Ele virou uma chave na minha cabeça, me disse: ‘mano, você nasceu pra fazer isso, entendeu? Você não é nada além de artista, você precisa disso aqui pra viver’. Ele viu uma parada em mim que eu tinha deixado de ver; então saí do exército, tranquei a faculdade e me dediquei inteiramente a The Lourdes.”

Na época, esse não era o nome da banda. A homenagem para a avó do vocalista viria mais tarde, em 2021, no ano em que ela falecera. No entanto, foi em 2020 que Emanuel e Danilo sentaram juntos para gravar um EP e colocar, de fato, o seu trabalho no mundo.

(Foto: Mário Sant’Anna)

“Se você me perguntar hoje como a gente tirou dinheiro pra fazer isso, eu não tenho ideia”, revelou o baixista Danilo no bate-papo. “A gente rifou a guitarra do Manel deu super certo, a galera abraçou. Conseguimos metade da grana e foi isso aí que a gente praticamente gravou o Acid.”

Não demorou muito para que os caminhos com a tecladista Camila Gaia se cruzassem. A musicista já acompanhava o trabalho da banda há um tempo, mas foi um dia, no Instagram, ao dividir um trecho de uma canção no teclado com Emanuel, que o convite para participar do grupo surgiu.

“Ele me perguntou ‘pode mandar uns vídeos tocando?’, e eu mandei. Aí, do nada, ele estava me chamando para a banda!”, relembrou Camila. “Fiquei surpresa, fui procurando cobre e achei ouro, sabe? Eu queria amizade, e quando fui ver, estava numa banda.”

Acid: o EP de estreia da The Lourdes

Com cinco faixas, Acid explora a toxicidade e, como o próprio nome diz, a acidez de relacionamentos conturbados do círculo social do ser humano. Partindo da identificação do público nas letras, a The Lourdes viaja para relacionamentos conturbados no âmbito familiar, afetivo e até mesmo entre amigos.

O trabalho abre com a faixa Acid Teardrops, que já havia sido lançada como single anteriormente. Os vocais de Emanuel ganham bastante exposição logo nos primeiros segundos, mas não demora para a explosão sonora ganhar protagonismo.

O refrão toma uma abordagem mais dançante, porém ainda radiofônico. Tão solar quanto ouvir música num conversível à beira da praia. O ritmo fica mais lento em The Night, cuja letra fala sobre sentir-se traído e enganado por alguém, com um refrão mais focado em grudar na cabeça e fazer com que os vocais sejam o elemento principal da faixa.

Jenny foi inspirado no longa-metragem Forrest Gump, protagonizado por Tom Hanks, um dos atores favoritos de Emanuel. A princípio acústica, a canção tem o objetivo de contar a história da personagem no filme. “Foram muitas madrugadas pra criar esse som que a gente chegou, e eu acho que vai ser uma parada que vai ficar marcada pra mim”, comenta Emanuel sobre os arranjos do EP.

Too Busy vai para um lado totalmente contrário de sua antecessora. É uma faixa enérgica que faz o ouvinte bater os pés e balançar a cabeça no ritmo da música, mesmo nos primeiros segundos. As bateristas tomam mais intensidade junto aos backing vocals, tornando-se facilmente uma ótima candidata à faixa favorita dos fãs.

“Deu uma mistura muito, muito bacana de sons”, comenta Danilo sobre o processo criativo no estúdio de gravação.

“A gente pega esse rock mais antigo que todos nós gostamos, principalmente a Camila, e fazemos adaptações. Colocamos elementos pop e do indie. Aí fazemos uma mistura aqui,  um negócio que remete ao passado e algo bem atual”, explica o vocalista sobre a síntese criativa. “Entre o antigo e o novo, a gente faz a gente.”

A canção mais longa de Acid fecha o EP. Em Rooster, os teclados de Camila são responsáveis por iniciar a música e puxar os vocais de Emanuel. Não demora para as guitarras também tomarem seu espaço e a canção explodir em melodia, emoção e intensidade.

Acid é completo e uma estreia e tanto para a cena carioca independente e autoral. É um EP que coloca a The Lourdes facilmente como uma revelação do ano para o rock alternativo e o indie rock.

(Foto: Mário Sant’Anna)

Próximos Passos

Apesar de carregarem um forte repertório com influências do indie rock, como Arctic Monkeys que foi uma banda decisiva para Emanuel introduzir a música em sua vida, a The Lourdes carrega referências de todos os gêneros musicais. Discos como Fine Line de Harry Styles e a discografia do Coldplay, por exemplo, foram fatores de peso para a composição e produção de Acid.

Com uma agenda de show no Rio de Janeiro e o EP recém-lançado, a banda não pretende parar tão cedo, e já adianta: há muitos sons novos por vir.

Para entregar uma qualidade à altura de Acid, o tempo de espera talvez seja um pouco maior do que o esperado. No entanto, para um próximo trabalho, pode ser que a The Lourdes explore outros caminhos, como o post-punk e até mesmo o punk.

“A gente vai chegar com essa sonoridade, e aí e também, é claro, com a nossa cara ali. Isso não vai mudar, nossa sonoridade característica vai permanecer”, explica o vocalista.

“Estamos caminhando numa direção legal. O público tem sido muito maravilhoso com a gente, cara, de verdade”, complementa.A tecladista Camila adiciona um desejo futuro da banda: “queremos lançar um álbum com músicas em inglês e em português. Temos que caminhar um pouquinho mais pra conseguir chegar em algo mais concreto a respeito de um disco, mas por enquanto, no horizonte, você pode ter um próximo EP da The Lourdes.”