A resistência preta na cena: uma carta aberta
Vinte de novembro, Dia da Consciência Negra
Por Caio Pouza
Hoje o Downstage não vem aqui trazer clichês, não tem playlist com artistas pretos para “comemorar” este dia, não tem entrevista e nem review de álbum. Temos um manifesto (e acho que outra palavra não seria tão bem colocada nesse quesito quanto esta).
Durante anos e anos, na cena emo e underground, pouco vimos pessoas pretas fazendo parte dos grupinhos, rolês, eventos e até mesmo de bandas. No auge do movimento, entre os anos de 2003-2011, era raríssimo ver a nossa galera em shows e frequentando os encontros.
Muitos pretos gostavam da cena, amavam e curtiam as músicas, mas nunca se sentiram parte do rolê propriamente dito. As clássicas frases “cabelo crespo não dá pra alisar”; “Preto de franja? Esquece, fica muito ruim” eram comuns e nos afastava da cena. Ficávamos mais na nossa, ou se íamos em shows, era com dois ou três amigos e nada além disso. Ainda mais numa época em que o racismo estrutural não estava sendo tão desconstruído como hoje.
Mas não vim aqui pra falar do preconceito. Vim aqui falar da resistência. Somos resistência desde o dia em que nascemos, para bater de frente com um mundão majoritariamente branco e padronizado. Na cena não é diferente. Em lugar nenhum é. Existimos e estamos por aí, seja num cabelo black ou trançado curtindo um Mayday ou um Fresno na rua. Quando toca aquela do Cine no random do Spotify e a gente lembra da calça azul piscina, que mesmo sendo julgados, usávamos e, se ainda nos servisse, usaríamos até hoje. A gente existe e resiste.
Hoje podemos assumir os cachos, o crespo e o que é nosso. Não é mais a franja que faz o emo. O emo também é um movimento cada vez mais parte dessa resistência. Ainda mais no Brasil, um país onde qualquer moda um pouco mais exagerada pros padrões da sociedade é tratada como chacota. Resistência é resistência em qualquer lugar, contra qualquer opressão.
Mas como eu disse, o objetivo aqui não é vir com mais uma ladainha sobre preconceito. Na moral? Estamos cansados desse papo manjado em toda rodinha. A gente é parte, goste ou não goste. Som, sentimento e música é pra geral. Se você se incomoda, sinto muito. Como dizia minha avó: “Os incomodados que se retirem!”. Eu fico. Mas fico de peito aberto, pra quem quiser vir me abraçar e me chamar de irmão em qualquer rolê e cantar aquele som que marcou nossa adolescência e a gente levou pra vida.
Eu fico porque é assim que eu sou. E quem eu sou? Desculpe não me apresentar, mesmo já tendo dado pistas.
Prazer, eu sou a Resistência Preta.
No mundo, na vida e na cena.