Human Kraken aborda o fim da vida em seu novo trabalho

Banda mantém conceito de mitologia, mas traz um Metalcore mais atual e crítico

Arte: Bruna Loures / Downstage

Figurando entre os grandes nomes do metalcore nacional, a Human Kraken segue atualizando seu som e alcançando novos horizontes com seu trabalho impecável. Após 3 anos do lançamento do poderoso Meraki (2018), a banda finalmente coloca no mundo seu mais novo álbum de inéditas, o pesado e imponente Fim.

O processo de produção do álbum e as novas adaptações em meio ao período de pandemia

Em 2019, a banda se preparava para lançar um single novo, ainda com uma formação diferente da atual, mas devido a problemas internos, o projeto de lançar um single saiu de cena e deu espaço para a ideia de fazer um full album. “A gente sentou, trocou ideia, e eu já estava pensando numa possível solução”, relembra Leandro Mota em entrevista exclusiva ao Downstage. “A minha ideia foi a seguinte: Em julho (2020), a gente tenta lançar um full album.”

A ideia de lançar um álbum já era uma realidade, porém, o ano de 2020 acabou engavetando o planejamento de muitas pessoas devido a pandemia do COVID-19, e para a Human Kraken não foi diferente. “A gente falou ‘porra, a gente vai lançar alguma coisa em julho, não vai rolar!’ então vamos continuar compondo” comenta Leandro sobre a decisão tomada com a chegada da pandemia.

Foto: Leandro Ywata

Com mais tempo para compor, as músicas foram nascendo e a banda foi trabalhando nelas com mais calma. Com a necessidade do isolamento social, a Human Kraken também teve que se adaptar ao processo de composição e gravação a distância, utilizando programas como o Zoom para alinharem as ideias. “O grande lance foi que a pandemia meio que mudou o método de trabalho de todo mundo, então a gente tinha o hábito de ir para o estúdio, a gente estava numa fase de shows e já tinha alguns shows marcados para janeiro e foram cancelados” reflete Kayke Matos sobre o impacto da pandemia na rotina da banda.

Sem os shows, que são a principal fonte de renda da banda, muita coisa mudou e o grupo teve que se reorganizar. Kayke montou um home studio e aí vieram as mudanças, principalmente na formação, já que estavam sem baixista na época. “Pra ser bem sincero o Rafa foi o grande herói da banda, ele chegou e falou ‘Meu, eu assumo o baixo e vamo aí’ ele já tocava em cover de CBJR como hobby” conta Kayke.

Foto: Leandro Ywata

Com essa readaptação, a banda conseguiu juntar um bom material que tinha potencial para virar um full album. Porém, com a situação grave da pandemia, o planejamento de lançar um single e logo em seguida o álbum sofreu alterações. “A pandemia estava horrível ainda, então lançar um álbum agora pra não fazer show e tals…Então a gente teve a ideia de continuar nos singles”.

A banda então decidiu lançar singles e esperar até o final de 2021 para o lançamento do disco, já esperançosa por um cenário com a possibilidade de tocar ao vivo em 2022 (e que finalmente está se tornando uma realidade).

As principais diferenças musicais em relação ao Meraki

A Human Kraken é uma banda que sempre olha para o futuro e faz um metalcore bem moderno. As mudanças em relação ao seu último trabalho, Meraki (2018), eram inevitáveis, surpreendendo positivamente os fãs da banda. “A principal mudança na verdade foi o Kayke”, comenta Leandro. “Com o Kayke, veio uma gama muito maior de voz para conseguir trabalhar umas ideias novas com vocal. Um berro mais longo, mais agudo, mais médio e com vocal alto, a gente podia trabalhar qualquer coisa relacionado ao vocal”, conta o guitarrista.

Foto: Richard Rodrigues

No Meraki, a banda ainda começava a flertar com o djent, mas o metalcore clássico ainda era predominante no som da HK. Com a entrada do Kayke, as possibilidades ficaram ainda maiores e o som da Human Kraken deu mais um passo para frente. “Eu era já fã da banda…Quando lançou o Meraki eu fui escutar na mesma hora”, relembra o vocalista Kayke. Com Kayke na banda, a parte vocal ganhou mais técnica e se tornou mais característica. “A gente escutava nossas influências e falava ‘Meu, eu consigo fazer isso, mas trazer mais a minha característica e trazer mais isso pra gente’”.

A banda que sempre teve influências de grandes nomes do metalcore como o Parkway Drive, Project 46, John Wayne, All That Remains, entre outros, agora também expandia para o deathcore de bandas como Lorna Shore, Chelsea Grin e outros. Com essa cartela variada de referências, a banda incrementou ainda mais a sua sonoridade. “Esse foi o meu objetivo né?! Trazer mais técnica vocal possível e o que eu podia mostrar para as pessoas” afirma Kayke.

A mitologia na Human Kraken

Um dos diferenciais da Human Kraken é o fato da banda inserir diferentes mitologias em seus discos. Em seu primeiro trabalho, o autointitulado de 2015, as referências a mitologia já marcavam presença em faixas como Fragata Medusa e Espera de Caronte. Já em Meraki (2018), a banda mantém essas influências em canções como Pandora e Kairos. Em seu novo álbum, Fim, a HK mantém o conceito de mitologia na obra, o que deixa tudo ainda mais completo e reafirma esse diferencial como uma característica bastante particular da banda.

“Um dos integrantes era formado em filosofia na USP, e a base dele era muita mitologia grega e ele também escrevia as letras, e curiosamente o nome da banda”, explica Leandro Mota sobre a presença da mitologia desde o início da banda. “Era muito mais da cabeça do antigo baixista”, relembra, “E com o tempo, eu, particularmente, fui estudando, fui aprendendo e me inteirando sobre o assunto e a gente manteve essa ideia”.

O conteúdo lírico presente em Fim

Além de trazer um instrumental pesado e primoroso, Fim é um álbum com um conteúdo lírico muito rico e interessante. Além do conceito de mitologia, o álbum ainda aborda o fim da vida de uma maneira bem interpretativa, a obra também fala sobre religião e política. Amaterasu é uma música que fala sobre a morte e como a religião usa a morte para controlar as pessoas. “Amaterasu ela abre o cd, é a primeira música, mas ela também é como se fosse a conclusão. Amaterasu também é a deusa da criação do universo xintoísta, então é como se fosse isso, o começo e o fim”, comenta Leandro sobre a música de abertura e o conceito atrelado a frase final “bem vindos ao nosso fim”.

Foto: Richard Rodrigues

Chronos, que remete ao deus do tempo, fala sobre como as pessoas dizem para você lidar com seu tempo, fazendo uma baita crítica social. Anima já aborda a feminilidade no inconsciente no masculino, algo que conversa diretamente com o vocalista Kayke. “Isso foi uma parada que me afetou a vida inteira, então, uma coisa que foi fácil de trazer pra Anima e pra Chronos foi esse sentimento, porque foi o que eu passei”, comenta o músico. “Eu sou um pouco mais afeminado, os meninos sabem, e eu sempre tive que repreender um pouco isso, perante a tudo que passava pela escola, pelos trabalhos e até familiares”.

Isso mostra uma enorme preocupação da banda com a mensagem presente nas músicas, criando uma conexão ainda mais forte com o público. “O fim, eu particularmente trouxe esse sentimento pra galera sentir isso, receber isso e querer mudar né, essa questão. É muito importante cada jovem que escutar isso, cada adolescente que ouvir o nosso som entender o que a gente tá falando e progredir, levar isso pra frente”, diz Kayke.

Fim, o terceiro álbum de inéditas

O Metalcore é bastante conhecido por trazer letras mais pesadas e um som mais agressivo, e Human Kraken soube trabalhar esse conceito de uma forma mais moderna e consistente, usando como referência bandas como Lorna Shore, Alpha Wolf, Chelsea Grim, Parkway Drive, entre outras.

Com um som pesado e guturais bem graves, a banda inovou nesse terceiro álbum. Com uma nova formação trazendo Kayke no vocal, Leandro na guitarra, Rafael no baixo e Djair na bateria, Fim traz um lírico que questiona a morte, a existência e faz críticas à religião e ao governo, fazendo o público pensar e tirar suas próprias conclusões em cada música.

O álbum já começa com uma faixa de tirar o fôlego. Amaterasu (nome da deusa da criação na mitologia japonesa) tem seu início com uma guitarra bem sombria e alguns elementos de música japonesa que te transportam para o mundo mitológico do Japão. A música questiona a existência de uma vida após a morte, se a morte é realmente o fim e sobre a esperança de haver algo do outro lado quando damos o último suspiro. Afinal, o que realmente é o nosso fim? – A faixa apresenta um vocal surreal, com guitarra e bateria constantes e pesadas, dando começo a todo o conceito que o álbum apresenta.

Anima começa com o vocal limpo e melódico, te levando para o além junto com o lírico. Com uma guitarra pesada e riffs de outro mundo, a faixa é um pouco mais calma, mas entrega bastante conceito sobre a liberdade de ser quem você é – “Por demonstrar quem somos, podemos realizar um pouco do que é ser livre”. A mensagem da música é bem clara: não deixe ninguém te segurar, nenhuma imposição, nenhuma rejeição, porque ser você verdadeiramente é o que vai te libertar.

Atlas (titã da mitologia grega que sustenta o céu nos ombros) é aquela faixa que vai levar o público ao delírio nos shows e que vai trazer a loucura no mosh pit. Sem dúvidas, uma das músicas mais bem conceituadas e estruturadas, com uma melodia extremamente pesada e agressiva do jeito que o Metalcore pede – “Onde estamos? De onde viemos? Criacionismo, evolução? Questionar nossa existência é o que nos dá sentido”. A faixa termina de um modo enlouquecedor, deixando um gostinho de quero mais. Não dá para negar que os caras entregaram tudo aqui.

Chronos (deus do tempo, na mitologia grega) tem um gutural bem sombrio e uma guitarra bem pesada – o solo chama um pouco a atenção também. A transição entre o gutural e o vocal limpo nessa música é surreal e casa bem com toda a estrutura da faixa, e o lírico também não deixa a desejar: “Enquanto viver não foque em “ser alguém” ou agradar. Trace o seu caminho pra continuar”.

I-Sys é uma faixa que faz crítica ao cristianismo – “os Santos cobram criação, mas dão as costas e desprezam, sem perdão”. A bateria fez o seu nome, a guitarra completamente sombria, com riffs do submundo e o vocal deixa o público sem palavras. Gutural perfeito, vocal limpo bem melódico e consistente. O único defeito dessa música é que ela acaba.

Machina entregou tudo quando pensamos em som pesado e gritaria incessante. Human Kraken soube como fazer seu nome no Metalcore brasileiro e o público agradece. A faixa fala sobre viver como uma máquina, no automático; ter seus pensamentos e emoções programados e um corpo vazio e sem vida. Aqui, como em todas as outras músicas de Fim, vemos o Leandro destruindo na guitarra junto com o vocal impecável do Kayke.

Para finalizar o álbum, temos Zero, que já começa com a seguinte frase: “quero poder viver!”. E fala sobre como o governo controla o povo, usando-o como bem entende – “Não deixem te enganar, pois tudo é de vocês”. Com uma bateria espetacular, a faixa fechou o álbum com chave de ouro, deixando o público querendo mais, muito mais.

Uma coisa que vemos nas letras das músicas de Fim é que sempre há uma conexão entre a faixa e seu respectivo nome. Em Atlas, a letra fala bastante de carregar o mundo nas mãos, de criação, egoísmo, ignorância, coisas que são bastante faladas na história do titã grego; em Chronos é falado bastante sobre tempo, memórias, a palavra ‘enquanto’ é bastante citada também, então vemos que conceito nesse álbum é o que não falta. Podemos até arriscar que Human Kraken é o Parkway Drive brasileiro. Os caras são absurdos e sabem o que estão fazendo.

Expectativas para 2022

Com o lançamento do álbum Fim, a Human Kraken tem planos de voltar aos palcos e executar as músicas novas ao vivo. Além de esperar uma boa recepção do novo trabalho, a banda também acredita em uma união ainda mais forte do underground. Leandro finaliza: “A expectativa é que o underground ele torne-se uma unidade de fato né, que deixe de ser bastante nichado como está atualmente”.