15 anos do The Black Parade e sua importância na questão da saúde mental

Ópera rock da banda foi lançado em outubro de 2006

Arte: Inaê Brandão / Downstage

My Chemical Romance pode ser uma banda que dispensa apresentações, mas a banda foi formada em 2001 e tem inúmeros hits como Helena, I’m Not Okay e Welcome To The Black Parade, faixa principal do álbum The Black Parade, que foi lançado dia 23 de outubro de 2006.

The Black Parade foi o sucessor do Three Cheers For Sweet Revenge (2004), responsável pelo grande BOOM do My Chemical Romance na mídia, o álbum é marcado por uma atmosfera mórbida e melancólica, algo que esteve presente também no primeiro álbum da banda, I Brought You My Bullets, You Brought Me Your Love (2002) e no The Black Parade isso não mudou. Porém a banda sabia que precisava de algo diferente.

Com isso começou a pressão de se fazer um álbum que fosse tão bom quanto o Revenge, mas que pudesse ser maior ainda, o que a banda buscava era criar um verdadeiro marco para a sua carreira. 

Gerard sabia que a banda continuaria no caminho de manter uma temática sombria, mas uma certeza que ele tinha era que ele queria algo grande e universal, e também era importante que o álbum não fosse sobre a banda estar famosa e assim surgiu a ideia de criar um personagem que transformaria o The Black Parade num álbum conceito cheio de metáforas. 

Com a forte ligação de Gerard Way com histórias em quadrinho, primeiramente ele visualizou o álbum todo como uma HQ, com todo um enredo e arco dos personagens e lentamente tudo foi se transformando em um álbum. O personagem principal, The Patient, é um jovem que está morrendo tragicamente no hospital, e o álbum é sobre a sua passagem pela vida e as memórias que ele tem. A morte vem para o The Patient em forma de um desfile. Esse conceito foi baseado na ideia do Gerard de que a morte aparece para alguém retratada como a sua memória mais marcante, no caso do The Patient, o desfile que ele viu quando era criança, e essa parte é uma ficção baseada em fatos reais, pois uma das memórias mais antigas do Gerard é dele e do Mikey é a mesma do desfile. 

The Patient não é o único personagem do The Black Parade, também há Mother War, Fear and Regret (tendo esses três primeiros aparecido no clipe de Welcome To The Black Parade), The Soldiers e The Escape Artist – e assim foi se criando um mundo enorme dentro da cabeça de Gerard Way. A caveira soldado da capa do álbum também recebeu um nome: Pepe.  

(Imagem: Reprodução)

Para gravar o álbum, a banda decidiu que queria um lugar que combinasse com a atmosfera do conceito e assim eles foram parar na The Paramour Mansion em Los Angeles, uma mansão famosa em Hollywood por ser mal-assombrada. O que a banda não esperava é que tudo se tornasse tão intenso: a produção, o álbum, a turnê e que tudo isso acabaria quase os matando. 

No livro The True Lives of My Chemical Romance do escritor Tom Bryant, Frank Iero diz que ele se lembra do quarto de Gerard na mansão, a parede inteira estava repleta de desenhos, sinais e palavras que o vocalista havia feito e existia uma escrita maior, com mais destaque que era CANCER e ele ficou preocupado se Gerard não estava imerso demais e chegou a dizer para o vocalista: “Você sabe que você pode apenas escrever uma música? Você não precisa se matar”, mas Gerard nessa época acreditava que para criar sua arte era necessário chegar ao seu limite máximo.

Durante essa mesma época foi quando Gerard decidiu descolorir o seu cabelo e cortá-lo bem curto, pois assim ele achava que ficaria mais parecido com The Patient, de onde estava vindo sua principal fonte de inspiração. 

(Reprodução: Happy_Humbug86)

A atmosfera na casa era tão pesada, que a música Sleep, faixa 10 do álbum, é sobre as paralisias do sono que Gerard tinha enquanto dormia na Paramour, mas de longe a pessoa mais afetada ali dentro foi o baixista, Mikey, que precisou se afastar da mansão e da gravação do álbum para preservar a sua saúde mental e tratar a depressão em que se encontrava. E a ausência de Mikey causou um impacto grande na banda, chegando até fazerem eles pensarem se esse seria o fim da banda. 

O que colocou a banda de volta aos trilhos foi quando Gerard escreveu Famous Last Words, inspirada em Mikey, uma música definitivamente sobre superação e que no futuro serviria de inspiração para tantos fãs que sentiam a necessidade se apegar a algo para seguir em frente. Porém após escrever essa música, Gerard se deu conta que precisava terminar seu relacionamento, que até então havia durado 6 anos, e depois percebeu que ele estava tão obcecado pelo The Black Parade que o preço que pagou por isso foi ter arruinando a sua vida pessoal naquela época. 

O primeiro single do álbum Welcome To The Black Parade, que originalmente se chamava The Five Of Us Are Dying, e você pode encontrar a demo no CD Living with Ghosts (2016), começou a ser escrita durante a fase turbulenta do relacionamento do vocalista e ele acredita que o seu estado mental da época acabou se misturando com a composição e por estar passando por tantas dificuldades nessa época, ele sentia que a pressão estava quase os matando e quando começou a ser escrita essa música acabou sendo quase que um pedido de ajuda (atenção ao primeiro título escolhido) e não só ela como The End., ironicamente a primeira faixa do álbum, também foi. 

Uma faixa do álbum que é completamente icônica por ser tão diferente, forte e imponente é Mama, que contou com a participação especial, de uma cantora que Gerard disse que amaria que participasse: Liza Minneli, famosa pelo filme Cabaret (1972), pelo qual ganhou o Oscar de melhor atriz. E também participaram a mãe do Frank Iero e os pais do Gerard e Mikey Way no coral da música. 

(Reprodução: Happy_Humbug86)

The Sharpest Lives, que também é uma das músicas pesadas, é talvez umas das mais pessoais da carreira da banda, pois trata sobre os problemas do Gerard com seus vícios passados, também fala um pouco sobre o término do seu relacionamento, mas a música que mais se pode enxergar a influência desse acontecimento com clareza é I Don’t Love You (apesar dela ter começado a ser escrita um tempo antes do término, ainda quando a banda estava no ônibus da tour do Revenge). O álbum também conta com um faixa escondida e curta, chamada Blood, que finaliza o The Black Parade com um tom macabro e cômico e foi inspirada no filme Laranja Mecânica. 

Uma parte muito marcante e significativa do álbum é o visual que a banda adotou para ele, Gerard tinha em mente que queria algo como a versão dark de Sgt Pepper’s dos The Beatles e então ele se encontrou com Collen Atwood, uma figurinista que ganhou o Oscar e famosa por trabalhar com o diretor Tim Burton, participou de filmes como Edward Mãos-de-Tesoura (1990) e Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007). Ela foi a responsável por trazer essa ideia magnificamente bem executada para o mundo real.

O primeiro show dessa era, que aconteceu antes do lançamento do álbum, no festival Reading and Leeds na Inglaterra (agosto de 2006), a banda pediu para que anunciassem que o My Chemical Romance havia cancelado o show e então Gerard entrou sozinho no palco, com uma cortina preta atrás dele, usando uma roupa de hospital e em cima de uma maca, atuando como se fosse The Patient, doente, cansado e morrendo, a introdução do show era o som do bipe de um coração batendo quando está conectado a máquinas e em seguida começava a primeira música do show (e do álbum), The End., Gerard arrancava a roupa de hospital, a cortina caia e assim revelava o novo alter ego da banda com o seu visual militar, nesse show Gerard se referiu a eles como “The Black Parade Band” e não mais My Chemical Romance e foi algo que se manteve por boa parte dessa era, a banda considera que eles tinham criado algo tão diferente que era necessário um alter ego para se expressar. Para os curiosos, o início do DVD The Black Parade Is Dead (2008) começa com uma performance semelhante e nele é possível ver como era o show visualmente com detalhes. 

Não só a gravação do álbum foi caótica e os levaram para um lugar mentalmente onde eles não gostariam de estar, mas depois eles iriam descobrir que a turnê do álbum também quase os matariam. Foi uma turnê que durou muito mais tempo do que eles planejaram e se sentiam confortáveis para estar nela, eles ficaram dois anos viajando o mundo, porém a cada show que faziam se sentindo cada vez mais exaustos, todos chegaram ao fim da turnê com uma sensação esmagadora de burnout, tanto físico quanto mental e principalmente criativo. 

A banda sem dúvidas conseguiu atingir o seu objetivo de criar um marco, um álbum que pode ser considerado um dos melhores do rock no século 21, a ópera rock do My Chemical Romance e que marcou tão intensamente não só a carreira da banda, como a vida de muitos fãs. No livro The True Lives of My Chemical Romance, Gerard Way diz ser grato por tudo que aconteceu no The Black Parade, pois também serviu para ele enxergar o que não fazer e como não ser. Foi muito importante para conseguirem fazer um trabalho de uma forma mais leve no próximo álbum, que inclusive só veio 4 anos depois, o dobro de tempo de intervalo entre os outros três que foram de 2 anos. 
Porém se o The Black Parade teve totalmente essa vibe mais pra baixo, tratando de temas como morte e doença, o Danger Days: The True Lives of the Fabulous Killjoys (2010) surgiu no caminho completamente oposto, o disco pode ser considerado o trabalho “feliz” da banda e sabendo do peso que o The Black Parade causou não há como negar a importância de um trabalho que fosse mais leve e alegre para o próximo álbum.