Fall Out Boy explora universo épico, intenso e orquestral em So Much (For) Stardust 

Novo disco revisita o rock familiar de Fall Out Boy com elementos novos e experimentais, se consagrando como um dos melhores lançamentos do ano 

Capa: Fueled by Ramen

Após cinco anos sem um novo lançamento e uma era de álbuns recheados de influências pop que divergiam do som familiar da banda, Fall Out Boy revisita suas raízes do rock e pop punk de maneira épica e orquestral em So Much (For) Stardust – exatamente 20 anos após seu primeiro lançamento. Novo disco traz certa familiaridade para ouvintes assíduos dos primeiros álbuns junto de elementos novos, misturando as melhores características de FOB com referências musicais nostálgicas e uma experiência quase que teatral. 

Foto: Nat Wood

Um dos motivos pelos quais o disco pode trazer uma sensação de nostalgia e remeter a trabalhos antigos da discografia, é a produção que ficou nas mãos de Neal Avron. O produtor trabalhou nos principais álbuns da banda, From Under The Cork Tree, lançado em 2005, Infinity On High, em 2007, e Folie à Deux, em 2008. Não é preciso ter um ouvido muito apurado para captar algumas semelhanças e ser transportado para o Fall Out Boy dos anos 2000. Porém, a nostalgia vai apenas até o limite da lembrança: não abre margem nenhuma para comparações. So Much (For) Stardust entrega o suficiente (e mais) de atualidade e experimentação para ser um disco totalmente novo. 

Os 44 minutos e 20 segundos de álbum são intensos de início ao fim – seja na sonoridade, na composição da música, ou no sentimento que traz ao ouvinte. Quando escutadas consecutivamente, as treze tracks podem ser interpretadas e entendidas como um filme, ou até mesmo uma peça de teatro

PRIMEIRO ATO: CONTEXTUALIZAÇÃO

You were the sunshine of my lifetime
What would you trade the pain for?

Love From The Other Side abre o disco já em um tom dramático, trágico, ambientando o ouvinte no que ele pode esperar do resto da tracklist. O piano rápido e o violino intenso são protagonistas da introdução da track (e se mantém ao longo da música), seguidos de guitarra e bateria características do rock pesado – já começando o álbum de uma maneira diferente do que os últimos da banda, e aqui a gente já sente um pouco da nostalgia do From Under The Cork Tree

Apesar do drama e intensidade dos instrumentos, o vocal de Patrick Stump traz uma pegada bem catchy nos versos e refrão. A ponte que desacelera, foca no vocal e nos instrumentos que iniciaram a música amarram a estrutura e o reverb do violino no final dá um toque especial – já trazendo o sentimento de épico, heróico, como se fosse uma peça. Tudo isso combinado torna-se uma ótima track de abertura.

A segunda track junta o sintético com o rock, uma bateria dançante e uma guitarra puxada um pouco para o pop. Heartbreak Feels So Good é gostosa de ouvir e, mesmo que de maneira não intencional, faz um bom trabalho em amarrar a discografia da banda, em uma mistura que combina e expõe a versatilidade de Fall Out Boy. 

Hold Me Like a Grudge introduz uma das características mais marcantes e interessantes do disco: as referências musicais. Na terceira track, Pete Wentz e Joe Trohman juntam o baixo e a guitarra na introdução e nos versos para reproduzir um dos maiores nomes da cultura pop: Michael Jackson. A base do ritmo de Smooth Criminal é apresentada na track misturada com o rock de FOB e Patrick vai além: até os suspiros característicos de Michael são reproduzidos no vocal. A track é diferente, bem experimental, com uma transição entre os versos e o refrão feita por um vocal distorcido que traz um certo estranhamento, aquela sensação de corte da melodia. Os riffs de guitarra no refrão são muito bem feitos por Joe Trohman e é possível perceber um enfoque maior no instrumento ao longo de todo o disco.

Uma heartbreak song melódica é apresentada na quarta track, com Fake Out. É uma típica canção de decepção amorosa. A narrativa de quebra de expectativas e resignação é presente ao longo de todo o álbum, e essa track não é exceção. O refrão traz mais energia para a música e o trabalho da guitarra e da bateria são o maior destaque da track, que, dentro da tracklist, é a menos notável. 

Em Heaven, Iowa, o ouvinte chega no ápice do fever dream de So Much (For) Stardust. O coro angelical que entra nessa track faz com que quem está escutando realmente se sinta imerso dentro desse sonho e do sentimento que Patrick traz com seus vocais, que ficam ainda mais marcados e emotivos no refrão. No minuto 2, toda essa intensidade é destacada ao máximo com a bateria impecável de Andy Hurley que vem para acompanhar. Em vários momentos desse disco a banda utiliza da pausa entre versos e do foco apenas no vocal para enfatizar o último refrão, mas em Heaven, Iowa, a pausa que acontece no final da música é de arrepiar quando é seguida pela guitarra rasgada, aguda, que finaliza a música. Sem dúvidas, essa track é um dos pontos mais altos do disco. 

Thurston Harris e os anos 60 revivem em So Good Right Now. O contraste entre o antigo e o atual, entre a melodia de Little Bitty Pretty One e o ritmo moderno dos instrumentos do Fall Out Boy deixam essa track bem interessante. Outro contraste que a música entrega ao ouvinte é a energia e a animação em contradição com a letra: Patrick canta I got this doom and gloom in my mind por cima de uma batida dançante da bateria e da guitarra e, no refrão, a expectativa da ruína e da colisão após a felicidade: feeling so good right now till we crash and burn somehow. E, após essa track que deixa um sabor agridoce na boca, o ouvinte chega ao primeiro interlude. 

INTERLUDE: THE SHELL’S EMPTY 

No teatro, interlude é uma transição entre um ato e outro. Uma pausa antes da reviravolta, do clímax ou de um momento decisivo. Quando ele chega, o telespectador pode esperar uma mudança na história. E, na música, é a mesma coisa. Normalmente, quando esse recurso é utilizado, o ouvinte pode esperar uma mudança no tom do álbum a partir daquele momento – seja na sonoridade, no teor das letras ou no sentimento. Apesar de no cinema o termo não ser muito utilizado, é possível entender algumas cenas com essa mesma definição dentro da estrutura de um filme. 

Foto: Pamela Littky

Ethan Hawke (sim, o ator) protagoniza a história de The Pink Seashell. O interlude vem na 7ª track, exatamente na metade do disco. No monólogo, retirado do filme Reality Bites de 1994, o ator conta sobre o momento que ele percebeu que a vida não tem propósito algum – é tão vazia quanto uma concha do mar. E é assim que ele começa a prestar atenção nos detalhes, nos momentos que normalmente passariam batido. É um vocal apenas com um instrumental reverberado atrás – uma soundtrack de uma cena inspiradora, épica, antecipando o que há por vir. 

SEGUNDO ATO: CLÍMAX

A utilização do interlude prova ter sido estratégica e bem colocada quando a 8ª track começa. I Am My Own Muse une todos os elementos que as últimas seis músicas exploraram e parece ser uma explosão de toda a emoção e intensidade que foram sendo estimuladas nas anteriores até este ponto. Se o ouvinte fechar os olhos, a sensação é de que ele está dentro de um teatro ou de um cinema, no meio de uma cena tensa e heróica.  

A percussão orquestral, as trompetas, o violino, a guitarra pesada e o vocal intenso dão à 8ª track uma sensação de grandeza, como se todas as que antecederam eram uma preparação para que ela chegasse, o ponto mais alto do disco.  E, além de tudo, o refrão é extremamente cativante, prendendo na cabeça até depois que a música acaba. 

A ponte desacelera a música e o violino fica ainda mais presente junto aos riffs de guitarra muito especiais que antecipam o último refrão. No final, os instrumentos vão se intensificando e subindo só para a música acabar repentinamente, como se fosse um filme terminando em um cliffhanger. É essa música que efetivamente tira qualquer dúvida de que So Much (For) Stardust não pode ser comparado a nenhum outro trabalho da discografia e eleva o álbum a um patamar totalmente novo para o Fall Out Boy. 

Em um clima mais nostálgico e familiar – ainda que muito único – Flu Game pode remeter o ouvinte ao Infinity On High com Thnks fr th Mmrs. A track tem um ritmo mais pesado e ritmado e um gancho que deixa a música grudada na cabeça. A ponte foge da estrutura convencional, sem desacelerar muito a música e dando textura ao vocal. E, seguido dela, vem mais um interlude. 

Essa divisão, mesmo que curta, é um dos momentos mais especiais do disco.

INTERLUDE: ANNIHILATION

Pete Wentz traz uma reflexão sobre si mesmo e sobre a realidade que vive em seu monólogo de Baby Annihilation. A desonestidade de pessoas em posições de privilégio, auto-sabotagem, expectativas quebradas, ter passado o auge da vida (I’m just melted wax on a birthday cake) e até mesmo menções à drogas em troca de um pouco de serotonina. 

Foto: Pamela Littky

O instrumental atrás é mais melancólico, criando a sensação do início do desfecho, fazendo com que o ouvinte espere um final triste de uma história intensa. 

O interlude termina com a pergunta: O que tem entre nós, se não um pouco de aniquilação?  

TERCEIRO ATO: DESFECHO

As três últimas músicas encerram o disco de uma maneira bem sentimental. The Kintsugi Kid (Ten Years), a 11ª track, faz uma menção ao termo japonês “Kintsugi”, a arte de colar peças de cerâmica quebradas com ouro. É interessante que o termo em si não é cantado na música, mas faz referência a toda a composição. Em uma retrospectiva de sua vida, Patrick canta sobre ter passado os últimos dez anos sob efeitos de substâncias ou estimulantes e agora, sóbrio, sem poder se esconder atrás dessa “névoa”, sente falta de não sentir nada. A música é mais melancólica, mas não perde sua energia na bateria, um gancho no refrão e uma transição vibrante entre o pós-refrão e a ponte. 

Em uma referência aos anos 70 e Earth, Wind & Fire, What a Time To Be Alive traz um ritmo alegre, até mesmo eufórico, em contraste com a letra obscura que gira em torno da pandemia e o isolamento social que aconteceu entre 2020 e 2021. Essa escolha da produção entrega uma ironia muito bem colocada em uma track que todos os ouvintes conseguem se identificar.

We’re here and we’re ready to live stream the apocalypse;

the view’s so pretty from the deck of a sinking ship;

when I said “leave me alone”, that’s not quite what I meant, I got the quarantine blues.

Há algo realmente catártico em poder dançar uma música sobre um momento tão difícil – a escolha de ritmo e referência foi muito certeira aqui. 

So Much (For) Stardust, que recebe o nome do disco, encerra-o da melhor maneira possível. Em direta referência à primeira música, é um final trágico para um álbum intenso. As expectativas que não foram atendidas, a melancolia e toda a emoção que o resto da tracklist trouxe são revisitadas e respondidas na track final.  

Foto: Pamela Littky

A introdução com piano e violino faz o ouvinte relembrar da primeira track desde o começo. É uma música com muita potência, uma progressão vocal e melódica que faz um ótimo trabalho em expor o desespero da letra. A bateria acelera na ponte antecipando o último refrão, mas essa antecipação é cortada com um verso antes, que encaixa perfeitamente com a narrativa da música – essa quebra de expectativa não acontece só na letra mas também junto dos instrumentos.

O último refrão é o que mais reflete essa angústia retratada ao longo de toda a track, e é ainda mais destacado quando o coro entra. Os vocais discordam, não entram em harmonia, enquanto Patrick canta com ainda mais desespero, quase que soluçando suas palavras. A música acaba com um fade out.  

In another lifetime, you were the sunshine of my life
What would you trade the pain for?
I’m not sure

O VEREDITO EM SO MUCH (FOR) STARDUST

Foto: Pamela Littky

De começo ao fim, o disco deixa o ouvinte na ponta do pé. É estimulante, o que torna extremamente divertido escutá-lo por inteiro porque não há um momento tedioso ou repetitivo. As referências dentro do álbum são inteligentes, bem colocadas, e dá uma sensação de interação com quem está ouvindo, que fica tentando lembrar, entender, da onde conhece aquele ritmo, aquela melodia, sem nunca deixar de ter a sonoridade e modernidade da banda. 

Os temas dentro da composição de cada música interligam-se dando ao álbum um conceito bem definido e a amarração da última track revisitando a primeira entrega um momento de full circle muito especial. No geral, é tudo muito bem trabalhado e a produção é impecável, e, apesar de algumas tracks acabarem se apagando ou não se destacando como outras, é praticamente impossível o ouvinte não terminar surpreendido. 

O disco entrega o suficiente da nostalgia do som antigo sem deixar com que os fãs se esqueçam que uma das coisas mais excepcionais da banda é a capacidade de se reinventarem e fazerem isso muito bem. É um álbum único, original e uma experiência de início ao fim. E, vai além: So Much (For) Stardust junta todas as melhores características do Fall Out Boy com elementos totalmente novos e experimentais, se tornando um dos melhores trabalhos da banda e se consagra como um dos melhores lançamentos do ano.

Para fãs de: The Used, Trophy Eyes e I DONT KNOW HOW BUT THEY FOUND ME