Vinicius Gut explora a importância da identidade visual
O designer e ilustrador conversa com o Downstage sobre o papel da arte gráfica no alcance e poder da música
Por Michelly Souza
“O lance de estar no meio musical começou comigo desenhando para bandas de amigos, no underground de Jundiaí”. É assim que o designer gráfico e ilustrador Vinicius Gut descreve os primeiros passos de um caminho que o levou a trabalhar com nomes de peso da cena alternativa. “Por influência do meu irmão mais velho comecei a ir em show de hardcore aos treze anos e até pensei em ter banda, mas nunca tive habilidade para tocar. Então como sabia desenhar esse era meu modo de participar”.
Foi entre máquinas de estamparia para a marca de roupas de uma banda local e os programas de computador usados para desenvolver layouts para o MySpace que Gut encontrou o próprio espaço dentro desse universo.
As descobertas pessoais aconteceram paralelamente à um momento chave para o cenário brasileiro. Nos anos finais da primeira década de 2000 as redes sociais já haviam se tornado essenciais para a música, fazendo com que não houvesse limites para quão longe mesmo bandas independentes pudessem chegar.
Na era da democratização da música os holofotes estavam virados para o circuito nacional, com interesse especial na identidade visual dos artistas e fãs. Esse aspecto foi minuciosamente dissecado e exaustivamente ampliado pela mídia e pela indústria, por vezes ocupando mais espaço do que a música em si.
“Naquela época [2008] as bandas coloridas estavam em alta, lembro de demandas de algumas que sequer tinham composições prontas, mas já contavam com toda a estrutura de produção, gravadora e divulgação e vinham até mim atrás do visual”.
Em bate-papo exclusivo para o Downstage, o designer aponta o foco apenas em uma parte do todo como um erro que levou muitas delas a não conseguir firmar carreira. “O visual potencializa, é uma extensão da parte sonora. Elas se completam”. Para ele, as bandas que sabem como trabalhar ambos os elementos conseguem atingir um outro patamar de profissionalismo.
Um exemplo que passa facilmente despercebido é a conhecida banca de merch. A mesinha presente em shows desde sempre por muito tempo ocupou um cantinho escondido ao lado do bar ou próximo à saída e, ao longo dos anos passou a demandar mais espaço e ofertar mais itens.
“O nível está ficando cada vez mais alto. Não é mais só colocar o logo da banda na frente e vender. O público também ficou querendo mais, exige além do básico”, completa.
E foi justamente o acesso à tecnologia que permitiu tal evolução, principalmente para o independente. “Não necessariamente precisa contratar um profissional”. Seja investindo em alguém da área ou colocado as próprias habilidades à prova, investir tempo e atenção para esse lado artístico é essencial.
Gut também da a dica de que nem só de ilustrações uma identidade visual é composta. “Tem muita gente que consegue fazer trabalho só com tipográfica e manipulação de foto, tem milhares de modos”.
Foi também a mudança de pensamento dentro das comunidades da música que permitiu essa expansão nas formas de se viver da arte. As bandas passaram a usar a parte visual como uma ferramenta de divulgação e uma chance de transformar o próprio nome em marca.
“A banda que sabe ganhar com merchandising é que a mais faz dinheiro”. Dos nomes internacionais com os quais trabalhou, Gut destaca State Champs e Grayscale como exemplos.
Mesmo sem um novo cd ou turnê, elas frequentemente disponibilizam coleções e peças com edições limitadas, o que ajuda tanto na parte financeira quanto é uma maneira inteligente de continuar ativos entre durante os períodos entre um lançamento e outro.
“O Grayscale, por exemplo, tem um diretor de arte. O Jordan [Miz] não é músico, não é integrante da banda, mas ele é quem cuida de toda parte visual junto com o Collin. Eles são muito fodas. Vão em lojas só para tirar foto e pegar referência do que tá vendendo. Eles realmente sabem o que querem”.
Estar antenado nas tendências e no que o público tem interesse é uma parte crucial para quem deseja investir nesse modelo de negócio. “Além disso, tem muita gente que compra o merch sem nem conhecer a banda, e não tô falando dessas que viram marca de fast fashion não. Compram porque gostaram da arte e a partir daí passam a acompanhar o som também”.
2020 e a virada de chave que faltava
Com a chegada da pandemia, ter esse entendimento e visão de mercado foi um verdadeiro bote salva vidas uma vez que impossibilitados de sair em tour, a venda desses itens se tornou a principal fonte de renda das bandas.
A indústria do merchandising movimenta milhões de dólares anualmente, levando em consideração os dados totais. Para o nicho de pop punk – alternativo os valores, é claro, não chegam a ser tão altos e dependem do tipo de acordo firmado entre as bandas, empresas de licenciamento e gravadoras. Mas de um modo geral, é de onde saí uma fatia considerável da receita dos grupos.
Outro ponto importante que Gut costuma conversar com os clientes antes de iniciar o desenvolvimento das artes é entender quais tipos de peças serão feitas e quais os materiais usados, uma vez que tudo isso influencia nos custos e no resultado.
“Para mim o que funciona é trabalhar com uma paleta de poucas cores, até porque dependendo do tecido e do método usado, falando especificamente de merch, quanto mais colorido, mais caro e mais chances de dar algo errado”, explica. “Numa camiseta, por exemplo, eu não consigo fazer tantos detalhes porque na impressão não vai sair. Mas quando é um trabalho para capa de disco ou pôsteres tudo bem”.
A liberdade criativa também varia de projeto para projeto. Ao realizar toda a construção visual, como foi o caso do álbum The Knife do Goldfinger, as adaptações necessárias para viabilizar o conceito em diferentes formatos acontece de forma natural, levando em consideração as particularidades de cada peça.
Por isso, quanto mais envolvidas no processo de idealização, fabricação e distribuição, maiores são os retornos. O quê, de certa forma coloca o independente em uma posição de vantagem.
“Das bandas daqui, fiz muita coisa para o Dinamite Club, essa é uma outra banda que eles sempre sabem muito bem o que querem. O Peras [vocalista] tem as ideias mais doidas possíveis e sempre funciona”. Das colaborações recentes ele destaca as criações feitas para o Zander pensadas para o lançamento da loja própria.
The Antidote
Trabalhando exclusivamente como freelancer desde 2016, o designer não tem clientes fixos, mas conta que 95% dos projetos que desenvolve são com nomes com os quais já colaborou antes ou que chegam até ele por já conhecerem seu portfólio.
Apesar de uma taxa de retorno alta graças e um nome já estabelecido no mercado, algumas práticas do início da carreira ainda o acompanham. Entrar em contato diretamente com as bandas se colocando à disposição para trabalhos, é uma delas.
“Acontece bastante de você mandar para dez bandas e uma te responder, mas geralmente quem responde é porque ficou interessado e vai rolar”. E este foi exatamente o caso com o Simple Plan.
The Antidote, primeiro single dos canadenses desde 2019 tem os traços do brasileiro na arte de divulgação e as conversas que levaram a esse projeto começaram meses atrás, por meio de uma mensagem no Instagram da banda.
“Isso foi em junho ou julho, o Chuck me respondeu e disso marcamos um zoom. Na conversa ele disse que gostou muito do meu trabalho e que já estava procurando alguém com o meu estilo fazia tempo”.
Inicialmente as ideias desenvolvidas tinham a turnê com New Found Glory como foco, mas como a banda acabou por cancelar a participação devido à pandeia as conversas ficaram no ar.
“Até que pouco tempo atrás ele me mandou um e-mail perguntando se eu queria ajudar a desenvolver a capa do novo single deles”. Aos risos completa, “claro que eu topei, não tinha nem como negar”.
O entusiasmo com o projeto fica evidente a cada detalhe que Gut revela. “Nesse vai e vem de chamadas conversamos até mesmo por whatsapp. Certa vez ele estava dirigindo e chegou a estacionar o carro para dar atenção ao que estávamos discutindo”.
Para ilustrar a faixa que traz como tema a esperança em tempos difíceis, como os vividos ao longo da pandemia, um frasco de remédio cujas pílulas têm formato de coração. “A ideia do remédio veio deles, mas a gente não queria que ficasse algo muito pesado ou depressivo. Pensamos então em trazer esse contraste entre o lado negativo e positivo”.
A escolha por um design simples também vem de encontro com a sonoridade da canção. “É bem cativante, aquele pop-punk do jeito que eles sabem fazer bem enquanto a letra é um pouco mais introspectiva”.
Poder colocar o Simple Plan na lista de clientes representa um momento de ciclo completo para o paulista, que de 2005 a 2007 administrou o primeiro fã site brasileiro dedicado à banda.
“Acho que esse foi o trabalho mais importante da minha carreira, tanto pela banda que é a uma pela qual tenho um puta carinho, e que foi uma das primeiras que comecei a ouvir quando me enfiei nessa cena alternativa e que acompanho até hoje então foi uma puta realização quanto pela repercussão que tem sido a maior de todas até agora”.
E, para aqueles interessados em saber mais sobre design e ilustração ou mesmo entrar nesse mundo, o artista se coloca à disposição para trocar experiências e ensinamentos. Basta fazer o mesmo que ele em relação ao Simple Plan: mandar uma DM ou entrar em contato pelo site.