Pile of Love faz da nostalgia casa em álbum de estreia
Banda mergulha nas referências dos anos 1990 e abraça a dualidade do sentir
Por Michelly Souza
Vez ou outra, em meio ao caos, é possível encontrar uma calmaria. Talvez essa seja a forma mais próxima do real para descrever a estreia de Pile of Love. O quinteto formado por membros do State Champs, Drug Church, The Story So Far e Mobin’s Child, lançou em dezembro de 2021 o autointitulado álbum de estreia sem qualquer aviso prévio.
A banda que nasceu também de forma inesperada foi uma “saída para toda energia acumulada, sem pressões e sem pretensões”, como declarou Ryan Scott Graham em comunicado para a imprensa.
Há pouquíssimo do pop punk e hardcore com os quais fãs dessas bandas estão acostumados. A sonoridade das 10 faixas que compõem o disco traz um misto de rock alternativo dos anos 1990 com pitadas de grunge e uma dose de emocore.
São 31 minutos de melodias suaves, com as guitarras de Ryan e Nick Cogan cuidadosamente distorcidas para dar apenas um leve peso e ritmo às linhas de bateria marcadas de Chris Villeneuve que guiam o disco do começo ao fim enquanto o baixo de Kevin Geyer contrasta sutilmente os vocais de Morgan Foster.
Ouvir Pile Of Love é como sentir o agridoce da nostalgia. Há conforto, mas também uma certa melancolia.
Those Things abre o disco colocando todas as cartas de Pile of Love na mesa. A faixa brinca com as possibilidades que um reverb oferece, por vezes criando a impressão de que Morgan está cantando à uma certa distância do microfone. Os vocais ganham ainda mais textura pela marcação da bateria e fluidez das guitarras.
É fácil se deixar levar pela melodia otimista, mas ao prestar atenção na letra a carga emocional fica evidente.
Illusions illuminate what the people can see, all the people agree
That I don’t need to know, it seems like you’re showing the world your deleted scenes
No, I don’t need to know you can keep all those things to yourself that you want for me
A sequência com The Ride mantém a potência da percussão, deixando as guitarras mais leves e dando ao baixo a missão guiar a canção.
Uma composição sobre abraçar as oportunidades e viver o agora que desperta o senso de esperança por dias melhores. É o grupo recuperando o próprio eixo, aprendendo a lidar com o não saber, o não planejar e encontrar beleza nesse caminho desconhecido.
Nenhuma influência da década de 1990 é tão forte quanto em Apart of You, terceira faixa do álbum. Na época em que o sonho de qualquer banda era tocar em rádios populares e ter um vídeo na programação da MTV, essa seria a escolha certa.
Divertida e dançante, ela capta a essência daquele período ao fazer da letra uma busca por algo que faça o ouvinte se sentir vivo, que permita o sonhar de novo. A sonoridade até aqui evoca sensações de otimismo, mas Apart of You eleva cada nuance da amargura à esperança de forma deliciosamente delicada.
O contraponto vem logo em seguida com Like I’m Stone com o lembrete de que em tempos tão incertos, é impossível fugir da melancolia. A sacada fica por conta dos backing vocals, quase um “rindo para não chorar”. A sutileza com a qual o recurso é usado faz com que seja preciso ouvi-la algumas vezes para entender o quanto da dinâmica da música depende disso.
A vanishing civilization
Canceling future vacations
Complication stills elation
Left alone at high elevation
Sem a cantoria no estilo sing along a faixa se tornaria muito mais difícil de digerir pela quebra na linearidade apresentada até então.
Quebra essa que acontece com o interlúdio Gushing, uma lembrança de como o projeto começou: apenas como uma sessão musical entre amigos.
Seguimos então para Tranquilife, cuja intro composta por cordas e bateria ágeis é o flerte com o pop-punk que não poderia faltar vindo de um grupo como esse. Mas a explosão característica do gênero nunca chega, ao invés disso Pile of Love se encontra num mid-tempo.
A paz e tranquilidade da faixa de número 6 dá lugar ao cinismo e desesperança de Sacred Patience. É o grunge na sua essência mais pura. Abusando das distorções entre picos e momentos de baixa energia.
Unowed é o momento de Kevin Geyer brilhar. Uma declaração à liberdade na qual o groove do baixista vem em ondas que parecem nascer dentro de quem ouve a canção.
Já Color You In talvez seja a parte mais fraca do disco. Apenas nos minutos finais a canção mostra seu diferencial quando a bateria ganha mais textura, levando o ouvindo por um caminho e recalculando a rota logo em seguida. A sensação ao fim é de que algo estava em falta e que quando finalmente foi encontrado, não havia quantidade insuficiente para suprir a demanda.
Chegamos então ao encerramento do álbum com a balada What I’ll Be. Considerando a estrutura do disco a sequência é um pouco desconexa, mas levando em conta a despretensão em que o projeto foi criado não cabe exigir tamanha coerência na construção da tracklist ainda que seja possível apontar que mais uma música em mid-tempo talvez tornasse a transição um pouco mais natural.
De qualquer modo a simplicidade da voz e violão combinados com a composição reflexiva dá ainda mais peso para a nostalgia que conduz o trabalho. Enquanto a tristeza presente em outros momentos é balanceada por alguma positividade ou até mesmo arrogância, na despedida Pile of Love simplesmente aceita o sentimento e se deixa tomar conta.
Um disco que não deve agradar a todos os ouvidos e nem se propõe a isso. Pile of Love é resultado de uma perda de controle sobre os próprios planos e futuro por conta da pandemia e aceitação de que ao invés de lutar contra a corrente é preciso nadar com ela. É a história clássica de cinco amigos que se juntaram para brincar de fazer música, sem expectativas e preconcepções. Sem mesmo até a intensão de um dia convidar mais pessoas para jogo.
É um compilado de histórias e sentimentos sobre soltar amarras, abraçar a confusão, levantar perguntas e não procurar por respostas. É deixar o fluxo da vida seguir sem direção, sem se preocupar com a linha de chegada porque o caminho é que importa.
Para fãs de: Weezer e Foo Fighters — em faixas mais pops como Learn To Fly