1 ano sem Fah Figueiredo
Há 365 dias, músico deixava fãs, amigos, familiares e uma saudade que não passa
Skatista, tatuador, bodypiercer, compositor, cantor, pai e a definição de frontman no mais puro e genuíno significado da palavra. Fábio Figueiredo nasceu em 4 de outubro de 1986 em São Paulo e fez história no deathcore brasileiro, marcando a vida de milhares de pessoas através da música por quase uma década. Reuniu fãs e mais fãs ao seu redor, que infelizmente, há um ano, viram sua vida ser interrompida em decorrência da COVID-19, em 31 de janeiro de 2021.
Inúmeras pessoas perderam amigos, familiares e entes queridos ao longo da pandemia da COVID-19. Hoje, graças às aplicações das vacinas em janeiro do ano passado, a maior parte da população já se prepara para receber a terceira dose do imunizante (não deixe de se vacinar!), o que vem diminuindo cada vez mais o número de mortes e mostrando a importância de se proteger (viva o SUS!) e continuar mantendo os protocolos de segurança.
O mundo da música também perdeu grandes nomes durante a pandemia, pessoas que levavam alegria e felicidade através de sua arte, marcando de forma especial a vida de muitas pessoas. Fah Figueiredo, ex-vocalista da banda John Wayne, um dos nomes mais relevantes do metal/hardcore no Brasil, também foi vítima da COVID-19.
Fah faleceu no dia 31 de janeiro de 2021, devido a complicações de saúde após contrair o vírus. Além de ser um dos fundadores da John Wayne, era tatuador e acabou deixando a banda para seguir carreira no ramo da tatuagem, sem deixar de acompanhar o que rolava na cena e, eventualmente, marcar presença e participar de apresentações da John Wayne.
Em homenagem a esse gigante da música underground, o Downstage entrevistou os membros da John Wayne para contar para todos os leitores quem foi Fah Figueiredo. Sem dúvidas uma das pessoas mais queridas e importantes da cena underground brasileira.
Quem foi Fah antes da John Wayne?
A maioria das pessoas conheceram o Fah pelo seu trabalho na JW ou como tatuador, mas é importante conhecer o a história do artista antes de entrar para a banda e se tornar conhecido no underground. “Era um moleque “normal” entre a galerinha da escola, não esse cara que o pessoal conheceu depois do Rock in Rio”, conta o guitarrista Rogério, que conheceu Fah ainda na época da escola, já que tinham amigos em comum.
“Em termos de personalidade ele sempre foi o mesmo: zoeiro, engraçado, com opiniões muito fortes e contundentes, quando colocava um bagulho na cabeça ele era muito incisivo”, comenta Rogério sobre a personalidade do amigo, que sempre foi forte e determinada.
Ao entrar para a banda, o guitarrista teve contato com o lado músico do Fah, o qual ainda não conhecia e o surpreendeu. “Ele era animal, cheio de boas influências, gostava de música boa, levava bandeira do rap entre as influências, gostava muito de samba também, pagode… ele era um moleque da vida.”
Poucos sabem que antes de se jogar na música e no meio do ramo da tatuagem/piercing, Fah trabalhou em metalúrgica e até mesmo em fábrica de buzina. Ele também era ligado com a cultura do skate. “Nós somos de Perus, e complementando um pouco o que o Rogério falou, eu tenho uma lembrança do Fah da gente com 14 anos, quando a gente frequentava pista de skate”, complementa o baixista Denis.
Sua personalidade forte sempre foi uma característica marcante, o que viria a refletir em seu período na banda, mostrando o quanto era uma pessoa única e diferenciada.
Formação da John Wayne e os primeiros anos
Fah foi o fundador principal da John Wayne. Por ser muito fã de Underoath, o músico teve a ideia de montar uma banda que tocasse um metal mais moderno. Com a entrada de Rogério, começaram a atuar realmente como banda e a compor suas músicas.
Quem trazia as influências de música pesada na maioria das vezes era o próprio Fah. “Ele que gostava mais desse som desgraceira, mostrava Suicide Silence pra gente lá no estúdio. Eu falava que não dava pra ouvir aquilo não, e quando a gente foi ver todo mundo tava gostando dessas músicas”, relembra o guitarrista Junior.
Os integrantes lembram com muito carinho e nostalgia do começo da banda, onde ensaiavam no Estúdio 32, que pertencia ao Chileno, em Pirituba. Ao relembrar do início da JW, Junior conta que o Fah era um pouco inseguro nessa época “O Fah tinha um pouco de insegurança em berrar, e aí a gente tinha um amigo de rua que berrava mais grave, a gente tentou gravar uma música com dois vocais e não deu muito certo…”, conta o guitarrista.
Sem muita pretensão e tendo suas primeiras experiências com gravação, a banda seguiu seu ritmo e foi sem pressa. Quando começaram a lançar, a agenda de shows começou a crescer e a performance do Fah se mostrou um diferencial. “O show convencia pra caramba, isso tem uma parcela do Fah. a gente tocava com o que tinha nas mãos, mas a presença do cara era muito forte. Às vezes a gente tava mandando um instrumental meio médio e ele vinha com os vocais e engolia tudo”, conta Junior.
Sem recursos e com pouca grana, os primeiros ensaios em 2010 foram muito importantes para a John Wayne. Os músicos se encontravam depois do trabalho para ensaiar e se divertir, seguindo essa rotina por um ano, o que resultou na composição e gravação do primeiro EP.
“Esse primeiro EP nosso não tem aquela qualidade, mas foi o primeiro registro de ideias da banda, sem nenhum recurso, a gente não tinha muita noção. Talvez esse EP e o Tempestade são os trabalhos mais orgânicos da banda”, comenta Rogério sobre a importância dos primeiros trabalhos.
Boa parte das influências que permeiam os primeiros trampos da JW vem de bandas gringas que o Fah consumia na época. “Tivemos boas referências, quase todas vindas do Fah de bandas gringas que faziam esse som na época”, afirma Junior.
A importância das apresentações ao vivo foram cruciais para o começo do grupo, trazendo cada vez mais reconhecimento ao longo dos shows. A presença de palco da banda era um diferencial e a postura do Fah no palco era algo fora do comum na época.
“Isso vai de encontro com uma coisa que o juninho tinha falado que muito do que a banda conquistou principalmente no começo é a figura mesmo do Fah, ele tinha uma imagem muito dele, visual mesmo, da galera olhar e falar “quem é esse cara?”. Demorou pra gente se acostumar com isso”, comenta Rogério sobre a performance do vocalista nos shows.
Além de toda a habilidade, o vocalista também tinha um carisma absurdo que conquistava o público rapidamente nas apresentações. “O Fah tinha isso, ele podia fazer um show ruim, mas a galera ainda ia pra cima. a galera nem percebia, o carisma era tão maior que ele podia fazer a pior performance da vida dele”, relembra Rogério.
Pulando uns anos para frente, é importante ressaltar que o desempenho do Fah nos palcos só foi melhorando e se tornando algo contagiante em qualquer situação, até mesmo nos momentos de maior pressão, como foi o Rock in Rio.
“A ficha caiu mesmo quando a gente se apresentou no Rock in Rio, ali foi a prova de que ele sabia conduzir, tinha a plateia na mão”, conta Rogério sobre um dos momentos mais importantes na carreira da JW. “A gente achou que não ia ter ninguém pra assistir a gente lá, e aí o Fah conseguiu fazer aquilo: colocar todo mundo pra bater palma às duas da tarde, a galera levar ele. a ficha caiu ali, “não, o cara é realmente a definição.”
O Fah como pessoa: Amigo e companheiro de banda
Fah Figueiredo era uma pessoa muito querida não só dentro da banda como fora também. O músico tinha uma personalidade bem alto astral que acabava conquistando todos ao seu redor. “O fah era aquele cara que não tinha como você ficar puto com ele, ele era zoeiro e brincalhão até nas situações mais extremas que você pode imaginar. Ele era incrível”, relembra com carinho o guitarrista Rogério.
Além de carismático e brincalhão, o músico também era uma pessoa realista e pé no chão, mesmo em momentos cruciais como o lançamento do álbum Tempestade no Carioca Club. “…era receoso em algumas coisas, a gente sempre foi muito democrático na banda, a maioria determinava, mas ele sempre era muito receoso. Às vezes ele reclamava ou ficava com receio de algumas coisas que a gente tinha ambição”, conta Denis.
Os fãs também sentiam essa aura iluminada que o cantor tinha, sendo sempre uma figura muito adorada por todos que acompanhavam seu trabalho. “Aconteceu muito com a morte dele, pra quem só conhecia da internet, rolou uma comoção muito forte. o cara tinha algo que é difícil explicar, muito forte”, diz Junior sobre a reação do público a tragédia.
Fah foi um cara que sempre batalhou e sempre teve essa facilidade de cativar as pessoas. “Chamava atenção das coisas, muito natural. Era simplesmente ele, essencialmente iluminado. Apesar de todas as dificuldades possíveis que você pode imaginar, morar na periferia, trabalhar pra caramba”, comenta Denis.
Uma pessoa com a mente aberta e desprendido de cartilhas e rótulos quando o assunto era música. ” O Fah, de todos nós, ele era o mais cabeça aberta de ouvir tudo o que você imaginava. Às vezes tava tocando um rap no estúdio, um deathcore, um samba, ouvia tudo o que você imaginasse, por causa da família (o pai tinha um boteco), ele sabia tudo o que tava na moda” conta Rogério.
A saída de Fah da John Wayne
Em 8 de maio de 2018, a John Wayne publicou um comunicado oficial no Instagram informando a saída de Fah Figueiredo da formação. “Não houve brigas ou desavenças, apenas conflitos de agenda de trabalho e sendo assim, nós cin odecidimos que o melhor é seguir sem ele”, pontuou o grupo na época.
“Eu lembro bem claramente desse momento”, começa Rogério, durante o bate-papo. “Depois que o Leo [irmão do Junior e co-fundador do estúdio em que Fah trabalhava] foi pra Irlanda, ele assumiu o negócio de vez, sozinho. Ele passou não só a fazer os trabalhos de body piercer como tatuar também.”
Com os shows da John Wayne acontecendo geralmente aos sábados e domingos, dias de maior movimento num estúdio de tatuagem, a banda abriu mão da agenda para que Fah pudesse focar seu tempo, disposição e energia em seu negócio. “Meio que foi natural que ele tomasse essa decisão de não atrapalhar mais a agenda da banda”, relembra o guitarrista.
Junior complementa: “ficamos um ano com a banda parada, por aí.” O grupo entendeu a situação na época, visto que Fah aprendeu também a tatuar no estúdio MADS TATTOO, levando o dobro da rotina praticamente nos ombros. “[Mas] teve uma hora que eu falei que tava difícil e perguntei se ia mais um ano daquele jeito, se ia ter flexibilidade ou se isso ia acontecer direto… e ele falou que não ia aliviar tão cedo. Ele sentiu o clima pesado, então [a decisão] partiu dele.”
“Claro que não foi o melhor dos climas”, adiciona Rogério. A banda começou a buscar novos vocalistas em maio, com uma campanha nas redes sociais intitulada “Seja o novo vocalista da John Wayne“, em que pedia a opinião do público sobre os candidatos. Após uma acirrada final entre grandes nomes do hardcore nacional, Guilherme Chaves foi anunciado oficialmente em 3 de setembro de 2018, quatro meses após a saída de Fah.
“Ele sentiu falta, afinal, não tinha mais nem aquele showzinho a cada dois meses”, relembra Junior. “Mas depois ele conseguiu isso; Ele colava nos shows quando podia, quando o Gui entrou.”
“Ele continuou muito próximo, a gente se conhece há 20 anos, então todo mundo é amigo de adolescência”, complementa Denis. “Na medida do possível, cada um na sua correria, a gente ainda se trombava, se falava. Isso nunca parou.”
Sempre que a John Wayne subia nos palcos, no entanto, Fah Figueiredo encontrava-se na plateia. “A relação nunca se abalou por ele ter saído, a amizade se manteve. O legal é sair sem fechar portas, não foi por briga ou desentendimento. A vida é assim, não pode abalar o que foi construído”, finaliza Denis.
COVID-19 e o adeus a Fah Figueiredo
Com as vidas separadas e as rotinas corridas, dificilmente os integrantes da John Wayne ficavam sabendo de algo que Fah não publicasse nas redes sociais. “Soubemos que ele estava com COVID por conta do meu irmão”, começa Junior. “Quando ele saiu do hospital, começou a marcar tattoo, postar na internet e tal. Pegou, sarou, emagreceu… ele sempre teve problemas de diabetes. A gente ficou meio assustado, meio de olho.”
“Cheguei a mandar um áudio pra ele e ele falou que tava fraco, mas curado”, continua o guitarrista. “Num domingo, o Bruninho [vocal do Black Days] me ligou e me contou, foi muito pesado. Eu tava em casa e foi muito difícil.”
No entanto, para a banda, houve uma despedida. Curiosamente, um mês antes de Fah partir, a vida deu seus ajustes para que todos pudessem encontrá-lo por uma última vez. “Essa história tem muitas revelações pra mim como ser humano”, comenta Rogério, iniciando o assunto.
“A gente tava com um problema com a gravadora por conta de um contrato assinado que durava cinco anos e, quando deu março de 2020, decidimos rescindir o contrato. Porém por conta da pandemia, os cartórios fecharam. Durante um tempão a gente ficou com essa bucha, e em dezembro de 2020, nove ou dez meses depois, eu fui resolver”, conta o guitarrista. “Lembro claramente: foi uma quinta-feira que eu trabalhei até meio-dia e ia no centro resolver isso. Eu ia levar o contrato pro Denis e voltaria a trabalhar porque todo mundo ia reconhecer firma, porém o Denis sugeriu de eu ir primeiro no Fah.”
Rogério aceitou a sugestão e ligou para o ex-vocalista na mesma hora, avisando que ia passar no estúdio para que eles pudessem resolver a pendência. “Nem cheguei a mencionar o contrato”, relembra Rogério, rindo da memória. “Ficamos umas três horas trocando ideia. Ele tava feliz pra caramba porque tinha feito um espaço de estética pra esposa dele trabalhar com ele, ia abrir uma hamburgueria e tal. A gente falou de muita coisa, e por incrível que pareça, pouco da banda.”
Na semana seguinte da visita de Rogério ao estúdio de Fah, Junior e Edu também tiveram seu momento com o ex-colega de banda, indo até Perus, em São Paulo, para acompanhá-lo no cartório. “Um adendo é que o Edu nem precisava ir até o cartório, a firma dele era na Zona Sul e Perus era 30km de lá. Ele veio pra cá simplesmente porque queria vir”, adiciona o baixista Denis.
“E nesse cartório foram essas ideias também, da hamburgueria, aquelas histórias que quando o Fah começa a contar é parar e ouvir”, relembrou Junior. “Falou do filho dele, que gostava de cantar e foi muito doido porque foi muito próximo, parecia um lance de despedida mesmo.”
Denis também divide sua última memória: “Posteriormente, depois deles resolverem essa parada no cartório eu fui no estúdio, a gente também teve essa conversa. Peguei o contrato, fiz minha parte e o Edu pegou e finalizou”, compartilha, ao mesmo tempo em que reflete que “se o Rogério tivesse me dado o contrato, ele não teria ido falar com o Fah naquele dia. A gente tá falando de um tempo de duas semanas, tudo se desenrolou antes do dia 20 por conta do recesso da gravadora.”
Rogério finaliza: “a gente demorou meses pra falar desse assunto, então quando começamos a falar e ligar as conexões, foi muito doido.”
Fábio Figueiredo contraiu COVID-19 na virada de 2020 para 2021. Passou quinze dias internado no hospital, seguido por duas semanas de repouso, em casa. Seu falecimento veio logo depois, em 31 de janeiro. Há 365, Fah deixava fãs, amigos, admiradores, um legado completo na música e uma saudade que está longe de passar.