Após 4 anos, El Toro Fuerte reflete sobre hiato e anuncia volta aos palcos
Banda mineira tem primeiro show marcado para o Banda de Casinha em abril
Durante a década de 2010, a El Toro Fuerte foi um dos principais nomes do rock triste no Brasil. Com um som que passeava por midwest emo, música brasileira, indie rock e uma infinidade de outros elementos, a banda lançou dois álbuns que se tornaram clássicos no underground.
Em 2019, meses após o lançamento de Nossos Amigos e Lugares que Visitamos, o quarteto anunciou uma pausa por período indeterminado. Quatro anos depois, já em um outro contexto, eles voltam aos palcos para a 3ª edição do banda de casinha, em abril de 2024.
Conversamos com a banda em primeira mão para entender mais sobre a importância desse hiato e o que motivou o retorno. João Carvalho, Gabriel Martins, Fabio de Carvalho e Diego Soares ainda refletiram sobre suas trajetórias até aqui, o momento do Brasil, a cena atual e a possibilidade de desenhar futuros.
A importância da pausa nos trabalhos
“O mundo está doente”. Esse trecho da nota publicada pela El Toro Fuerte meses antes da pandemia, de certa forma, já prenunciava a crise sanitária, política e econômica em que o Brasil se encontraria em pouco tempo.
E não foi à toa. “Eu lembro de sentir que a coisa do governo Bolsonaro foi muito pesada, e todo mundo ficou um pouco pra baixo e perspectiva”, diz João. “A gente está, sem sombras de dúvidas, numa situação muito melhor agora.“
“O hiato foi uma decisão pensada para mitigar os efeitos do desgaste”, conta Diego. Apesar do tempo em que estiveram fora dos palcos, os quatro nunca deixaram de estar em contato, e reconhecem o quanto esse período foi essencial para a manutenção da banda.
“A gente tocava constantemente, viajava muito e teve dificuldades na produção do segundo disco, e coisas assim foram deixando a gente muito cansado”, e João completa: “a pandemia foi um ponto essencial pra ter sido um hiato tão longo assim”.
Ele reflete: “Quando eu olho para trás, parece que foi uma parada meio surreal, meio um sonho. Na época que a gente tocava, fazia turnês e apesar de toda treta, toda confusão que todo o processo de música tem, a gente tem muito carinho por esse momento, por esses anos da nossa vida.”
“A gente manteve contato”, continua, “e sempre tenta se encontrar, tomar uma cerveja e tal. Mas era a vontade de voltar a se ver musicalmente também.”
Foi um tempo essencial para organizar a mente e espairecer, mas eles nunca deixaram de sentir falta da banda reunida. “Ficou aquela saudade, né?”, diz Gabriel, “porque os rolês que a gente dava com a El Toro eram sempre muito legais, com a galera cantando junto.”
Diego ainda completa dizendo que a banda “teve uma sensibilidade muito grande de parar na hora certa, sempre deixando a porta aberta pra voltar”. Ele arremata: “ A gente estava precisando lembrar porque a gente começou a tocar, que foi o mais importante.”
O público da El Toro
Fabio é o integrante que mais tarde entrou na El Toro Fuerte, e segundo o próprio, ele pôde ter tanto uma visão interna quanto externa do grupo, o que fez com que os fãs sempre lhe chamassem a atenção. “Posso estar errado, mas o primeiro show que eu fiz foi em julho de 2016. Foi nosso primeiro show fora do estado [Minas Gerais]” recorda.
“Eu lembro da euforia de estar em um estado novo, e tinha um círculo de amigos e amigas que estavam ali também, parecia que a música estava ligando essas pessoas, né? Como se fosse a trilha sonora para aquelas amizades, aquele momento da vida”.
O grupo conquistou admiradores fervorosos em quase uma década de existência. Durante o tempo em que estiveram em pausa, essa base não arrefeceu – pelo contrário, mais pessoas pareceram se interessar. “Normalmente, as coisas do El Toro na internet, e acho que às vezes os meninos não têm muita dimensão do carinho do pessoal”, completa Diego.
“Uma coisa que me vem à cabeça agora: é muito doido pensar que são só 2 discos, né, velho? Caralho, é tão pouco assim, e foi tudo tão rápido e tem tanta banda começando.”, reflete João. “E pensar que tem gente que tem interesse em ver a gente ao vivo, e talvez nunca tenham visto. Mas foi tão pouco assim, e sem falsa modéstia mesmo, é só uma banda começando, encontrando o seu som, e fazendo tentativas.”
A obra da El Toro Fuerte
De fato, os mineiros têm apenas dois álbuns lançados (Um Tempo Lindo Para Estar Vivo e Nossos Amigos e Lugares que Visitamos), que aos ouvidos mais desavisados, após uma primeira audição, podem soar bastante peculiares. Mas são essas “tentativas” que fazem o trabalho da banda tão bonito, multifacetado, e ao mesmo tempo, coeso.
“Eu tenho falado bastante disso na terapia [risos]”, puxa João. “As músicas do Um tempo lindo, eu fiz quando eu tinha, sei lá, 17 ou 18 anos de idade, então a sensação de voltar a olhar para essas músicas é muito louca. É como se a gente estivesse vendo uma outra pessoa ou uma fase muito distante da vida. Pra mim é um processo de análise, de tipo ‘velho, como é que eu vou cantar isso?’”.
Continua: “E tem esse mesmo intervalo entre o Um Tempo Lindo e o NALV, é outra época da minha vida, no meu caso, né? Era uma outra cidade, outro lugar.”
Apesar disso, hoje, ele consegue encontrar paz em revisitar essas músicas. “É bonito, é tipo reencontrar uma série de coisas. E tem esse movimento de fazer as pazes com você mesmo, com quem a gente era, com as coisas que aconteceram, com a forma como a gente lidava com política, com as pessoas, com os nossos relacionamentos e tudo mais.”
Fabio acrescenta sua visão sob outra perspectiva: “Quando eu entrei na banda, eles já tinham disco lançado. Eu comecei a fazer músicas pensando na El Toro. A gente viajou para o nordeste para fazer alguns shows e lá já comecei a rascunhar umas coisas e mostrar para o pessoal, e que realmente vieram a fazer parte do disco [Nossos Amigos e Lugares que Visitamos].”
Sobre como foi esse processo de começar a compor para a banda, ele diz que “há uma vontade de catalisar essa energia das pessoas cantarem junto, fazer coisas que fosse possível cantar junto. Nem todas as músicas acabaram indo por esse caminho, mas era legal também pensar nisso.”
“Sempre foi uma loucura”, intervém João. “Claro que a gente tinha uma ideia do tipo de som que a gente queria fazer, mas sempre foi muito livre. Aí a gente sempre ia para estúdio para preparar os arranjos, mas eu acho que, como são muitas pessoas compondo, vem de situações muito diferentes. Eu acho que sempre era o caos da melhor forma possível.”
Para Gabriel, o som resulta tanto da criatividade de cada uma das peças quanto do processo coletivo. “A El Toro sempre foi assim desde o começo, sempre fomos criativos de chegar no estúdio, e fazer, e brincar, e pensar ‘isso aqui ficou legal, vamos gravar’, saca? A gente sempre fez isso. E depois que o Fabinho chegou, a gente começou a polir um pouquinho mais”.
“No meu caso, que componho as baterias, eu gosto muito de receber dos meninos. Eles criam algumas guias, algumas ideias e me mandam. E eu fico tirando em casa, brincando, às vezes, aí chego no estúdio e eu já estou com a bateria meio montada”. E ainda prevê: “Eu acho que vai funcionar assim para o próximo, né? Estamos brincando ainda com as músicas”.
A essa altura, João diz algo para encher de alegria os fãs da banda: “Tem que a gente tem que lançar mais mesmo, tem muito trabalho a ser feito!”
E completa: “Foi bom a gente ter parado, né? Penso de verdade nisso, que a gente conseguiu espairecer a cabeça, ficar é todo mundo bem, entendeu? E voltar mais saudável do que nunca. Eu pelo menos estou com a gama fodida de fazer um som, estou cheio de idéias, a mente borbulhando.”
Passado e presente da cena
Se hoje termos como “rock triste” e “revival emo” são pautas até para o mainstream, esse não foi exatamente o cenário que a El Toro Fuerte viveu até 2019. Durante a década passada, isso foi usado muitas vezes para diminuir o trabalho do quarteto.
“É uma coisa que me interessa pouco como mote para a vida, seguir um estilo, sabe? Não sei, eu começo a ficar meio querendo fazer birra, me colocavam em umas caixinhas, aí dava vontade de ficar mudando toda hora”, relembra Fabio.
“Porque acho que era isso que era também o interessante dessa cena. Essa mudança na época era uma novidade, e foi perdendo essa chama, porque o sentido de novidade também parou.”
Ele ainda fala sobre o efeito desse tipo de rótulo na discografia da banda: “É até uma coisa do segundo disco, que para algumas pessoas foi bom e para outras não, que é um disco um pouco mais eclético. As músicas variam bastante de tom e de estilo.”
Diego completa: “A gente encontrou um pouco de resistência dos nossos conterrâneos e veteranos. E quando a galera foi baixar a guarda, a gente já estava se virando sozinho. Hoje, sendo um pouco referência para essa geração, eu esperava que a gente fizesse o oposto, né? Então eu espero ser assim, uma referência antiga, mais agradável para o pessoal do que nós tivemos.”
Sobre o novo momento da cena, embora a El Toro conheça algumas bandas de antes do hiato, eles passaram um tempo menos envolvidos. Como revela Gabriel: “depois que a banda entrou em hiato, eu comecei a tocar com muita banda cover, lancei um disco com a banda autoral, mas eu meio que fiquei sem tempo para ouvir coisas novas, vocês acreditam?”
Mas isso não significa que eles não estão animados para fazer novos amigos e visitar novos lugares.“Vai ser descoberta! As bandas com que a gente vai tocar, eu ainda não tinha ouvido nenhuma delas. São novas pessoas aí que estão com a gente, que eu quero muito conhecer, porque acho que é juntando gente que isso vai acontecer mesmo.”
“Tem muita gente muito nova, o pessoal das bandas rodando já com a pegada mega da geração Z de trabalhar música na internet, muito diferente da gente”, pondera Diego. “É um negócio muito empolgante ver o pessoal mais novo fazendo as coisas completamente diferente do que a gente precisou fazer para aparecer um pouco, sabe?”
João compartilha do mesmo entusiasmo: “A gente viu que as pessoas continuaram a fazer a parada, né? É claro que não é a mesma coisa, mas a parada foi evoluindo. Tivemos contato com bandas que fazem, eu acho tipo emo ou rock triste, inclusive muito mais trabalhado do que a gente fazia.”
Ele segue: “É muito legal ver que processos se reverberam e eles continuam. E eles ganham novas caras. Porque você vira pro outro lado, mas as coisas continuam andando. O mundo é muito maior do que a gente, é bem bonito ver isso.”
A hora de voltar e o que esperar do futuro
“A oportunidade de tocar no banda de casinha foi um grande divisor pra gente voltar”, revela Diego. “Estou há 4 anos parado, e a gente tinha umas essa dúvida se ia conseguir segurar esse público profundo que a gente tem em São Paulo, que é uma galera boa, mas eu acho que vai dar bom. Mas a gente não tem nada novo já pronto, né?”
Ele segue: “O próximo passo natural, depois de apresentar esse retorno, seria produzir. Eu acredito que todo mundo quer fazer.”
Falar da carreira é motivo de muito orgulho para a El Toro Fuerte, mas o que mais chama a atenção é a felicidade do quarteto em estar de volta. Gabriel resume bem o entusiasmo da banda: “Vai ser um puta desafio, mas eu estou bem animado para ver como é que isso vai acontecer. Eu gosto muito de conviver com os meninos, eu vejo que me faz muito bem, então eu quero estar perto deles. Eu quero estar fazendo coisas juntos mesmo.”
Fabio relembra como era a experiência da estrada. “Era muito divertido ir para os shows. A gente foi para o nordeste, a gente foi para São Paulo, para o Rio, teve o Bananada, que foi outra experiência, tipo assim, absurda”.
Ele pondera: “Acho que boa parte do que eu organizei a minha vida depois disso foi para continuar tendo a sensação de que eu estou vivendo na estrada, sabe? O som que a gente faz é sobre isso também um pouco, desde o NALV. Tocar, ficar tocando, tocar muito, viajar, quase uma desculpa para conhecer o país e fazer mais coisas, e conhecer mais gente. Acho que é daí que a gente parte, talvez.”
“No momento a gente tá ensaiando para fazer esse show, mas a gente não pode entrar num estúdio que já começa a fazer outras coisas”, confessa João”, “então já começamos umas brincadeirinhas, aí eu acho que o futuro é brilhante pra gente.”
“A gente tem um grupo de WhatsApp, e desde que voltou a conversar, começou a jogar umas coisas assim: trechos de músicas (que bom que é só um dos WhatsApp, porque é muita coisa completamente diferente da outra, tipo, MPB, emo, o metal pesado, eletrónico e sei lá, a gente faz muita coisa diferente).”
Ele completa: “Dizer qualquer coisa sobre o que a gente vai fazer agora seria demais, mas a gente está feliz com as possibilidades, a ideia de ter todas as possibilidades do mundo.”
E o que esperar da El Toro Fuerte nesse primeiro show? Diego tem a resposta: “Uma banda que se mas que vai se divertir mais ao vivo.”
Ele completa dizendo: “Os últimos shows antes da gente parar foram os mais azeitados. Teve um custo emocional da gente dar esse gás de tocar melhor, que eu acho que hoje não tem. O pessoal pode esperar um show mais redondo.”
“A gente tá em condições de colocar um show do nível dos melhores shows com 1/5 do estresse, sabe? A primeira vez que eu fui pra São Paulo foi por causa da El Toro, e eu fiquei com aquela sensação de fazer algo muito legal, sabe? Eu estou com essa sensação do primeiro show de novo.”
Os primeiros shows da El Toro Fuerte após 4 anos de hiato ocorrem na terceira edição do banda de casinha, nos dias 13 e 14 de abril na Casa Algohits. Além da tão esperada volta, o evento também terá shows das bandas Personas, Continue, capote, Labrador e glover.
Ingressos disponíveis pelo Sympla. Para saber mais, acompanhe o @bandadecasinha no Instagram!