Metade de Mim compartilha sentimentos à flor da pele em seu novo EP

Depois de Tudo Que Eu Passei é um trabalho cheio de sentimento e coloca a banda como um dos nomes mais promissores da cena atual.

Arte: Giulia Assis / Downstage

A cena underground está vivendo um momento muito frutífero, onde bandas novas surgem com atitude e personalidade de quem veio para ficar. Esse é o caso da banda Metade de Mim, com seus quase 4 anos de estrada, mas com uma muita experiência acumulada, vinda de outros projetos e anos de vivência na cena.

Foto: Renan Bossi

O Metade de Mim lançou seus dois primeiros singles em 2019, e já no ano seguinte entraram em estúdio para a gravação do seu primeiro EP, o Volte, a Chuva Acabou, mostrando que a banda tinha muito a dizer e a mostrar através do seu som. E agora, em 2022, a banda lança seu segundo EP intitulado Depois de Tudo Que Eu Passei.

Em entrevista exclusiva ao Downstage, a Metade de Mim contou como foi a experiência de compor e produzir o EP.

Sonoridade, referências e o processo de composição

É possível notar as diferenças entre o primeiro EP lançado pelo Metade de Mim, Volte, a Chuva Acabou (2020), para seu mais novo trabalho, assim como fica evidente todo o cuidado e toda a qualidade presente em ambos. “Eu acho que eles são trampos bem diferentes, mas ao mesmo tempo foram concebidos meio que da mesma forma”, comentao vocalista Renan Sales.

Foto: Renan Bossi

No primeiro EP, o clima era mais positivo e pra cima, já em Depois de Tudo Que Eu Passei, a vibe é mais down e as letras são mais fortes. Essa abordagem mais introspectiva é um reflexo da pandemia e do período de isolamento social, sendo algo que fica implícito no título da obra.

“Muito do que as letras do Renan e do que é esse momento, retrata o tempo que a gente ficou mesmo em casa assim. O nome do EP ‘Depois de Tudo Que Eu Passei’ é que nem terminamos de passar ainda né?!”, explica o guitarrista Felipe Angelim. “É aquele grito dentro de casa, literalmente assim.” Tudo acabou sendo um processo muito natural, onde a banda foi absorvendo os sentimentos vividos naquele momento e transformando em canções.

Mesmo com uma bagagem musical diferente, onde alguns integrantes tocaram e ainda tocam em bandas de hardcore com um som mais agressivo, os músicos sempre tiveram essa forte conexão com o emo e outras sonoridades mais amena.

Fazer um som que saísse do coração sempre foi a ideia do grupo, sem se preocupar em soar ou se encaixar em algum rótulo musical específico, apenas transpondo os sentimentos da maneira mais bela e sincera possível através das músicas.

A inspiração para as letras vem principalmente das vivências e sentimentos do vocalista Renan Sales, além de adaptar em canções experiências de pessoas próximas. O vocalista conta que busca referências nos textos de sua esposa também, atrelando trechos do que ela escreve a suas composições.

Foto: Renan Bossi

“A minha esposa ela gosta muito de escrever, só que tipo, ela não tem ligação nenhuma com música ou com o que a gente faz”, explica o vocalista. “E aí as vezes eu pego isso e tipo leio, e procuro tipo coisas que eu me identifico, pra eu conseguir tipo continuar aquilo sabe? Então eu não pego tipo o texto dela e transformo na música, as vezes me ajuda a achar uma frases que eu jamais pensaria.”

As composições geralmente partiam de um riff de guitarra, dando o start da música para depois todos irem lapidando tudo até chegar no conceito final das canções.

Mixagem, masterização e parte gráfica do EP

Depois de Tudo Que Eu Passei foi contou com a produção de Gabriel Arbex e masterização e mixagem de Gabriel Zander, o que agregou ainda ao projeto. O grupo já havia trabalhado com Gabriel Zander em seu EP anterior, mas dessa vez o processo foi diferente, sendo ainda mais intenso e participativo.

“Dessa vez a gente queria assim, até como experiência de banda tipo, ter uma produção, alguém tipo acompanhando o processo até um pouco antes de entrar no estúdio. E foi aí que a gente chamou o Arbex pra participar”, relembra Renan.

Foto: Renan Bossi

“A gente achou que ele acrescentou muito, mas as vezes é sutil, tipo assim, não necessariamente o cara mudou a música, mas ele ajudou a gente a se encontrar, ajudou a gente a se organizar dentro do estúdio”, conta o vocalista sobre a experiência de trabalhar com Arbex no EP.

A banda gostou muito de trabalhar com Gabriel Zander no EP anterior e por esse motivo decidiram manter a masterização e mixagem nas mãos dele. O Metade de Mim se sentiu completamente a vontade e satisfeitos com o trabalho e o profissionalismo de ambos, que tiveram um cuidado primoroso com as músicas do EP, tornando toda a experiência muito boa.

Sem dúvidas, a parte gráfica do projeto também merece destaque. O trabalho feito por Marcelo Delamanha é de encher os olhos e transmite muito bem a mensagem presente nas músicas, algo que ficou evidente na capa do single Você Não Vale O Trampo Que Dá.

Arte: Marcelo Delamanha

A capa que mostra duas cabeças de martelo batendo no mesmo prego, capta com exatidão a mensagem presente na letra e principalmente no título da canção.

Marcelo é amigo de longa data da banda, então foi natural a parceria no desenvolvimento da identidade visual do EP. “Vamos fazer algo juntos assim, eu tenho a música e eu queria que você ouvisse e trouxesse o seu ponto de vista sobre isso” comenta Felipe, sobre dar total liberdade para o artista trabalhar. “Tem que ser autoral das duas partes.”

Os músicos comentam que preferem deixar o ilustrador a vontade, não interferindo no processo para que ele possa ter uma interpretação pessoal sobre a obra. “A gente não é artista ilustrador e tal. O cara ele é tipo…a gente tá chamando ele porque a gente acha ele muito foda no que ele faz, então nada melhor do que não poluir a mente dele com a noção visão de trabalho de faculdade tá ligado?! (risos) E deixar ele expor a verdade dele ali”, complementa Renan.

A banda tem essa preocupação em transmitir a mensagem da música através da arte gráfica, mas sempre deixando isso nas mãos do artista. Isso mostra que o trabalho do Metade de Mim é algo completo e bem amarrado, estendendo a experiência do ouvinte além da música.

Depois de Tudo Que Eu Passei

Arte: Marcelo Delamanha

Depois de Tudo Que Eu Passei é a continuidade de um trabalho bem afirmado, mas que soa um pouco mais agridoce que seus antecessores. O EP mostra um outro lado da banda, com músicas introspectivas e letras um pouco mais fortes, e mesmo que não tenha sido intencional, mais tristes.

Repleto de sentimentos e significados bem à flor da pele, o trabalho é como um reflexo da realidade conturbada e banhada no caos solitário de uma pandemia mundial, onde o mundo pareceu existir mais na nossa janela do que ao alcance das nossas mãos.

Abrindo o EP, a faixa Mais Uma Noite no Sofá nos entrega o cartão de visita do que está por vir nas outras músicas. Com um instrumental cativante e intenso, as vozes tem todo um espaço para brilhar e carregar todo o peso sentimental da canção.

Ficar sem sair de casa por tanto tempo acabou potencializando a ansiedade, e essa música fala sobre isso. É sobre lidar com ela, sobre estar sozinho em casa durante um período que quebrou a rotina da vida, onde o bombardeio de negatividade, somado a ansiedade, fazia reféns aprisionados dentro das próprias mentes.

Foto: Renan Bossi

Em Sem Ar, a banda dá uma desacelerada, como quando em uma viagem se tira o pé do acelerador para apreciar um pouco a vista. Com uma essência mais intimista, a música traz o ouvinte para perto, em um desabafo musicado sobre medo e insegurança. É sobre como lidar com as coisas da vida depois de perder a autoconfiança em nossas escolhas e estar cansado o suficiente de tudo isso.

Você Não Vale O Trampo Que Dá é talvez a melodia mais empolgante do EP, com uma música fácil de se identificar, afinal todo mundo conhece alguém que não vale o trabalho que dá para conseguir uma convivência pacífica.

Com um refrão que fica facilmente na cabeça, a letra aborda o sentimento de frustração de uma pessoa que em uma relação, seja de amizade, romance ou qualquer outra interação social, cansa de insistir em uma pessoa “difícil”, mas não de uma forma negativa, já que uma relação que acaba não é necessariamente uma relação fracassada, apenas uma relação de sucesso enquanto se manteve viva.

A Saudade vem pra fechar o EP com chave de ouro, porém, de uma forma poeticamente pesada. A música aborda a saudade de quem partiu e como é difícil lidar com essa partida. Em um tempo onde é comum ficar à mercê da ansiedade, é trabalhoso lidar com as consequências do que alguns chamam de “destino”, e a saudade é tudo o que nos resta para aquecer o coração.

A leveza na voz para cantar o peso da vida faz de Depois de Tudo Que Eu Passei um lançamento sensacional e imperdível, de uma banda que deixa todos os seus sentimentos escancarados em músicas bem trabalhadas e que soam extremamente bem. Com mais um trabalho sólido, a banda Metade de Mim só reafirma que veio para ficar e conquistar cada vez mais espaço numa cena que, definitivamente, está mais que preparada para recebê-la de braços, corações e ouvidos abertos.

Planos para 2022

Com o lançamento de Depois de Tudo Que Eu Passei, a banda espera atingir o maior número de pessoas com seu novo trabalho e agregar novos ouvintes. A banda também pretende se apresentar ao vivo assim que a situação estiver favorável para os shows, e já adianta que estão compondo músicas novas.

“A gente já tem mais alguns sons em composição, tipo já meio que em andamento. Como a gente é ansioso pra caramba (risos) a gente fala toda semana ‘vamo grava, vamo grava, vamo grava’ (risos)”, se diverte Renan ao contar sobre a ansiedade em gravar o novo material. A banda pretende lançar mais um single até o meio do ano, então os fãs podem se animar e ficar atentos, pois o Metade de Mim está animado para lançar coisas novas e nos presentear com muita música boa.