O camaleônico Sebastianismos e Tóxico: a trilha perfeita para 2021

Inspirado pelas angústias da pandemia e em num retorno para dentro de si, Sebastian faz as pazes com o punk em seu segundo álbum

Foto: Rodrigo Gianesi Arte: Inaê Brandão / Downstage

Tóxico é o nome do segundo álbum de Sebastianismos, o projeto solo do também conhecido Sebastian, vocalista da Francisco, el Hombre. O disco é descrito como um produto direto da pandemia de COVID-19 no Brasil e no mundo. “No momento em que passo a perceber a efemeridade da vida, o quão breve isso tudo é e como a gente não leva nada pra frente, me emancipei da pressão dos números e decidi fazer a coisa mais autenticamente ‘Eu’ possível”, revelou o músico em entrevista exclusiva ao Downstage.

Depois de um primeiro álbum de ritmos pop e latinos, que serviu mais como um “expurgo” de canções do que como um trabalho com identidade definida, Tóxico vem de uma concepção introspectiva e com objetivo de resgate de identidade. “O meu primeiro disco reflete essa pluralidade que eu sou. Que é de música ‘pop putaria até gritaria anti-sistêmica”, começa Sebastian. “Só que tendo feito isso como exercício de botar pra fora, eu percebi que deixou todo mundo um pouco confuso […] às vezes é importante saber quais são suas bandeiras, seus movimentos; para poder se comunicar com o seu público — eu acredito que eu deixei meu público extremamente confuso porque eu também estava confuso.”

(Imagem: Divulgação)

Lançado no último dia 24, Tóxico conta com participações de nomes consolidados na música brasileira como Lucas Silveira (Fresno), Badaui (CPM22), Dani Weks (NxZero), além de novidades como Helen Malfeitona, e Faustino. O objetivo de Sebastian era justamente esse: unir diferentes momentos da música nacional em seu disco. “Minha ideia era essa, plantar esse movimento entre diversas cenas”, divide o músico com o Downstage. “Pegar a galera que tem o poder e o hype de ontem, juntar com a galera de hoje e a galera de amanhã; pegar a galera que é de São Paulo e levar a galera que é de fora do Estado. É uma missão difícil de se fazer só com 10, 11 músicas, mas era a ideia”.

Com a adolescência atravessada pelo punk rock, Sebastian viu em Tóxico a possibilidade de se reaproximar do gênero que ajudou a formar muitos dos seus pensamentos e do qual se afastou ao perceber as incoerências contidas na cena. “Conforme eu fui crescendo, fui recolhido no meio do punk rock, da contracultura”, relembra. “Isso foi extremamente importante pra mim porque orientou muito o pensamento e foi fundamental pra eu ser quem eu sou.”

“O ‘Faça Você Mesmo’, as questões de questionamento do status quo, a raiva do sistema – e aquilo que a gente faz com essa raiva – a construção de espaços que nos protegem…”, reflete o artista desse momento de instrospecção criativa. “Só quando eu comecei a crescer que eu comecei a ver quanto racismo tinha nesse meio [referindo-se a um movimento majoritariamente branco] e machismo, sexismo, homofobia. Você só era acolhido se fosse um homem branco hétero e cisgênero.”

(Foto: Rodrigo Gianesi)

Foi só em 2019, em uma turnê da Francisco, el Hombre junto da Dead Fish, que Sebastian se permitiu fazer as pazes com o punk rock, a partir de uma conversa com Rodrigo (vocalista da Dead Fish). ”O Rodrigo me falou: ‘velho, depois de 30 anos numa banda nesse meio, você não tá mais tocando pra uma cena. Você é a cena. A gente é essa cena. A gente constrói isso em nós mesmos. Eu sou a cena. Então se a cena tá zoada cabe a mim corrigir isso tudo que tá errado e dar o exemplo’ […] e não tem jeito de transformar isso jogando pedra, tem que transformar de dentro pra fora”, revelou o músico. “Então eu decidi assumir de fato que eu sou roqueiro, sempre fui. […] E se a cena é tóxica, cabe a mim e a nós transformá-la e fazer dela aquilo que a gente gostaria de ver.” Foi então nesse momento que foi plantada a primeira semente do que viria a se tornar o Tóxico.

Tóxico: a trilha sonora perfeita para 2021

O álbum conta com 11 faixas que buscam transmitir a angústia de Sebastian durante o período de confinamento nos anos de 2020 e 2021. “Dá vontade de explodir, então é Bomba Relógio, dá vontade de ficar trancado no quarto fumando maconha e assistindo desenho, e tem uma música que chama Hoje Não Quero Ver Ninguém”, reflete o cantor num faixa a faixa. “Então parte é raiva, parte é vontade de sumir; mas ao mesmo tempo é uma saudade brutal das pessoas que nos fazem tão bem”, desabafa.

“Temos as duas faixas do começo e do final do disco que são Não Mudaria Nada, que é a saudade dos meus amigos e dos rolês, e a última faixa que é Indestrutível, que é sobre como pode vir um monte de coisa mas no final das contas nós estamos aqui vivendo no dia a dia e sendo indestrutíveis”, conta.

Para além de um reflexo dos efeitos da pandemia no próprio Sebastian, o álbum já começa a gerar relatos emocionantes. “Jogo de Azar é uma música que eu fiz pra um amigo quando ele faleceu. E eu recebi um relato de que uma pessoa tinha perdido um amigo, que havia falecido de COVID, e essa música era a música que eles tinham cantado juntos nessa última semana”, relembra o cantor.

Quando questionado sobre o revival do pop punk e emo no mundo para o mainstream, Sebastian faz questão de analisar o movimento com um olhar racional: “A gente tem que prestar atenção pra onde que o pop punk tá voltando e quem está fazendo o pop punk e o emo voltarem”, começa. “O pop punk tá voltando nos Estados Unidos e na Inglaterra porque a indústria musical, que tá baseada nesses países, ta injetando muito dinheiro nessa galera. Isso porque [ela] identificou que tem todo um nicho de pessoas que nos últimos anos têm se sentido desamparadas de cena e, portanto, são possíveis consumidores.”

Ele complementa: “Com tudo isso, com todo esse dinheiro sendo injetado nessa galera, querendo ou não, levanta certos movimentos que respingam aqui e nos influenciam, nos inspiram, e que nos dão às vezes um empurrão que em outros momentos a gente não tinha recebido.”

(Foto: Rodrigo Gianesi)

O olhar crítico do músico à apropriação da estética pop punk pela indústria hegemônica se estende às comparações que recebe com Machine Gun Kelly, cujo último disco, Tickets to my Downfall, foi um trabalho que nasceu 100% mergulhado no pop punk quando o ex-rapper notou a crescente onda do gênero voltando para o mainstream — e mesmo com o timing, Sebastian esclarece que foi tudo coincidência. “Eu lembro que eu tava fazendo meu disco e aí eu descobri que ele tava começando a lançar uns punk rock”, começa. “Críticas à parte é muito bem feito. É um produto de indústria musical […] foi feito com milhões de dólares, dos melhores investimentos, dos melhores produtores e melhores músicos. Então lógico que o produto Machine Gun Kelly é incrível, é maravilhoso, é sensacional, mas é um produto.”

Futuro

Questionado sobre as expectativas no novo álbum, Sebastian não esconde a empolgação: “Desse disco eu nem sei o que esperar, pra ser muito sincero”, começa. “Foi um trabalho que, pra mim, foi um sucesso de existir. Pra fazer esse disco eu me emancipei de uma pressão que todo artista hoje em dia tem com números”, refere o músico aos charts e quantidade de reproduções numa era tomada pelos streamings de música.

No entanto, a faixa Cicatriza, que antecipou o lançamento de Tóxico e ainda conta com a colaboração da banda Fresno, atingiu a marca de 100 mil plays em apenas uma semana. Sobre isso, o cantor se mostra orgulhoso.

“Me fez pensar que ser mais ‘nós mesmos’ artisticamente – apesar do sistema dizer que isso não vai vender – é a coisa mais vendável que a gente pode ser”, reflete Sebastianismos. “Então, a coisa mais anti sistêmica que você pode fazer – e que ao mesmo tempo vai ser agraciada pelo sistema – é ser você mesmo. Isso é extremamente libertador. Eu não espero nada desse disco porque ele já nasceu um sucesso, mas vendo como ele está repercutindo com as pessoas, em como ele tá ecoando, confesso que não consigo ficar com expectativas baixas.”