365 Dias de Consciência Negra

Rock é coisa de preto

Arte: Carol Moraes / Downstage

Por Chaene Fernando da Gama

O ano era 1992 ou 1993. Bom, na época eu tinha por volta de 8 anos e é dessa época que vem a primeira referência (a primeira lembrança que me recordo) de ver e entender o que era esse tal de Rock ‘n’ roll e a personificação dele.

Era um clip do Guns N’ RosesEstranged e lá estava Axl Rose e seus Gunners, golfinhos, guitarras e tudo mais, ali era o auge da dita banda mais perigosa do planeta.

Lembro de ser impactado por aquilo, meus pais sempre ouviram música boa independente de estilo. Senhor Ulices (O Montanha) trabalhou como roadie, carregador de som, na produção e nos bastidores de eventos a vida toda, então sempre tivemos muitas referências e músicos incríveis ao nosso redor; seguir pelo caminho da música era inevitável.

Minha mãe, Dona Guiomar, por sua vez sempre trabalhou muito e lutou muito para nos colocar no Conservatório de Música da cidade — pausa para agradecer meus pais, por tudo sempre!

Enfim, após esse período meu irmão e eu fomos conhecendo outras coisas, outras bandas, Nirvana, Metallica, Red Hot Chili Peppers dentre outras também — e é lógico que as nacionais não ficavam de fora. No meu caso, especificamente Legião Urbana e quase todas as bandas da explosão do rock nacional nos anos 80.

Onde quero chegar? 

Para cada 30 integrantes dessas bandas que eu ouvia, um era preto…

Quando comecei mesmo a tocar, as pessoas sempre me questionavam por eu estar em uma banda de rock. Era a mesma conversa racista: “mas preto gosta de rock?”, “pra mim você gostava de samba ou pagode” (não tenho nada contra), “achei que você gostava de reggae!” (sim gosto).

Na cabeça das pessoas, ao longo do tempo, o racismo foi criando essa imagem de que o biótipo do dito “Rockstar” era um homem branco de cabelos lisos, olho claro e tão somente isso.

Chaene Fernando da Gama no Hammer Fest, em Curitiba (Foto por Paloma Ferroli)

Vamos desmontar essa perspectiva em um parágrafo: primeiro que o rock é uma fusão de estilos que se originaram na música africana (aliás, a maioria dos estilos musicais vem da cultura negra): Blues, gospel… tudo isso começou com os afro-americanos ainda nas décadas de 20 ou 30; aliás, muito antes, quando os escravos do sul dos Estados Unidos entoavam seus cantos e lamentos passando mensagens através de melodias belíssimas e ritmadas.

Sister Rosetta Tharpe em 1938 (Imagem: WikiCommons)

Há relatos de que ao colocar os trilhos das linhas de trem, eles cantavam e batiam seus martelos percurssivamente enquanto entoavam melodias belíssimas e sofridas. Assim nasceu o soul, que foi incorporado ao blues. Sister Rosetta era uma mulher negra, e foi uma das primeiras pessoas a tocar guitarra com distorção, ela sim é considerada a mãe do rock, e muita gente não sabe, antes de B.B King, Chuck Berry (também negros), antes de Elvis que bebeu da fonte da música e cultura negra, acabando por ser chamado de o “Rei do Rock”…

Mais uma vez, não é sobre o talento de Elvis é sobre o quanto a música, a cultura e a história negra eram massacradas e perseguidas e que foi preciso um homem branco aparecer e usurpar tudo isso para que passasse a ser mais aceito; não ser mais “do demônio”, e começar a ser consumido massivamente.

Racismo estrutural que fala, né?

Existem diversas formas de racismo e sim, ele está presente em todos os âmbitos, lugares e espaços da sociedade. Faz parte infelizmente do nosso cotidiano.

Lido com ele desde o começo, desde que me entendo por gente. Olhando pra trás, na escola os “amiguinhos” sempre reproduziram aquilo que seus pais falavam. Sim, porque uma criança não nasce racista, ela se torna mediante a influência de suas primeiras referências: os pais. Eles são reflexo de seus progenitores,  então pais racistas criaram crianças racistas. É lógico que ao crescer, um individuo passa a ter seus próprios pensamentos e noção do que é certo ou errado, o problema é que alguns continuaram sendo escrotos até o fim.

Voltando aqui ao rock e a pretitude, os anos foram passando e você começa a ouvir outros sons, conhecer novas bandas e entender mais sobre o mundo.

Tínhamos uma banda cover, na época Metal Machine e só tocávamos covers de Sepultura, Metallica, System of a Down, Slipknot etc. A banda tinha notoriedade até que um dia o Charles cansou, o que gerou muita discussão.

Ele queria fazer um som autoral, porque faltavam bandas pretas que nos representassem naquela época e já que não tinha, ele quis ser essa representatividade.

Daí nasceu o Project Black Pantera em 2014: despretensioso, apenas três caras querendo falar da vida através de suas perspectivas como homens pretos.

As coisas foram fluindo de uma maneira rápida e crescente, parece que o mundo precisava disso. Pelo menos a comunidade ao nosso redor. 

Black Pantera no Primavera Sound (Foto: Lucas Shtorache)

Nós passamos a entender, descobrir e estudar mais sobre a história de nossos ancestrais e de nosso povo, pois era necessário que o discurso fosse coeso, o nome da banda é uma homenagem ao partido dos Panteras Negras. E realmente a educação no Brasil não nos ensina que a África é um continente gigante e rico, e diverso em cultura e sabedoria.

O foco quando se fala de África é a questão da escravidão (que sim, é necessário falar e discutir, afinal de contas a herança desse período é o racismo brutal), mas existe muita história e muita coisa que não contam, a gente só aprende correndo atrás.

A banda nos proporcionou isso, nos permitiu tirar essa venda dos olhos, essa visão euro centrista que pinta tudo de branco.

A partir desse momento, a banda mudou e se apoderou dessa representatividade. Foi então que as músicas começaram a vir mais furiosas e contundentes, focadas e aliadas à pauta antirracista e “anti” qualquer tipo de preconceito.

Isso trouxe e têm trazido cada vez mais pessoas para nosso redor. Pessoas pretas principalmente, que sempre ouviram e gostaram de rock, mas acabaram deixando a cena de lado por não se sentirem, acolhidas ou representadas. Ver essas pessoas falarem conosco e dizer que finalmente se encontraram através de nos é surreal, mais do que isso, vê-las nos shows é algo que nós da muito orgulho.

O mundo ainda é sim um lugar racista, mas temos conseguido levar nosso som e luta para vários lugares, amplificando nossas vozes e gritos em todos os lugares que tocamos, seja no Rock in Rio, ou em um Pub no interior, nós somos quem somos. 

Deixo aqui várias bandas para vocês entenderem e saberem as influências do Black Pantera

  • Living Colour
  • Devotos 
  • Bad Brains
  • Inocentes
  • Death
  • Fishbone
  • Rage Against The Machine
  • Racionais 
  • 2pac
  • Kendrick Lamar
  • Skindread
  • Sister Rosetta
  • Elza Soares
  • Punho De Mahin
Black Pantera no Primavera Sound (Foto: Lucas Shtorache)

Gratidão desde já pelo espaço família, máximo respeito! O Black Pantera está em todas as plataformas de streaming do mundo e também nas redes sociais.

Sejam ANTIRRACISTAS e combatam todo tipo de PRECONCEITO. Exijam de seus governantes políticas afirmativas que nos ajudem a diminuir a desigualdade causada pela MÁQUINA DE MOER PRETOS(AS) CHAMADA RACISMO ESTRUTURAL.

Correr aqui para que mais bandas pretas, femininas, feministas, indígenas, LGBTQIA+ sejam regras não exceções. 

CONSCIÊNCIA NEGRA TODOS OS DIAS.