Como uma mansão assombrada mudou a história do My Chemical Romance

Durante a composição do The Black Parade, a banda passou dois meses isolada na Paramour Mansion e experenciou eventos sobrenaturais

Arte: Isadora Espinosa / Downstage

Em 2022, a revista Rolling Stone divulgou uma lista com os 100 melhores álbuns conceituais de todos os tempos, e colocou The Black Parade do My Chemical Romance em oitavo lugar, à frente até mesmo de obras icônicas dos Beatles, Frank Sinatra e Beyoncé

Lançada em 2006, a ópera-rock do MCR demonstrou novas facetas da banda e consolidou o seu sucesso. Durante sua composição e pré-produção, enquanto o quinteto de New Jersey mirava em referências de artistas como Pink Floyd, Queen e David Bowie, a atmosfera do álbum acabou sendo influenciada por uma mansão mal-assombrada — mais precisamente, a Paramour Mansion

O local existe desde a década de 1920, e serviu como base para a concepção e gravação das demos de The Black Parade. Embora já houvesse rumores a respeito de manifestações paranormais no local, ninguém nunca tinha experienciado que o My Chemical Romance passou durante os meses em que ficou hospedado na casa. 

Essas experiências ficaram registradas em canções do álbum e ajudaram a dar forma ao que viria ser o álbum mais icônico da carreira da banda.

Conhecendo a Paramour Mansion 

Antes de mais nada, é importante conhecermos um pouco sobre a história do local. A Paramour Mansion foi construída entre os anos de 1918 e 1923 sobre as colinas de Los Angeles, em uma propriedade de mais de 2,000 m² em Silver Lake, nos arredores de Hollywood. O projeto foi encomendado por Daisy Canfield, uma socialite herdeira de uma grande fortuna de petroleiros.

À época, Daisy era casada com Antonio Moreno, um ator espanhol muito famoso que participou de grandes produções do início do século 20. Os dois eram alvo de grande prestígio social, e constantemente visado pela mídia. A mansão do casal chegou a ser considerada “a casa mais bonita de Hollywood” pelos tablóides da época.

Em 1928, porém, a união entre os dois acabou, e a srta. Canfield decidiu usar seu casarão como base para uma instituição que cuidava de meninas órfãs e vulnerabilizadas — a Chloe P. Canfield Memorial Home.

Poucos anos depois, entretanto, em 1933, Daisy morreu em um trágico acidente. Ela perdeu o controle do seu carro e caiu de um penhasco de quase 100 metros. Foi a partir da sua morte que começaram os primeiros relatos de que a mansão seria assombrada, e muitas pessoas afirmam que o espírito que ronda os inúmeros corredores da mansão é o da sua primeira dona.

Vista externa da Paramour Mansion
A Paramour Mansion foi construída por volta de 1923, e desde a década de 1930, há boatos de que é assombrada (Foto: Paramour Mansion / Divulgação)

Nas décadas que seguiram, a casa se tornou um convento para abrigar crianças órfãs e imigrantes, e sua capela foi palco de alguns casamentos. Entre 1987 e 1998, ela ficou desabrigada até que foi comprada pela designer multimilionária Dana Hollister por cerca de US$ 2,25 milhões — um valor bem menor do que o que ela vale atualmente devido à sua condição de abandono na época).

Foi a partir daí que a relação a Paramour Mansion passou a ser visada como um local artístico. Isso porque Dana revitalizou totalmente suas dezenas de cômodos, e entre as modificações que fez, criou um estúdio musical, que serviria de palco e inspiração para Gwen Stefani, Papa Roach, Fiona Apple, Kate Nash e Sarah McLachlan, entre muitos outros artistas.

Além disso, a mansão centenária já foi utilizada na gravação de filmes como Pânico 3, Império dos Sonhos, Halloween H20 e O Mistério de Silver Lake, e até hoje, é palco de ensaios fotográficos e eventos.

Como a Paramour Mansion influenciou o The Black Parade

Até 2005, os relatos de que a Paramour Mansion era assombrada eram mais tímidos. O vocalista do Papa Roach, Jacoby Shaddix, afirmou que sentiu o lugar como muito inspirador para a sua criatividade, porém em certa ocasião, durante uma das gravações, a energia da casa caía sempre exatamente na mesma parte da parte da música.

(Foto: Paramour Mansion / Reprodução Fake Your Death)

Já o cantor de country Merle Haggard afirmava que, quando ficou hospedado no local, foi visitado pelo espírito de uma moça, e eles chegaram a escrever músicas juntos. Portanto, é inegável que a experiência vivida pelo My Chemical Romance foi muito mais intensa.

Depois do sucesso estrondoso do disco Three Cheers for Sweet Revenge, de 2004, a banda queria preparar um álbum ainda mais ambicioso. Segundo o guitarrista Ray Toro, a ideia era fazer um “clássico atemporal”, que continuasse sendo reverenciado após 20 ou 30 anos. 

Foi aí que eles pensaram em passar um período focados na composição e pré-produção do disco, e o local escolhido para isso foi a Paramour Mansion. O projeto, ainda em seus estágios iniciais, era fazer um álbum sobre a morte, e a banda já era notavelmente conhecida por se interessar por temas como tragédias, romance e histórias de terror. Por isso, a mansão talvez pudesse proporcionar esse tipo de inspiração.

Aliás, é difícil saber de onde essa ideia surgiu, e até mesmo quanto tempo eles ficaram na casa — em uma entrevista ao Front Row Live Ent., Frank Iero fala que foram cerca de dois meses. A experiência foi tão aterrorizante que, por algum tempo, eles evitaram se aprofundar nesse assunto, mencionando apenas que lá aconteciam “coisas estranhas”. 

O quinteto relatou que portas abriam e fechavam aleatoriamente, as paredes faziam barulho, cachorros latiam sem razão, a banheira enchia sozinha, e havia uma atmosfera pesada que influenciava constantemente o humor dos hóspedes. Certo dia, Ray afirma que avistou o espírito de uma mulher vestida de branco andando pelos corredores.

foto da banda my chemical romance em frente a uma construção antiga
My Chemical Romance em 2006, logo após o lançamento de The Black Parade. Foto: Klaus Thymann.

Dentre todos, os irmãos Way foram os que experienciaram os piores acontecimentos. Mikey Way passava por um momento complicado de sua vida. Durante a turnê do Three Cheers, ele desenvolveu medo dos palcos, e enfrentava um quadro sério de ansiedade e depressão. Para contornar a situação, ele passou a abusar de bebidas alcoólicas e antidepressivos.   

Tudo isso era agravado pela pressão que o baixista sentia por ter que conceber um disco melhor que o anterior, e até mesmo superar suas habilidades como instrumentista. Ele ficou hospedado no quarto chamado de “Blue Room”, que tinha uma iluminação macabra, e mais tarde ele descobriria que havia pertencido aos primeiros donos da casa.

Mikey se percebia isolado do mundo fora da mansão, preso a uma série de pensamentos negativos, e todo o quadro se agravou graças à energia pesada do local e os acontecimentos estranhos que citamos. Após um colapso mental, ele optou por deixar os companheiros e buscar tratamento fora da Paramour Mansion

A saída do caçula acabou abalando a todos, especialmente Gerard. O episódio foi uma das inspirações para Famous Last Words, e logo nos primeiros segundos da canção, ele canta: “Eu sei que eu não posso fazer você ficar, mas onde está seu coração?”

Além disso, o vocalista também havia passado por quadros de depressão e alcoolismo, e na mansão, enfrentou o que ele chamava de “terrores noturnos”. Enquanto dormia, ele sentia que alguém estava segurando seu pescoço, e não conseguia acordar. A experiência serviu de inspiração para a canção Sleep, que começa com uma gravação de Gerard contando essas experiências.

Durante os pesadelos, ele via pessoas amadas morrendo e queimando vivas. Distante do seu irmão, de quem sempre foi muito próximo, o peso dessas experiências acabava sendo ainda pior.

Quando não estavam compondo e gravando, os integrantes do MCR iam para quartos separados para esfriarem a cabeça. O vocalista se abrigava em um local que chamava de Heavy Room, e escrevia algumas palavras que vinham à sua mente. Foi em um desses momentos que surgiu a frase “we’re all in a Black Parade”, que viria a consolidar o conceito do álbum.

(Reprodução / WEA International Inc.)

Desde o início, o álbum teria como tema a morte, e o título inicial imaginado pela banda era The Rise and Fall of My Chemical Romance. Quando o nome The Black Parade surgiu foi que Gerard pensou em retratar a morte como uma experiência em que você é transportado aos momentos mais felizes da sua vida — no caso do protagonista do disco, esse momento seria quando seu pai lhe levou para ver uma banda marcial em um desfile.

Esses são apenas alguns dos exemplos mais marcantes de como a Paramour Mansion influenciou o My Chemical Romance. Como o local serviu de base para que o The Black Parade tomasse forma, não é exagero falar que a sua atmosfera está eternizada em todas as canções do disco.

Aliás, a experiência na mansão assombrada mudou completamente a trajetória do grupo. O álbum foi um sucesso de crítica e público, vendeu milhões de cópias em todo o mundo e motivou a primeira turnê mundial do quinteto de New Jersey. 

Logo no primeiro show da tour, em Londres, eles anunciaram que, dali em diante, o público não estava assistindo ao My Chemical Romance, mas sim, ao The Black Parade — o que durou até o fim da tour, quando foi realizado um funeral simbólico dessa era, registrado no DVD The Black Parade is Dead!

O que quer que tenha ocorrido na Paramour Mansion segue sendo parte do DNA da banda até hoje, e ajudou a construir o que eles queriam desde o início: um clássico atemporal.

Você consegue identificar a influência da mansão assombrada na ópera-rock da banda? Ouça o The Black Parade e relembre essa obra-prima com a gente!