The Nightmare Before Christmas e seu impacto na cena até os dias de hoje

Entenda como a obra de Tim Burton faz parte do universo da cena emo de um jeito que você não sabia

Arte: Nine Valença / Downstage

The Nightmare Before Christmas, a animação em stop-motion inspirada em um poema de Tim Burton tornou-se rapidamente um sucesso e seu estilo único atraiu uma legião de fãs de gótico, punk e heavy metal. Isso foi possível por conta da estética e seus personagens da Cidade do Halloween, diferente do usual da Disney, que inclusive lançou o filme pela Touchstone Pictures, um extinto selo de produção de filmes do grupo.

O Estranho Mundo de Jack

Caía o outono em Halloween, a noite enregelava…
Contra a Lua, só, num monte, um esqueleto cismava.
Era esguio e comprido e um laço-morcego trazia;
Jack Esquelético, o nosso protagonista,
Aborrecia-se de morte na cidade de Halloween,
Onde tudo decorria de forma prevista.

“Já me cansa meter medo, sustos e pavor.
Estou farto de ser algo que enche a noite de terror,
Farto de maus-olhados, de infundir alvoroço,
E os meus pés agonizam com a dança dos ossos.
Não gosto de cemitérios, quero mudar de ares!
Deve haver mais na vida que caretas e esgares!”

Durante toda essa noite e todo o dia a seguir,
Jack andou sem parar, sem saber por onde ir.

Até que no coração da floresta, a noite caía,
Jack teve uma visão de intensa magia:
Ali, a escassos metros… mesmo à sua beira…
Três portas esculpidas de maciça madeira.
Ficou estupefacto, sem tirar o olhar
De uma porta, entre todas, a mais singular.
Atraído, excitado, mas também ansioso,
Jack abriu-a e entrou num mundo branco e ventoso.

Jack nem calculava, mas tinha ido parar
À cidade do Natal- o nome desse lugar.
E, banhado em tal luz, já não se inquietava,
Pois enfim encontrara o que mais lhe faltava.
Para os amigos não julgarem que ele mentia,
Tirou as prendas e os doces que por lá havia:
Levou lembranças das meias junto à chaminé
E uma foto do Pai Natal com os duendes ao pé.
Pegou nas luzes, nas fitas e bolas do pinheiro,
E roubou o N grande que viu num letreiro.

Arrecadou aquilo que achou cintilante
E até uma bola de neve gigante,
Limpou tudo num ápice e, muitoapressado,
Voltou à sua terra sem ser apanhado.

Tim Burton, O estranho mundo de Jack. Lisboa, Orfeu Negro, 2010. Coleção: Orfeu Mini.
Título original: The nightmare before Christmas
Tradução de Margarida Vale de Gato

A produtora foi criada com o objetivo de fazer filmes mais maduros para um público jovem-adulto, já que a Walt Disney Pictures era voltada apenas para o público infanto-juvenil. Em seu portfólio, também estão clássicos como: Sociedade dos Poetas Mortos, 10 Coisas que Odeio em Você, Mudança de Hábito e Uma Linda Mulher. Por considerar o filme muito assustador, lançá-lo por esse selo parecia um plano seguro, possibilitando um distanciamento para afastá-lo, caso fosse realmente necessário.

Mas a mente brilhante e excêntrica de Tim Burton ofereceu personagens principais carismáticos e diferentes do usual que criam um laço com todos aqueles que gostam do esquisito, diferente, muitas vezes assustador e que são, majoritariamente, apenas incompreendidos, afinal, todos buscam o “felizes para sempre” no final da jornada.

O filme

Para aqueles que, por algum motivo, não estão familiarizados com o enredo, nunca é tarde para passar por essa experiência. A história se passa na Cidade do Halloween e nos conta sobre Jack Skellington, o “Rei da Abóbora”, responsável por todas as ideias e travessuras para o Halloween. Mesmo com a temática de Natal, o filme nos conta tudo sobre o Dia das Bruxas com muitas referências à essa data vista como macabra.

Jack então se vê cansado do Halloween e decide mudar sua vida. É aí que descobre a Cidade do Natal e decide se apropriar da data. Para ajudá-lo a entender melhor quais as tradições do Natal, ele e seus amigos acabam sequestrando o Papai Noel.

(Imagem: Divulgação / Buena Vista Pictures Distribution)

Como tudo acontece em uma cidade voltada ao Halloween, seus personagens são cheios de referências a personagens clássicos do horror. Temos a presença de monstros, lobisomens, vampiros, bruxas e, claro, o Bicho-Papão. Tim Burton representou todas as categorias macabras em sua criação, agraciando fãs do horror e do feriado norte-americano.

Jack e, principalmente, Sally são personagens assustadores e “assustadoramente fofos” que mostram que o Halloween é um estilo de vida; nos ensinando a abraçar o sombrio e ao mesmo tempo deixando claro que existe beleza, gentileza e doçura nesse mundo monstruoso.

O apelo público

Desde o início, o que atraiu os fãs de rock no filme foi a forma como o Halloween foi apresentado. Mesmo assustadores, desastrados e instauradores do caos, os personagens não são maus em sua essência, são apenas criaturas místicas do Halloween. E isso fica claro quando os moradores da cidade mostram a genuína alegria com a chegada do seu dia favorito ao invés de procurar caçar humanos por diversão.

A trilha sonora vem para somar e ambientar tudo o que já foi falado aqui. Com toques de blues, Danny Elfman tem o poder de complementar com sons tudo o que se passa na cabeça de Tim Burton.

O coração da história, entretanto, é a relação de Jack e Sally. Enquanto um é o rei do Halloween entediado, ela foi criada por acaso e quer experimentar mais do mundo em que vive. Enquanto Jack acredita que pode fazer um Natal melhor que o Papai Noel, Sally luta para salvá-lo de si mesmo e no meio dessa jornada, se encontram.

Suas narrativas são explicitamente arquétipos clássicos que vimos no rock’n’roll: Jack é o desajustado que quer desesperadamente algo novo, enquanto Sally apresenta simpatia, pureza e a vontade de conhecer algo que só assiste de longe, como os mais quietos e tímidos.

(Imagem: Divulgação / Buena Vista Pictures Distribution)

Toda essa sensação confirma o que muitos punks e metaleiros sentem. Por mais que amem o que é estranho e aterrorizante, ninguém quer realmente machucar o próximo, muito pelo contrário, a ideia é mostrar que todos podem encontrar diversão nesses momentos.

Essa ideia toda cresceu ainda mais no início dos anos 2000, quando pessoas inspiradas no filme se tornaram ícones da música. A influência de The Nightmare Before Christmas se fez presente em todos os lugares.

The Nightmare Before Christmas no emo, pop punk e rock alternativo

A visão de Jacks da vida real em cima dos palcos ficou cada vez mais frequente, como Gerard Way, do My Chemical Romance, em seus ternos e se concretizou ainda mais com I Miss You, do blink-182, e seu trecho: “We can live like Jack and Sally if we want, where you can always find me, and we’ll have Halloween on Christimas and in the night, we’ll wish this never ends”.

O filme fica ainda mais consolidado na cena quando, em 2001, Tom DeLonge e Mark Hoppus lançam a Atticus Clothing, cheia de corações e crânios à la Tim Burton, enquanto Corey Taylor ficava mais conhecido fora de sua máscara nas apresentações do Stone Sour e nunca era visto sem um gorro de Jack Skellington, que se tornou sua marca registrada.

Corey Taylor e sua touca do Jack Skellington (Imagem: Reprodução / CORPSENATION)

Esses artistas se viam (e se veem) como habitantes da Cidade do Halloween e, quando a Disney lançou Nightmare Revisited, um álbum com as músicas do filme interpretadas por The All-American Rejects, Rise Against, Plain White T’s, Korn e Amy Lee, O Estranho Mundo de Jack já fazia parte do universo da cena.

Em 2020, a obsessão pelo filme volta às claras quando a Vans, também muito presente na cena, anunciou uma colaboração com a franquia. Com roupas, tênis e outros acessórios da marca com seus personagens favoritos, o saudosismo tomou conta e o Halloween volta (se é que um dia deixou) de ser visto como uma data em que os esquisitos e fora do padrão celebram sua essência e deixam claro que está tudo bem sentir o que sentem, ser medo do julgamento.

Fonte: Kerrang! Magazine

Para quem também ficou com saudade da Cidade do Halloween, aqui está o álbum com a trilha sonora oficial e as versões de outros artistas: