O frescor e a familiaridade de Eu Nunca Fui Embora
Novo álbum da Fresno resgata elementos presentes nos 25 anos da banda
“Eu Nunca Fui Embora”: uma afirmação forte e verdadeira vinda da boca de uma banda com 25 anos de estrada. Uma das principais bandas da era de ouro do emo no Brasil, a Fresno pode não ser o mais comercial entre os nomes que surgiram nessa época, nem o mais popular, mas certamente é o nome mais regular desse grupo de bandas.
A Fresno chega a 2024 com uma legião de fieis fãs que se acumularam ao longo desses um quarto de século: alguns que embarcaram mais recentemente nessa nave, outros que se afastaram da banda e voltaram com saudade de tempos mais simples e ainda um grupo que pode encher a boca pra dizer também “eu nunca fui embora”.
Eu Nunca Fui Embora é o nome do décimo álbum da banda e soa como um resgate de tudo que foi construído ao longo desses últimos 25 anos. Temos, é claro, um visível amadurecimento musical em todas as direções possíveis. Mas o disco, apesar de novo, soa como algo que já conhecemos, que nos é familiar e acessível. Diferente dos últimos álbuns da banda, não é necessário ouvir várias e várias vezes até amaciar e se “acostumar” com as novas faixas. Desde o primeiro play as músicas do disco vão facilmente grudar na sua cabeça ao ponto de ficar cantando alguns versos durante o dia todo.
As faixas
A primeira faixa, que leva o nome do álbum, Eu Nunca Fui Embora foi o único single apresentado ao público antes do lançamento. Nos primeiros dez segundos da música já é possível reconhecer elementos emprestados de Eu Sei, faixa do disco Revanche de 2010: A harmonia com os acordes de guitarra abafados, o riff em três notas e até o compasso da música resgatam consciente ou inconscientemente uma Fresno de 14 anos atrás.
Liricamente a primeira música do disco não tem nada a ver com a história narrada no primeiro parágrafo deste texto sobre uma banda – ou seus fãs – que nunca foram embora ao longo de mais de duas décadas. Na verdade, a letra da música trata, como todo bom hit emo, de amor e de um relacionamento não superado.
Em séries de TV, filmes, revistas em quadrinho, é comum dizermos que duas histórias “fazem parte de um mesmo universo”. E é essa a sensação que a segunda faixa do disco passa. Quando o Pesadelo Acabar parece fazer parte do mesmo universo de Natureza Caos, do sua alegria foi cancelada (2019). As faixas compartilham elementos que, mais uma vez, fazem soar como a Fresno que já conhecemos. E esse processo é feito de forma tão sutil que muitos que não lerem esse texto vão sequer saber de onde vem toda essa familiaridade com uma faixa recém lançada.
Mas enquanto a música de 2019 tem em sua letra o sentimento de invencibilidade de um eu-lírico que pega emprestado o ódio de seus inimigos para transformar em combustível, a faixa de 2024 tem um tom menos energético de um eu-lírico que admite o abatimento e pede por acolhimento “todo mundo tá fodido / eu só queria meus amigos”.
Na terceira música do álbum, Me and You (Foda Eu e Vc), não há elementos claramente emprestados de outras músicas da Fresno, mas isso não torna ela menos familiar. O ouvinte mais atento, e que tenha vivido sua fase indie rock ali pelos anos 2010 vai ter a sensação de que já ouviu algo que pareça com essa música antes. O compasso da faixa, os riffs de guitarra separando os versos e a montagem da linha de percussão nos fazem lembrar de Electric Feel, da banda americana MGMT.
A faixa é certamente a mais pop do disco – em um espectro que vai de pop a rock – e talvez uma das mais pop de todo o repertório da banda. Somando isso aos elementos da sonoridade que parecem saídos do Battle Born, álbum de 2012 do The Killers, presentes em outras músicas do álbum, será que podemos especular uma fase indie rock da Fresno pela frente?
A quarta música do disco é a esperada participação de Pabllo Vittar. E a música quebra expectativas justamente pelo contraste com a faixa anterior. Enquanto Me and You é a faixa mais pop do disco, Eu te amo / Eu te odeio é a mais rock. E surpreende justamente por ter a participação de uma cantora do universo pop. Outro ponto forte da faixa é justamente a presença de Pabllo, que soa natural e encaixa sem muito esforço na proposta da banda. É como se a Vittar tivesse sido, durante toda sua carreira, uma cantora de rock. Já a estética circus / carnival dá um tom de trilha sonora para a música.
Na quinta faixa do disco, Camadas, a lembrança musical é ainda mais sutil, mas os primeiros versos quase nos fazem cantar Não leve a mal, do Revanche (2010). Com os versos mais chicletes de todo o álbum, certamente vai se transformar em um dos hits da banda a partir do lançamento oficial. Em termos líricos é mais uma letra emo sobre relacionamentos assimétricos com um refrão potente para ser cantado a plenos pulmões.
Em Era Pra Sempre a canção que empresta elementos é a Caminho Não Tem Fim, do último disco da banda, Vou Ter Que Me Virar (2021). No refrão a referência é tão presente na forma de Lucas cantar que poderíamos tranquilamente inverter os versos das músicas sem qualquer prejuízo. Liricamente a faixa é a canção de amor mais madura que você vai ouvir. Sobre um amor que aceita e compreende a finitude das coisas.
Veredito
O álbum – ao menos a primeira parte dele – é encerrado com uma faixa interlúdio que traz um poema, declamado por Lucas e com frases que poderiam por si só formar uma nova música. Uma conclusão sóbria pra um álbum que, apesar de novo, parece alguém que conhecemos por uma vida inteira.
E apesar de curto, o disco traz cinco faixas que podem ser tranquilamente tratadas como músicas de trabalho. A grande dor de cabeça de Lucas, Vavo e Guerra vai ser escolher que faixas da setlist de shows vão dar lugar aos novos sons. E que venha a parte 2.