Paramore e o universo caleidoscópico de This is Why

Disco marca o trabalho em que a banda consegue melhor registrar a essência daqueles que os produziram

Capa: Atlantic Records

Localizado no Sumarezinho (São Paulo), o bar FFFront, conhecido por um já consolidado público alternativo, abriu na quarta-feira (8) as portas de seu espaço construído por espelhos adesivados e paredes com quadros de capas de vinil para um público ainda mais específico: agitados fãs de Paramore que aguardam, há cinco anos, pelo retorno triunfante do trio composto por Hayley Williams, Taylor York e Zac Farro, após um hiato voluntário que serviu para o grupo como um longo período de férias em meio a uma desgastante trajetória. 

Com o fim da Era After Laughter, encerrada por um festival intimista criado pela banda, com um lineup composto apenas por artistas amigos e que teve lugar na terra natal do Paramore, Nashville – uma cidade quase sagrada para todos aqueles que os acompanham -, eles parecem agora retomar exatamente de onde pararam; exceto que, dessa vez, os três estão ainda mais certos do caminho que desejam traçar. E com um som, mais uma vez, completamente novo.  

Locomovendo-se por espaços ainda mais reservados – o Paramore fez uma turnê de outono, no ano passado, por lugares e cidades norte-americanas antes intocadas por eles -, e apesar do rampante reconhecimento que tem recebido de uma nova geração que busca inspiração nas fontes nostálgicas do emo, a banda segue agora (enquanto cuida também de sua saúde mental), a vontade de se reconectar com os fãs, como eles mesmos têm reforçado desde o anúncio do lançamento do novo álbum, e fazem isso de uma forma bastante afetiva: por meio de suas redes oficiais, enviaram, eles mesmos, mensagens privadas a contas que mais engajaram com seus conteúdos nos últimos anos, convidando-as a ouvirem This Is Why antes de sua chegada oficial aos ouvidos do mundo, em pequenas festas globais exclusivas – como a que ocorreu em São Paulo, no já citado FFFront.  

Talvez como resultado de um impulso saudoso, quanto mais cresce, mais a banda parece se voltar àqueles que construíram seus alicerces desde o início – nascida no MySpace e adotada pela Fueled By Ramen, um pequeno selo alternativo dentro de uma grande gravadora, que recebeu também nomes como o Panic! At The Disco, ela sempre se fortaleceu de interações online e off-line com o que chama de “família” ou de “comunidade” – e era esse o sentimento geral que pairava por um ambiente que parecia também, ele mesmo, resgatar as raízes da banda.

Foto: Zachary Gray

This is Why

Ironicamente, o álbum se encerra com a primeira música escrita para ele, e tem início pela última – que também carrega o título do conjunto da obra, tamanha a importância dada a ela por seus compositores. This is Why surgiu de um momento em que a banda já estava cansada de escrever, desafiando-se ainda mais a falar sobre um complicado período enfrentado em nível mundial – a pandemia da Covid-19. Acompanhada por um videoclipe que reflete as personalidades de cada membro e que destaca ainda mais o retorno da banda às paradas, a música estoura em um coro que tem resultado, até o momento, em alguns dos mais marcantes momentos dos shows da banda ao vivo. 

Foi durante a pandemia que diversos temas, agravados pela negligência política, incomodaram o trio o suficiente para que eles escrevessem dez faixas voltadas ao desolador cenário do mundo das notícias, cantado em The News, um urgente pedido do Paramore para que o mundo olhe para o seu interior. Composta por estridentes riffs de guitarra que permeiam um refrão incrivelmente forte em instrumentais, com detalhes que apenas os mais atentos podem perceber – como um insistente cowbell que, apesar de não pertencer originalmente ao gênero da música, encaixa-se perfeitamente na ponte em que Williams questiona como pudemos nos acostumar com problemas que não deveriam estar socialmente enraizados.

Também sobre os complexos sociais, C’est Comme Ça, a terceira música lançada antes da estreia oficial do álbum, recorre ao dance punk para retratar as dores do cotidiano e do tédio de uma rotina marcada pela falta de caos. Depois de seus altos e baixos, o Paramore se encontra, por fim, estável – e isso preocupa os liricistas, que têm medo de se perderem em meio à ausência de um conflito interno que os mova em direção à melhora. É a música do álbum que carrega o maior número de instrumentos, contando com – além de baixo, guitarra e bateria – piano, vibrafone, teclado, glockenspiel, clarinete e flauta; tudo para dar à música um senso de “desordem” que, à primeira impressão, acabou por assustar alguns fãs. Não demorou muito, no entanto, para que a repetição de “nanananas” penetrasse nas mentes dos ouvintes. 

O que não falta em This Is Why é novidade – e esse acabou por se tornar um dos traços mais marcantes do Paramore a cada álbum lançado. Running Out Of Time, apresentada pela primeira vez no show de lançamento do álbum em Nashville, não soa como nada já feito pelo Paramore. Uma mistura entre música country, dance punk e, segundo fãs, “a música de fundo da trilha sonora de Bob Esponja”, ou até o sample de sentaDONA; ela explode em gritos que transparecem ainda mais a qualidade dos vocais de Hayley. Desde o álbum intitulado, é perceptível a preocupação de Taylor e de Carlos de La Garza (produtor de This is Why) com a dinâmica entre as diferentes camadas de instrumentos. E essa percepção é quase palpável neste que é o próximo single do álbum.

Big Man, Little Dignity tem melodia suave e logo chama atenção pela sofisticação na escolha dos instrumentos da introdução: instrumentos de sopro e um sample de sintetizador vinculado ao bumbo da bateria, através da técnica de mixagem conhecida como sidechain. Isso dá movimento à faixa que poderia encaixar o Paramore em qualquer balada dos anos 90. A música é um exemplo da capacidade da banda em trabalhar com a ironia – apesar de conter uma letra forte, que fala sobre os perigos de homens sem dignidade em posições de poder, a música traz até mesmo a flauta, um instrumento muito mais melódico, como um de seus elementos de destaque.

Foto: Zachary Gray

Adentrando o álbum, o som fica ainda mais pesado em You First – mas ainda retomando, em sua melodia, elementos da música anterior, como o pré-refrão que diminui o compasso da música, em meio a versos carregados pela mistura grave do baixo e bateria. Em entrevista a Zane Lowe da Apple Music, Taylor revelou que tentou, a todo custo, remover a música do álbum, pois não gostou de seu trabalho nas guitarras – mas que a música se tornou a favorita de muitas pessoas, e ele acabou por ceder à voz do povo. O guitarrista já conhecido por sua extrema modéstia, morre pela própria boca, já que a faixa é uma das mais complexas em termos de timbre de cordas e setups de pedais. Taylor mais uma vez se consagra como um verdadeiro mestre da dinâmica harmônica, mostrando que sabe transitar entre as diferentes seções da música, sem que os timbres se choquem ou causem qualquer estranheza.

Figure 8 também dá continuidade à crescente levantada por You First. Iniciada pelo som de glockenspiel, que relembra a melodia de Pool, do quinto álbum do Paramore, a música torna-se ainda mais “cheia” e parece preencher todo o ambiente sonoro, com guitarras mais marcadas e vozes metálicas que convidam o ouvinte a realmente a fazer parte do universo caleidoscópico de This is Why. O pedal point presente em quase toda a canção é um recurso simples, porém valioso e muito presente desde a era After Laughter. A repetição do riff – que se assemelha a um toque de celular – é intencional e quase hipnótica. É como um lugar seguro para o qual nos faz sempre querer retornar.

Foto: Zachary Gray

E, assim como cresce, o álbum também transita rapidamente de volta para tons mais suaves, com uma facilidade que o Paramore sempre tirou de letra, desde a transição de “Whoa” para “Conspiracy”, 18 anos atrás. Liar surpreende por carregar uma palavra tão negativa em seu título, mas ao mesmo tempo trazer uma letra que fala de amor. Pela primeira vez no álbum, os vocais de Hayley se sobrepõem à guitarra – destacando a importância de um tema sobre o qual ela canta com muita delicadeza. Ao som de harpa, a música tem referências do álbum solo de Hayley, Petals For Armor, e parece ter a letra direcionada especialmente a Taylor, com quem assumiu recentemente ter um relacionamento.

Em entrevista à Lowe, o guitarrista disse que presta pouca atenção à letra das músicas que escuta; no entanto, com o instrumental amplo e o som limpo da balada, aqui, é impossível desviar dos refrões e daquilo que está sendo cantado. Para além da letra, é incrível a capacidade da banda em imprimir significado a elementos musicais, como a ponte que nos leva à parte C da música: uma levada de bumbo que nos remete às batidas do coração e nos transporta para as mais diferentes experiências relacionadas a esse som tão característico – desde à segurança do ventre até a sensação de estar apaixonado.

Em Crave, a banda fala sobre a dificuldade de seguir em frente após viver altos realmente muito altos – e sobre o peso que a necessidade de “viver o presente”, tão celebrada por coaches mundo afora, pode ser angustiante. A música mistura um pouquinho de tudo o que o Paramore já lançou – melodias do After Laughter, guitarras do autointitulado, vocais do Brand New Eyes, a técnica selvagem tão conhecida de Zac na bateria, desde o All We Know Is Falling. Ao mesmo tempo, é louvável a forma que a banda deixa de olhar para si e toma emprestado elementos de artistas do passado, como The Cure ou Talking Heads. Isso fica bem marcado logo ao fim do segundo refrão: a linha instrumental é muito característica do rock oitentista, mostrando mais uma vez o quão vasta é a bagagem cultural do trio. 

Ainda sobre a penúltima faixa do álbum, em entrevista à The Line Of Best Fit, Hayley diz que, agora que o Paramore está deixando sua gravadora, a Atlantic Records, ela não quer mais carregar consigo os problemas causados pelo antigo contrato da banda – que levou a saídas e confusões entre membros da banda. Agora, ela finalmente se perdoa: revela aos fãs que, amadurecida, não se arrepende de nenhum dos momentos que viveu. 

Thick Skull é a música de encerramento do álbum – que, como dito anteriormente, foi a primeira a ser escrita. Ela é uma mistura de diversos ambientes sonoros, com mais de uma transição presente dentro de si. Assim como na aclamada Just A Lover, do projeto solo de Hayley, flowers for vases/descansos, a canção traz desde o início um crescendo vagaroso, e busca contar uma história – apesar de ter sido colocada ao fim do álbum, pode ser tomada como uma síntese de um processo criativo que ainda estava apenas engatinhando, e que se transformou no coerente álbum que carrega verdadeiras marcas registradas de cada membro da banda. 

Veredito

É seguro dizer que This is Why é “ O” álbum do Paramore – não no sentido da disputa subjetiva de ser o melhor dentre os outros cinco, mas por ser o trabalho que consegue melhor registrar a essência daqueles que os produziram. 

A surpresa do álbum e, possivelmente, o seu ponto mais forte, é a capacidade do Paramore em se reinventar mais uma vez. Escapando completamente de todas as expectativas a ele aplicadas, o álbum olha para si mesmo, mas também para o futuro – e faz com que o ouvinte se pergunte o que o Paramore ainda é capaz de fazer, em seu sétimo álbum, após demonstrar que sua fonte criativa está longe de ser esgotada.