A experiência além do click

O que ninguém fala em curso nenhum é que se você for uma pessoa preta, seu trabalho está sempre sendo colocado em dúvida

Arte: Carol Moraes / Downstage

Por Paulo Liv

O que eu registro faz parte de tudo que já vivi, através da minha experiência de vida eu crio fragmentos de uma realidade que pode ou não existir e que vão perdurar em uma fotografia por um tempo que nem eu consigo imaginar.

Eu nunca fui de ter muitos registros meus na adolescência – por motivos de uma baixa autoestima provocada pelo reflexo de uma sociedade racista que impõe padrões de beleza eurocêntricos -, mas sempre curti fotografar os rolês que estava: Bar do Zeca, Garage, Club dos Quinhentos, Orkontros e vários roles insalubres pela Lapa (Rio de Janeiro) etc… Eu tinha vários álbuns no falecido Orkut.

Nunca imaginei que seria fotógrafo ou artista, mesmo sendo sempre incentivado a fazer artes. Comecei no ballet, aí fui para o malabarismo, dei um pulo na aula de canto e no tecido acrobático… E a primeira vez que cliquei em uma câmera profissional com meus 19 anos, eu soube exatamente o que queria fazer.

Eu comecei tudo isso sem saber o que estava fazendo, brinco com amigos que às vezes ainda não sei, só faço. Tão natural quanto respirar.

Quando eu decidi ser fotógrafo eu queria seguir nos nichos de moda, ensaios… mas eu tinha aberto mão de tudo antes pra fazer um cursinho de fotografia e precisava de dinheiro, então, fui tentar fotografar os lugares que já frequentava para me divertir e também fui pedindo oportunidade para outros locais.

Foto por Renan Olivetti

E nessa busca por fotografar, também surgia o desejo de criar; de pensar nas possibilidades de luz e tentar fazer arte. Mas nem todos os trabalhos eram permitidos pensar assim, então acabei caindo na cena underground, que sempre foi um dos locais de pertencimento para mim.

Encontrar a galera que eu conhecia das festas ou da adolescência, fotografar pessoas se divertindo, poder ver estilos, corpos, cabelos, ver o quanto alguém se dedicou pra estar ali… me dava um tesão de vida. Acho que talvez por meu primeiro impacto ter sido na fotografia noturna eu hoje curto ser fotógrafo de experiência, de estar vivendo com o público ao ponto de cantar com a galera e conseguir a melhor foto daquela fração de segundos que nossos hormônios ficaram loucos de euforia.

No começo, tudo era novidade; mas como naquele velho ditado, nem tudo que reluz é ouro. Uma das primeiras coisas que eu enfrentei como profissional foi o racismo, porque o que ninguém fala em curso nenhum é que se você for uma pessoa preta, uma pessoa racializada, seu trabalho está sempre sendo colocado em dúvida.

Foto por Lucas Guerra

Isso eu também não tive tempo de aprender com a experiência: em um dos trabalhos que fiz para portfólio, ouvi diretamente de um outro fotógrafo branco que eu teria que ser duas vezes melhor por ser um cara preto. Nem preciso dizer que isso alugou um triplex na minha cabeça por anos, mas hoje eu estou bem com que eu entrego, e sigo na busca de aprimorar meu trabalho e minha arte sempre.

Com o tempo, fui conhecendo outros profissionais que atuavam no mesmo ramo que eu e em outras áreas, fui percebendo o quanto a minha volta tinha apenas pessoas brancas e isso me fazia questionar onde estavam os outres como eu. Onde estavam essas pessoas diversificadas, racializadas?

Com isso, fui entendendo que o audiovisual em si, ainda é um segmento elitista que segue mantendo os mesmos padrões: BRANCO, HÉTERO e CIS.

Eu perguntei onde estavam essas pessoas na indústria do audiovisual — mas isso não significa que elas não estejam por aí, essas pessoas existem e resistem. Elas estão tentando se inserir em um mercado de trabalho mais consistente, trabalhando com CLT para conseguirem bancar seus trabalhos independentes, seus equipamentos, seus sonhos. Essas pessoas estão criando suas narrativas e querendo ser ouvidas em seus locais de fala.

E muitas delas, assim como eu, vem de um lugar de pouco ou quase nenhum acesso ou recurso para fazer audiovisual, são autodidatas e carregam consigo também um conhecimento ancestral.

Festival Mete Dança 2022 (Foto: Paulo Liv)

Digo isso, porque ainda sinto e vejo muito desrespeito e desvalorização com profissionais do audiovisual que são racializades – pretos, pardos e indígenas -, LGBTQIA+, mulheres… e queria pedir para você, leitor, cliente, produtor… VOCÊ, que dessem mais respeito para nós, que ofereçam o mesmo valor que oferecem para pessoas brancas, que parem de nos intimidar com assédio moral… Peço apenas o básico, porque nós que somos essa minoria social, já estamos lutando pra sobreviver, a cada 23 minutos morre um jovem preto no Brasil, então a atitude mais anti-racista que espero é respeito.

Respeito comigo e com os outres, com o meu trabalho, com meu conhecimento

Outras atitudes ANTI-RACISTAS e inclusiva no audiovisual é o “adotar” um ‘estagiário’, que é alguém que você se disponibiliza a treinar, passar seu conhecimento, tentar inserir no mercado de trabalho. Tenho uma amiga que fez isso já duas vezes e foi incrível ver o resultado dessas pessoas.

Eu fiz isso recentemente com a Mylena, que é mãe. Ela era uma amiga que via em alguns eventos e hoje a gente tem praticado o uso do flash juntos. O audiovisual pode ser bem hostil mas também pode ser acolhedor.

Esse ano eu pude realizar alguns sonhos, um deles foi ter fotografado o Rock in Rio e de brinde veio várias ser humaninhos gente boa pra agregar na vida e na luta por inclusão de todes.

Queria fazer um agradecimento a minha vó que me apoiou e incentivou a ser artista e a família que vem apoiando, e também a todas as pessoas que acreditaram em mim e no meu trabalho, nos momentos tive muito medo e dúvida, mas sempre tinha alguém que acreditava em mim. Será que eu sou uma fada?

E gratidão máxima pelo convite, muito obrigado.

Deixar alguns perfis que vocês podem acompanhar e contratar:

E o meu, Paulo Liv