Groove e muito peso: De La Tierra mostra a força da música latina em seu terceiro disco

Entrevistamos o guitarrista Andreas Kisser, que contou detalhes da produção do novo álbum do De La Tierra

Arte: Isadora Espinosa/Downstage

Formado em 2012, o De La Tierra conta com grandes nomes do rock latino em sua formação, como o guitarrista brasileiro Andreas Kisser (Sepultura), o cantor e guitarrista argentino Andrés Giménez (A.N.I.M.A.L.), o baterista americano de origem cubana e colombiana Alex González (Maná) e o baixista porto-riquenho Harold Hopkins (Puya). A banda mostra toda a força da música latina em seu novo trabalho, De La Tierra III, que aposta no som pesado e cheio de groove.

Foto: Cortesia Sony Music

Em entrevista ao Downstage, o guitarrista Andreas Kisser contou sobre o impacto da pandemia no cronograma da banda, o processo de composição do De La Tierra, a produção e finalização do disco novo e alguns planos para 2023.

Paixão pelo heavy metal, música latina e o processo de composição

A banda que nasceu da paixão pelo heavy metal e da vontade de fazer música pesada de Alex González e Andrés Giménez, que convidaram Andreas Kisser e Flavio Cianciarulo (ex-membro) para completar o time, se transformou em uma potência da música pesada.

O grupo abraçou o desafio de colocar outros ritmos da América Latina em sua música, atrelado ao diferencial de cantar as músicas em português e espanhol, resultando em uma sonoridade pesada e diferenciada, deixando o som do De La Tierra único e inconfundível.

Por ser formado por membros com outras bandas em atividade, o De La Tierra enfrenta algumas problemáticas para conciliar a agenda de seus integrantes, o que não atrapalha o processo de composição do grupo. “Quando a gente tá pronto para escrever um disco, cada um tá na sua casa fazendo suas demos. Uma coisa bem básica, com bateria eletrônica, umas guitarras e algumas ideias de solo. O Giménez tá lá na Argentina fazendo as dele com algumas ideias de vocal e tudo, o González o mesmo e o Harold mesma coisa”, conta Andreas.

Foto: Cortesia Sony Music

A partir desse processo, surgem por volta de 30 ideias, de onde sobram 12 e apenas umas nove acabam compondo o álbum. Com as músicas definidas, a banda se reúne em um local como Buenos Aires, ou que seja metade do caminho para todos, faz uma pré-produção e depois parte para o estúdio gravar.

Um dos diferenciais do De La Tierra é escolha de cantar em português e espanhol, reforçando suas raízes latinas. Mesmo com o inglês sendo o idioma predominante no meio musical, existem diversas bandas que se destacam mesmo cantando em seu idioma nativo. Essa escolha pode fazer a diferença e aproximar diferentes públicos, além de apresentar novas possibilidades para os ouvintes.

O De La Tierra também conta com essa proposta, de juntar públicos e quebrar essa barreira criada pelo idioma. “O espanhol e o português abrem possibilidades harmônicas e musicais diferentes do que o inglês. Por exemplo, tá todo mundo acostumado com fire, hate, evil, devil, satan, aquelas mesmas palavras de sempre (risos), que sempre vai para aquele mesmo lugar. Então é legal também brincar um pouco com essa métrica de letra e tudo, que é um pouco diferente”, comenta Andreas, sobre o desafio de cantar em outro idioma.

O impacto da pandemia no lançamento do álbum De La Tierra III

A banda lançou em 2016 o seu segundo trabalho, o álbum De La Tierra II, que veio recheado de peso e contando com boas doses de thrash metal. Em 2020, tiveram seu cronograma interrompido por causa da pandemia. “Na verdade o álbum estava pronto, né?! Era pra gente ter entrado em estúdio em maio de 2020. Em janeiro de 2020, a gente estava em Miami, fazendo a pré-produção, né?! Com aquelas 9 músicas escolhidas”, relembra Andreas.

A banda estava pronta para entrar em estúdio, mas a pandemia acabou interrompendo o processo, que só foi retomado dois anos depois. Durante a o período pandêmico, lançaram o single Distintos, que trouxe uma abordagem acústica e bem diferente de tudo que o De La Tierra havia mostrado. A faixa rendeu uma indicação ao Grammy Latino, trazendo uma repercussão bem positiva para o seu trabalho.

Esse lançamento ajudou o projeto a continuar ativo e ter a resiliência para atravessar a pandemia e retomar o processo do terceiro disco na hora certa.

A gravação do terceiro álbum

Tendo participado como produtor do primeiro álbum (autointitulado De La Tierra) Stanley Soares retorna ao álbum De La Tierra III também como produtor, trazendo sua grande experiência de projetos passados. “A gente sabia muito bem o que queria. Essa característica do Harold (baixista) em trazer coisas novas e diferentes se encaixou muito bem com a proposta do nosso som e o Stanley fez um trabalho magistral, não só captando mas mixando e deixando tudo no seu lugar.”

Andreas também descreveu como foi trabalhar com um velho amigo. “Stanley é um irmão, amigo meu que começou a trabalhar com o Sepultura por indicação de um antigo roadie. Ele trabalhava num estúdio com algumas bandas e já tinha um talento absurdo, essa genialidade de ver a música. Toca guitarra muito bem, gosta muito do mundo metal e ficou com a gente (Sepultura) durante muito tempo no PA, fazendo o som do Sepultura em turnês e hoje ele é PA do Megadeth, fez disco do Meshuggah. Cara, é muito simples trabalhar com o Stanley, ele é um cara muito tranquilo, muito objetivo. Sabe tudo de tecnologia dentro do estúdio, possibilidades.”

Foto: Cortesia Sony Music

O processo de gravação do disco nas palavras de Andreas: “Foi surreal, só de estar ali trabalhando você sente uma coisa mágica.” E não é por menos, neste estúdio (Criteria Studios) diversos artistas consagrados tiveram seus trabalhos gravados tal como o lendário Black Sabbath com Technical Ecstasy. “É um estúdio como eu disse, mágico. Acho que isso ajuda quando a gente está gravando, quando temos aquelas imaginações tipo o Tony Iommi tava aqui será que ele cagou nesse banheiro? Não sei” (risos).

As histórias contadas pelo dono do estúdio, tiveram grande impacto no momento das gravações, histórias de diversos artistas que não são encontradas em biografias e poucas pessoas tem ciência. “Isso estimula muito quando você está fazendo um trabalho lá, né?! Você escuta uma história daquela e depois vai gravar um solo… putz, você já está no clima e isso ajuda bastante, é muito legal”.

Sobre o pessoal que trabalha no Criteria Studios, o guitarrista soltou diversos elogios “A galera que trabalha lá … putz. É muito bom, como se estivesse trabalhando em casa, trabalhei tranquilamente e sem interrupções e bem focado no que a gente precisava fazer mesmo”. O álbum foi concluído no período de um mês. A gravação do disco estava marcada originalmente para Maio de 2020, porém, por condições já conhecidas por todos, acabou sendo adiada.

O peso e o groove de De La Tierra III

De La Tierra III mostra um lado ainda mais pesado da banda, com uma sonoridade mais solta e fluída. O trabalho soa mais dinâmico comparado ao seu antecessor, De La Tierra II, abrindo mais possibilidades para o som do grupo. Embrujo, faixa que abre o disco, é bom exemplo das mudanças sutis, mas ao mesmo tempo muito significativas que o De La Tierra trouxe para seu terceiro trabalho. A música entrega muito peso, mas também conta com momentos pontuais de melodia e pinceladas de thrash metal.

Despredadores foi lançada como single e é o cartão de visitas perfeito. Mostra com segurança qual é a proposta do álbum e deixa o peso atordoar o ouvinte com força. Facilmente um dos destaques da obra e uma ótima escolha para single.

Imagem: Sony Music Latin

O disco é bem consistente e não abre espaço para deslizes ou excessos. Tudo está bem amarrado e fluindo de maneira orgânica. É possível notar como o som do De La Tierra está mais aberto, sem amarras e focado no peso. Faixas como Fuego Sagrado, Eu Não Vou Para e El Error são alguns destaques da obra, aflorando o lado metal da banda de maneira primorosa.

É fácil perceber que o De La Tierra está seguro de sua sonoridade e já tem sua personalidade bem definida, mas isso não quer dizer que as portas estão fechadas para mudanças mais drásticas. “A gente não pensa muito, sabe?! ‘Ah, a gente tem que ir pra cá, tem que ir pra lá’. Obviamente a gente tem as ideias, mas deixa tudo muito em aberto. Deixa tudo muito livre, né?!”, afirma Andreas.

A banda já tem suas características definidas, o que permite tocar qualquer coisa sem se perder ou soar como outra banda. “Se juntar eu, o Alex, o Harold e o Giménez num quarto, vai sair De La Tierra, mesmo se a gente pegar um riff do Abba (risos)”, brinca o guitarrista.

De La Tierra III mostra toda a força da música latina com sua sonoridade groovada e pesada, se destacando na curta, porém coesa discografia da banda.

O que o futuro reserva?

O grande desafio do De la Tierra é encontrar um período em que todos os integrantes estão reunidos. Por se tratar de um supergrupo, os membros estão constantemente em turnê com suas respectivas bandas, o que acaba dificultando um pouco a reunião de todos. Entretanto, Andreas prometeu que estão estudando as possibilidades e assim que possível irão divulgar as datas confirmadas de seus shows por meio das redes sociais oficiais.

Os fãs também podem esperar por diversos produtos da banda, os colecionadores de mídias físicas podem comemorar pois teremos vinis do novo trabalho.

De la Tierra é uma banda importantíssima para os dias atuais, pois temos a união da América Latina na forma da música pesada, mesclando diferentes culturas e influências fazendo um som único. A banda que já dividiu palco com gigantes como Metallica clama para que os ouvintes de metal brasileiros deem uma chance para eles e que assim deixem os preconceitos com nossos irmãos latinos de lado.