Para além dos ouvidos: Suicide and Sunshine do Trophy Eyes é música que toca o coração

Lançamento aborda a obscuridade da depressão, a realização da insignificância da vida e a eventual esperança para o futuro sob uma lente extremamente crua e pessoal

Capa: Hopeless Records

O primeiro lançamento da australiana Trophy Eyes foi em 2014, e, desde então, a sonoridade da banda foi se adaptando e evoluindo até chegar em The American Dream, lançado em 2018. Cinco anos depois, Suicide and Sunshine chega até o ouvinte em uma explosão de todas as melhores características do grupo: a voz amanteigada e suave de   John Floreani, o baixo envolvente de Jeremy Winchester, a precisão da guitarra agora nas mãos de Josh Campiao e a bateria impecável de Blake Carus. Esses elementos se juntam para entregar o álbum mais emocionante e envolvente de toda a discografia.

Além da intensidade de sentimentos, o disco é extremamente dinâmico e não se prende tanto à estruturas convencionais, tanto nas divisões das tracks quanto nas progressões instrumentais. Também traz uma narrativa muito coesa em sua integridade, criando um conceito geral para o álbum que, junto com esse dinamismo, faz com que o ouvinte escute de começo ao fim percebendo-o como uma obra completa mesmo com tracks únicas entre si. 

Foto: Thomas Elliott

Sydney abre o álbum de uma maneira muito promissora, uma introdução de menos de um minuto que faz um ótimo trabalho em ambientalizar o ouvinte tanto sonoramente quanto dentro da atmosfera e do lugar nos quais o disco se passa. O vocal de John Floreani é gritado e carregado de desespero, um início extremamente emocional e que guia o ouvinte por toda a obra.

E, entre a introdução e a primeira track, nasce um momento muito especial de Suicide and Sunshine. A transição suave conectando Sydney com Life in Slow Motion é sutil e extremamente bem colocada. É uma forma de unir as duas tracks como se fossem apenas uma. Mostra que a introdução foi pensada e intencional, e que sim, seu propósito era efetivamente criar na mente do ouvinte a imagem do espaço no qual o vocalista enxergou e reviveu durante todo o processo de produção: sua cidade natal.

 Life in Slow Motion é atmosférica – os instrumentos reverberados ajudam nessa sensação. O primeiro refrão é introduzido com um piano, o vocal em destaque, para que a bateria e a guitarra que entram mudando o ritmo sejam ainda mais marcantes. Essa mudança rítmica é muito interessante, principalmente considerando a letra da música que fala sobre a insignificância da vida e destaca como tudo é temporário, momentâneo. Começar a track com o foco no vocal dentro de uma temática mais reflexiva é muito inteligente e essas duas tracks iniciais colocam as expectativas lá no alto.    

I am nothing, but ain’t that something?

Um vocal e uma melodia mais pesados, agressivos, são apresentados em People Like You. Uma pegada mais punk mas com uma guitarra bem groovy no fundo em alguns momentos que quebra um pouco, traz mais dinamismo. O refrão vem com um coro contrastando com a voz mais grossa do cantor – mais uma vez trazendo um fator dinâmico muito expressivo.  

Uma coisa muito legal do disco é que é possível notar um uso maior dos sintetizadores. Na discografia do Trophy Eyes, a exploração dessas ferramentas era bem sutil – isso quando eram exploradas. Aqui, o ouvinte consegue perceber um enfoque maior, diferente, de uma maneira super encaixada que não faz com que a música tenha aquela sensação plástica e falsa. 

O coro na ponte de People Like You seguido de um riff de guitarra bem puxado pro post-hardcore é muito, muito bom. É outra track com uma letra obscura, os vocais celebrando que a vida está quase acabando, morrer é mais barato do que envelhecer.

My Inheritance abre com sintetizadores, uma guitarra estilizada e uma atmosfera bem dreamy em alguns momentos, com bastante reverberação. Essa track introduz uma influência meio eletrônica para o álbum com efeitos específicos que são comuns no pop mainstream, como algumas texturas vocais sintéticas, porém, apenas alguns toques – é o suficiente para trazer a referência sem parecer solta no álbum. Além disso, a canção consegue se destacar por sua letra reflexiva e tocante. 

And what are we if not the things we do? 

A ponte traz o hardcore mais pesado que a música, em maior parte, se desprende bastante. É outra track que expõe o quanto o disco é dinâmico e é, com certeza, uma das qualidades mais notáveis e destacadas neste trabalho. 

Foto: Thomas Elliott

A pegada mais pop segue na 5ª track, Blue Eyed Boy, contrastando com o screaming do vocal. Já no começo a banda utiliza um recurso muito interessante fazendo uma conexão entre a letra da música e os sons percussivos. Os instrumentos se apresentam desde a introdução da track, mas a bateria cessa quando entra o vocal. Quando Floreani canta: “knock because he locks his door”, a bateria volta simulando o som de uma batida na porta e segue o tempo normal da música. É um detalhe que pode passar batido mas que dá um toque extremamente especial. 

 Nessa faixa o ouvinte já recebe a temática de suicídio de uma maneira muito mais aberta, escancarada e intensa do que nas anteriores. É uma tentativa do personagem da música de impedir a morte do seu melhor amigo. 

Runaway, Come Home entra melancólica, atmosférica e com um piano estilizado. A banda usa Vocoder no refrão, trazendo uma textura e um efeito robótico pro vocal – recurso que eles não haviam utilizado em trabalhos anteriores. É muito bem-vindo, especialmente porque no primeiro refrão a melodia aquieta, mantendo só o piano atrás do vocal que fica em destaque, e depois os instrumentos entram potentes. Essas variações rítmicas acontecem em diferentes momentos da música, é uma verdadeira montanha-russa e essa intensidade eleva a música a outro nível. 

Um interlude corta o disco no meio. A 7ª track é Burden, composta por um piano, uma guitarra, sintetizadores e uma letra extremamente dolorosa, acompanhada de um vocal sereno que contrasta com o momento que a track se passa. É o contar de uma overdose e o sentimento de culpa, de ser um peso na vida dos outros que o vocalista sente. 

Ask you from the tile on the bathroom floor

If you had time to come save my life

If you’re busy, I’ll be fine

Interludes normalmente são utilizados para cortar um disco no meio ou em momentos diferentes, estabelecendo uma quebra, uma mudança rítmica, ou até mesmo dentro da história. Nesse caso, parece que o recurso foi utilizado aqui para simbolizar o começo do auge da temática mais desoladora e trágica do álbum. 

Após algumas menções indiretas anteriormente, Burden é a tentativa de suícidio. E, em Sean, ele é concretizado. 

A 8ª track é, sem sombra de dúvidas, a música mais triste e dolorosa do álbum. Em um tributo ao seu amigo Sean Kennedy que tirou a própria vida, Floreani amarra todo o conceito do disco na mesma faixa. 

Something just don’t sit right with suicide and sunshine

É notável a dificuldade que o vocalista teve ao cantar essa música. O ouvinte consegue ouvir em alguns momentos as respirações mais fortes, a dificuldade em controlar a emoção – o que a torna ainda mais crua, mais sincera. Esse vocal mais contido explode no refrão, e é possível sentir o desespero transbordando na voz. 

Foto: Reprodução / Trophy Eyes

Sean se mantém toda no mesmo ritmo, a melodia no mesmo tom. Não há necessidade alguma aqui de uma progressão diferente ou mais intensa dos instrumentos porque o vocal traz toda a emoção por conta própria, como se fosse uma carta aberta. Os vocais, inclusive, parecem quase que desarmonizados, soando como se não encontrassem o tempo certo dentro da música. E, realmente, não tem. Apesar de triste, é uma escolha artística brilhante. 

What Hurts the Most vem mais upbeat, mais pop, com uma ótima produção e bem ritmada. Boa, porém dentro da tracklist é uma das menos notáveis. Não é possível falar a mesma coisa da seguinte, OMW. Mais pesada e experimental, com fortes referências ao hardcore e com elementos da música eletrônica presentes na canção, o trecho “everything turn out just fine, but I still wanna die” contrasta e ironiza com suas melodias e riffs pesados de maneira magistral. 

Em um tom mais sóbrio e dark, a 11ª track Kill tem uma base rítmica mais grave e o vocal também, combinando com a letra que expõe um relacionamento tóxico. Mais uma vez fica muito evidente como essas narrativas mais carregadas que a banda aborda se tornam tão fáceis de serem recebidas pelo ouvinte por conta do dinamismo desenvolvido nas músicas, com uma mistura inteligente dos sintetizadores, dos instrumentos e do vocal. 

Sweet Soft Sound abre uma fresta de esperança pela primeira vez no disco. É uma track calma, acústica, que, apesar de desacelerar o ritmo das anteriores, passa longe de ser apenas uma filler. A melodia suave é bem-vinda após os altos e baixos e cabe perfeitamente nesse momento do disco, que começa a deixar o sol entrar. 

E, em Stay Here, o sol já está no céu e o vocalista tem uma conversa com si mesmo no espaço que se passa a música: dentro da sua cabeça. É estar de frente com as possibilidades da vida – principalmente com a possibilidade fácil, quase que eminente, da morte – e decidir que vale a pena seguir em frente e continuar. É escolher o Sunshine e não o Suicide

Foto: Reprodução / Trophy Eyes

O disco se encerra com Epilogue. A melodia e o instrumental conseguem capturar brilhantemente a atmosfera mais positiva e esperançosa que foi construída no final. Em uma referência indireta à Sydney, a track de introdução, o vocalista canta: I just didn’t wanna die in my hometown. Esse momento de full circle é muito satisfatório. 

É uma track inspiradora e um respiro de alívio. É, também, uma ode à história da banda, com algumas interpolações de momentos antigos da discografia. Ela encerra o álbum com um adeus e um sentimento de gratidão: da banda para os fãs, um agradecimento àqueles que passaram ou fizeram parte da história do Trophy Eyes

A sensação que permanece é de acalento no coração – principalmente porque o que era para ser uma despedida permanente virou um até logo, e o grupo que iria encerrar as atividades continuará trabalhando em futuros projetos. 

What a spectacular view

That I had of you

Suicide and Sunshine soa como um abraço do seu melhor amigo te dizendo que “vai ficar tudo bem” no final. Suas letras são relacionáveis, pois retratam de forma nua e crua a realidade de como nos vemos diante do mundo. As composições expõem a dualidade dos problemas da vida e dos dias nos quais as coisas podem estar dando certo, o céu pode estar azul, mas você ainda é capaz de sentir tristeza. 

John Floreani trouxe suas angústias e relações pessoais de maneira sincera e transparente, deixou que o ouvinte escutasse suas dores, que se sentisse acolhido de alguma forma. Jeremy Winchester, Josh Campiao e Blake Carus fizeram um trabalho impecável em traduzir toda a intensidade e emoção das letras nos ritmos e melodias. 

O álbum todo prende o ouvinte não só pela simplicidade com que consegue expressar as mais diversas situações da vida adulta, mas também pela sua genialidade. Por trás de cada batida dançante, existe um verso triste e pronto para ser despido. Suicide and Sunshine é uma combinação sensacional de várias qualidades do Trophy Eyes: é dinâmico, envolvente, sincero e vai além de apenas o que o ouvinte consegue escutar. Também atinge o coração. 

Para fãs de: Movements, Boston Manor e Microwave