Vatican mostra maturidade e técnica melódica em Ultra

Lançando seu terceiro álbum, a banda entrega uma narrativa sonora, questiona a natureza do ser-humano em suas letras e abre espaço para um respiro no meio do peso

Capa: UNFD

Ainda mantendo uma linha eletrônica envolvente, Vatican supera as expectativas após o disco Reassembled, Vol. 1: Sole Impulse (2021) e Sole Impulse (2019). Com agressividade, Ultra chega abrindo as portas das possibilidades com uma receita que traz hardcore, sintetizadores, questionamentos, momentos líricos e convidados como Nathan Hardy e iRis.EXE.

Após os lançamentos do EP Where Heavens Collide e dos singles [ULTRAGOLD], Reverence e Decemeta, este lançado em 2021, Vatican vinha preparando o terreno de seu público para chegar fazendo barulho de forma consciente. Contando com os lançamentos bem construídos e levantando o debate sobre a semelhança entre The Ghost Inside, Stick To Your Guns e Meshuggah dos anos 2000, a banda foi abraçada pela mudança e encorajada a seguir desta forma.

(Foto: Hunter Lenoir)

Abrindo o disco, Slipstream Annihilation já mostra a potência de Vatican, principalmente com uma tensão crescente do sintetizador que nos leva até o breakdown, dando um respiro, mas não por muito tempo. A segunda faixa entra correndo, com muita técnica, evidenciando o poder da escolha na letra e mostrando o caminho que a banda escolheu pavimentar no disco.

Fechando a trindade inicial, Reverence dá um momento de respiro ao iniciar. Com um groove mais pausado, é possível degustar a faixa até o vocal limpo entrar no refrão, causando uma estranheza, não necessariamente ruim, pelo fator digital que o acompanha. Com breakdowns bem pontuados, a faixa não dá a permissão de ficar parado, principalmente por conta do baixo estar bem acentuado e causar um estremecimento interno importante para seguir com a faixa. O final é o interlúdio da próxima música.

Where Heavens Collide, começa com o teclado e voz limpa, uma atmosfera densa com os graves antes da banda toda entrar para complementar o vocal limpo. Os sintetizadores não saem da evidência no refrão, como uma passagem épica, divina. Com o refrão melódico e feito para todos cantarem juntos no show, esta faixa tem um diferencial que merece atenção.

Como uma montanha-russa de emoções, [ULTRAGOLD] aparece com um tom mais grave, como se estivesse submerso, permitindo o baixo passear na música sem ocasionar estranheza. A letra traduz a agonia de ser fútil por si só, combinando com o peso sufocante que a faixa pode proporcionar em momentos específicos.

Contando com o interlúdio de don’t speak, Decemeta nos apresenta o hardcore. O baixo fazendo seu trabalho de acompanhar a guitarra e passear com autoridade com uma linha de preenchimento. Com quase dois minutos, a música é um estrondo digno de uma roda e jogo de luz quando tocada ao vivo, carregada de uma letra crua sobre se desprender da santificação e da necessidade de ser salvo. Livre como deseja ser.

Uncreated Waste tem uma brutalidade carregada de beatdown e breakdown, com graves bem densos. Com 1:48 e sem curvas, a faixa é um marco no disco, mostrando o potencial agressivo da banda como um todo.

Damage é uma faixa peculiar. Com um ritmo mais pausado, o vocal é exaltado com seus limpos e guturais, a dose de peso ideal para não ficar parado. A bateria fez um trabalho excelente, principalmente nos breakdowns, cativando a sinergia com o vocal, que grita ódio com uma letra que traz fragmentos sobre imortalidade, desejo e a monotonia da falta da figura materna e sua cor vermelha, encerrando como um corte seco.

By Your Love tem uma pegada mais melódica, marcando o momento de respiro no disco. Dividindo os vocais com Nathan Hardy, do Microwave, a faixa entrega tons altos que dão match com a sonoridade, nos levando para passear em uma narrativa sobre a dissociação, o caminho de volta ao início e o desejo de marcar o mundo. Próximo do fim, a banda entrega seus riffs caóticos, pesados e harmônicos, também com os sintetizadores, não deixando de lado o gutural, marcando o plot na música

Após breves momentos melodiosos, Miracle Of The Moon entra sem pedir licença com uma sonoridade agressiva e uma linha de bateria muito marcada, sendo possível sentir uma pontada de Meshuggah como inspiração. Trechos que deixam a guitarra em evidência procuram dar um respiro para quem está ouvindo. Mesmo esses momentos sendo breves, a música desenvolve uma parábola sonora, buscando o êxtase no fim.

Parecendo uma continuação da faixa anterior e com menos de 2 minutos, Mirror Dream entrega um sufocamento inicial para permitir um respiro com um groove bem harmonioso, principalmente deixando o baixo e bateria em evidência. Ficar parado não é uma opção enquanto a letra disseca sobre paralisia do sono, sonhos e o desespero em virar o jogo, se desprendendo dessa agonia.

(Foto: Yeshua)

NUMB tem tudo o que precisa para ser o cartão de visita da banda. Com muita técnica, Vatican entrega uma viagem ao centro do âmago da definição humana. Poeticamente dividindo a faixa com iRis.EXE e utilizando muito bem o recurso do grave e lírico especificamente em “now let me in”. A faixa foi feita para ser tocada ao vivo, conquistando, deliberando e elevando a energia com uma vontade de liberar seus instintos mais animais.

Fechando o álbum, Did You Ever Notice I Was Gone? é uma viagem. Dando mais espaço para iRis.EXE, a faixa tem um início gradual, com um piano singelo e a voz lírica nos convidando para ouvir uma história. Seguindo o tempo da música, o grave entra para aquecer e a batida eletrônica traz também a voz de Sugars. Essa mistura proporciona a sensação de vulnerabilidade, com o feeling sentimental e harmonioso na dose certa, com os vocais se apoiando e se misturando como dois rios desaguando em um lago. Essa atmosfera é quebrada perto do fim, na qual a banda toda se faz presente e pontua a faixa com bastante autoridade, finalizando com um ponto final sem espaço para continuação.

Ultra foi lançado e automaticamente marcou uma nova fase de Vatican. Mostrando que o melódico, o hardcore e groove podem caminhar juntos com autoridade, preenchendo todas as áreas periféricas do disco, a banda entrega o melhor da agressividade, com riffs bem construídos e potencial de se tornar um clássico do grupo e do estilo.

Para fãs de: Sanction, Foreign Hands e Malevolence